José
Lima Santana*
Do
francês saímos para o inglês. O professor? Um norte-americano do Estado de
Montana, Michael Joffrey Pichette. Naquele tempo, alguns jovens americanos
perambulavam pelo Brasil. Eram estudantes e se diziam “Voluntários da Paz”.
Para nós, ingenuamente, eles eram agentes da CIA. Michael era estudante de
Economia. Passaria um ano conosco. Era, contudo, gente muito boa. Dado a longas
conversas fora da sala de aula.
Ele
hospedara-se na Pensão de Dona Ceicinha Melo, mulher de José Freitas de
Oliveira, chefe da Agência de Coleta do IBGE, onde eu trabalharia em 1976,
contratado como Auxiliar Censitário Técnico. Chamava-me de “Joe”. O inglês não
me encantou tanto quanto o francês. Uma disciplina que me atormentaria,
juntamente com Matemática: Desenho, ministrada pelo padre Antonino. Italiano
exigente. Régua, compasso e transferidor. Eu os detestava. Nada me impelia para
as Exatas.
Eu
queria estudar História, na UFS. Para trás ficou a História do Brasil. Agora,
História Geral: Pré-História, Antiguidade e Idade Média. Egito, Mesopotâmia,
Grécia e Roma. A Grécia atraía-me. Mas, a política romana me fascinava. A
República muito mais do que o Império.
No
segundo semestre, nós deixamos o prédio do Grupo Escolar Gal. Calasans e fomos
para o prédio próprio, recém construído. A ala direita com quatro salas de
aula, banheiros e uma pequena sala provisória para a administração. Éramos
somente quatro turmas. Deixamos a noite pela tarde. Nos dois artigos
anteriores, eu não mencionei as fardas. Faço-o agora.
Havia
a farda diária e a farda de gala. Saia verde para as meninas com blusa branca
de mangas curtas, a diária. A de gala era uma saia também verde, plissada, mas
a blusa era de mangas compridas com uma gravata verde. Para nós, os meninos, a
diária era calça cáqui e camisa de algodão basicamente da mesma cor da calça. A
de gala era calça preta, camisa branca de mangas compridas e uma gravata preta.
Sapatos pretos para meninos e meninas.
Uma
coisa o padre Araújo fazia com esmero: os desfiles de Sete de Setembro com
alegorias históricas nacionais e regionais. Procurei imitá-lo, quando me tornei
diretor. A Banda Marcial nos foi dada pelo governador.
Naquela
época, o Setor Local da CNEC mudou o nome do Ginásio, de Tertuliano Pereira de
Azevedo para Francisco Porto. Enquanto estudávamos na ala direita, a ala
administrativa estava em construção. Deu-se a inauguração no fim do ano. Na
mesma época, a DESO, agora transformada em Sociedade de Economia Mista,
começava a fazer experimentos para a implantação do sistema de água encanada,
que seria o primeiro implantado no interior pela estatal.
Continuávamos
absorvendo os ensinamentos do professor Cerivaldo Pereira. Ouvíamos as Rádios
do bloco comunista. É claro que, no meio de nós, havia os pró-americanos. Da
política dos States, eu detestava muito mais os republicanos. Até hoje. Porém,
sendo antiamericano, no todo, eu não usava um dos símbolos juvenis vindos
daquele país: a tão badalada calça jeans da marca Lee. Jamais.
Eu
era radical. No entanto, nunca me deixei levar pela ditadura do proletariado.
Na minha tosca compreensão, eu não deveria contestar a ditadura militar no
Brasil e defender as ditaduras comunistas. Para mim, estava claro que ditaduras
não prestavam, de direita ou de esquerda.
Dois
fatos marcariam a minha vida naquele ano de 1969, aos 14 anos. O primeiro foi a
entrevista que eu li, na revista “Realidade”, de um jovem político português
exilado em Paris, fugindo da ditadura de Antônio Oliveira Salazar. Ele era do
Partido Socialista. Para mim, nascia um novo viés político: nem o capitalismo
dos americanos, nem o comunismo do bloco soviético. O jovem era Mário Soares.
O
segundo fato foi a descoberta, na Biblioteca Paroquial Ceciliano Andrade, do
livro “Escolhi a Liberdade”, do dissidente russo Victor Kravchenko, publicado
em 1949. Nele, eram expostos os famigerados expurgos promovidos por Josef
Stalin. “Isso aí é propaganda contrarrevolucionária”, disse-me Cerivaldo. Até
podia ser, mas os relatos me impressionaram. Com a morte de Stalin e a subida
ao poder soviético de Nikita Kruschev ao menos parte dos relatos de Kravchenko
confirmaram-se. Propaganda contrarrevolucionária ou não, o livro em tela
ajudou-me a tomar uma decisão: nem capitalismo nem comunismo nos moldes
existentes.
A
entrevista de Mário Soares, que viria a ser, após a Revolução dos Cravos de 25
de abril de 1974, primeiro-ministro e presidente do seu país, levou-me a buscar
o humanismo e a social democracia, como seria o caso da alemã de Willy Brandt,
para culminar na social democracia nórdica. Eu fugia dos extremos.
Na
terceira série, alguns alunos da minha turma tomaram o encargo de encenar
“Capitu”, de Machado de Assis. Começaram os ensaios. Eu faria o papel de
Bentinho. Após alguns ensaios, o projeto foi abortado. Mas, no papel de
Bentinho, eu não me senti traído. Nem por um átimo, eu me senti corno. Não
pegava bem, nem mesmo numa encenação.
Fora
da escola, uma das nossas diversões era jogar botões. Eu promovi o Campeonato
Dorense de Botões, criando a Liga Dorense de Futebol de Mesa, da qual era o
presidente, obviamente. Jogávamos nas calçadas ou nas salas de algumas casas,
sobre um “campo” de madeira, notadamente nas casas de Fernando Lima e Valdir de
Acrísio. Escreverei sobre isso, oportunamente.
O
padre Araújo criou o clube de jovens, Jovens Unidos Dorenses – JUD. Espaço para
bater papo, jogar e dançar. A maioria dos frequentadores era exatamente de
alunos do Ginásio. Eu continuava devotado a escrever poesias. A ponto de mamãe
dizer: “Esse menino só pensa em fazer versos”.
De
uma vizinha, eu recebi esta quadrinha: “Não lembra você que um dia / Humilde,
lhe pedi amor / Mas você, com displicência / Não me deu mais que uma flor”. Meu
coração batia noutras plagas. Por uma menina da segunda série. Rosa, de quem
“um dia eu vi a rosa orvalhada pelo desejo”, como cantei em poema publicado no
livro “Para Jamais Esquecer”, de 1989. Na primeira vez que toquei em suas mãos,
suspirei uma noite inteira. Ora, para que tantos suspiros? Para acabar padre.
Caminhos insondáveis...
A
terceira série foi a única do curso ginasial na qual eu passei sem precisar
fazer prova final de Matemática. Um alívio. Aliás, de Matemática eu só aprendi
mesmo a calcular 20% de honorários advocatícios. E a memorizar a regra do
seno/cosseno: “Minha terra tem palmeiras / Onde canta o sabiá / seno a cosseno
b / Seno b cosseno a”. Horrorosa trigonometria.
Nenhum comentário:
Postar um comentário