terça-feira, 1 de fevereiro de 2022

CONTRA O CONSENSO


  

Antônio Carlos Sobral Sousa*

 

   

O ato médico está embasado em dois pilares, o intelectivo, incapaz de ser padronizado, porque depende da capacidade cognitiva do profissional na tomada da decisão e o técnico que depende da formação, aperfeiçoamento e atualizações, podendo, portanto, ser regulado por diretrizes de prática clínica.

Estas constituem ferramenta importante, especialmente em uma área tão complexa e em rápida mudança como a da Covid-19, objetivando aperfeiçoar a qualidade do atendimento, baseada na melhor evidência disponível e reduzir a disparidade de condutas para o mesmo tipo de situação clínica.

A variante Ômicron do SARS-Cov-2, dotada de uma capacidade de transmissão incomparavelmente superior às demais, se alastrou, rapidamente, pelo território brasileiro, favorecida, sobretudo, pelo evidente relaxamento das medidas protetoras. Apesar de a maioria dos contaminados exibir sintomas leves a moderados, sendo alguns até assintomáticos, podendo se recuperar em ambiente domiciliar, alguns, particularmente aqueles mais idosos, os portadores de comorbidades, os imunocomprometidos e os não vacinados, podem desenvolver quadros graves, necessitando recorrer à internação hospitalar.

Vale reforçar que os indivíduos que receberam a imunização de reforço têm menor chance de apresentarem complicações graves e morte pela virose, do que aqueles que não a receberam. Portanto, a implementação apropriada de diretrizes constitui grande interesse para os prestadores de cuidados à saúde, para as organizações nacionais, para as associações profissionais, beneficiando a sociedade, como um todo.

A Comissão de Incorporação de Tecnologia ao Sistema Único de Saúde (Conitec), órgão ligado ao Ministério da Saúde (MS), aprovou na primeira semana de dezembro de 2021, mediante relatório, as Diretrizes Brasileiras para Tratamento Medicamentoso Ambulatorial do Paciente com Covid-19, rejeitando o uso ambulatorial de medicamentos que compõem o “kit covid”, baseado em cloroquina/hidroxicloroquina, ivermectina e azitromicina para tratamento precoce da doença, pois não havia sido constatada evidência que mostrasse qualquer benefício clínico para tal fim.

Esta era, desde o começo, a posição do Conselho Nacional de Saúde (CNS), que integra a citada Comissão. Vale lembrar que, em maio de 2020, o CNS recomendou ao governo a suspensão imediata das Orientações do MS para manuseio medicamentoso precoce de pacientes com diagnóstico da Covid-19 e, em agosto do mesmo ano, recomendou à pasta da Saúde medidas para a garantia do abastecimento de cloroquina e hidroxicloroquina para os pacientes que fazem uso contínuo e imprescindível destes medicamentos para outros fins não relacionados à Covid-19.

Em Nota Técnica publicada no Diário Oficial da União de 21 de janeiro de 2022, assinada pelo chefe da Secretaria de Ciência, Tecnologia, Inovação e Insumos Estratégicos em Saúde, o MS rejeitou as diretrizes da Conitec, alegando "incerteza e incipiência do cenário científico diante de uma doença em grande parte desconhecida".

Estranhamente, na Tabela-1da referida nota, consta que há demonstração de efetividade e de segurança, em estudos controlados e randomizados para o uso de hidroxicloroquina no tratamento da Covid-19, o mesmo não ocorrendo com as vacinas!

O Colegiado de Professores Titulares da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP) manifestou solidariedade ao Prof. Dr. Carlos Carvalho, que coordenou um seleto grupo de especialistas, representando diversas sociedades médicas e universidades e que resultou na elaboração das diretrizes para o tratamento da Covid-19, aprovada pela Conitec.

Na esteira desta interlocução, várias entidades médicas, como a Associação Médica Brasileira (AMB), também, têm emitido duros pronunciamentos, de repúdio à referida portaria do MS. Em carta aberta, em um site de petições on-line (https://chng.it/snJ8wZVQ), inúmeros pesquisadores, professores e profissionais de saúde pedem urgência na adoção das normas aprovadas em dois turnos pela Conitec, que barrariam o "kit covid". "Nos sentimos perplexos quando lemos a vasta lista de estultices apresentada pela nota técnica", diz o manifesto.

Após todos esses protestos, a portaria do MS foi reeditada, sendo retirada a “Tabela-1”, citada acima, sem alterar, todavia, a essência do documento. Fica a esperança que essa decisão seja, realmente, revista, para evitar maiores prejuízos à saúde da população brasileira. Finalizo, citando o pastor estadunidense Martin Luther King: “O      que me preocupa não é o grito dos maus. É o silêncio dos bons”.

 

 

* Professor Titular da UFS e Membro das Academias Sergipanas de Medicina, de Letras e de Educação.

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