Claudefranklin
Monteiro Santos*
No primeiro
semestre de 1994, na disciplina Moderna I, a Profª Drª Terezinha Oliva lançou
um desafio para seus alunos: fazer a leitura, resenha e apresentação de uma
obra da historiografia que discutisse um tema específico da História Moderna.
Todos, naturalmente, foram escolhendo aquelas que estivessem escritas em
português e que tivessem o menor número de páginas possível. Restou sobre a
mesa da professora, uma massaroca de mais de 400 páginas, que ficou sob meus
cuidados e responsabilidade.
Refiro-me
ao livro O Renascimento Italiano, de
autoria de Jacob Burckhardt. Curiosamente, ao vasculhar alguns de meus
exercícios acadêmicos, me deparei com uma resenha que fiz para aquela ocasião e
notei, ao relê-la que a obra está completando 160 anos da publicação de sua
primeira edição. A versão a qual eu me debrucei foi de 1973, editada pela Livraria
Martins Fontes e traduzida por Antônio Borges Coelho.
Die Kultur der RenaissanceenItalien: ein
versuch.
Este foi o título original da obra, que segue sendo uma grande referência para
entender um dos maiores acontecimentos culturais e científicos da Europa, entre
os séculos XV e XVI. Movimento que revolucionou não somente as artes, mas
também a ciência, a filosofia e até mesmo a religião. A ênfase no humanismo e
na razão deu novo ânimo e apontou novos rumos para o mundo, cujos efeitos ainda
se fazem sentir em nosso tempo.
Natural
da Basiléia (Suíça), no dia 25 de maio de 1818, Jacob Burckhardt doutorou-se em
História, ministrando seus primeiros cursos em sua cidade natal. Viajou muito, percorrendo
importantes lugares da Itália, da Alemanha e da França, onde morou por muitos
anos. Foi professor de História da Arte na Escola Politécnica de Zurich. Além
de O Renascimento Italiano, escreveu A Época de Constantino, o Grande (1853)
e Civilização Grega (1880-90). Morreu
no dia 8 de agosto de 1897, na Basiléia.
Ele
viveu numa época onde a Europa atravessava um momento de discussão em torno da
identidade nacional, do patriotismo e da defesa da unidade territorial, que
lançou as bases para a Unificação Italiana (1870) e a para a Unificação Alemã
(1871). Uma preconização dos conflitos que o mundo irá viver no século
seguinte, em razão da formação de grandes impérios.
Além
disso, era um final de século onde a História, enquanto conhecimento, almejava
à cientificidade, sob a batuta das ideias de Ranke e a necessidade de contar a
história como ela tal e qual aconteceu e se apresentou. Uma busca quase
inglória pela objetividade na ciência histórica. Elementos historiográficos que
ele acabou agregando às suas obras e a sua análise, com um particular: dando
vasão aos aspectos culturais.
O Renascimento Italiano, de Jacob Burckhardt,
é uma obra robusta e de fôlego discursivo, rica em informações e bem
fundamentada. Está dividida em seis partes: 1) O Estado considerando como obra
de arte; 2) Desenvolvimento do indivíduo; 3) O ressurgimento da Antiguidade; 4)
A descoberta do mundo e do homem; 5) A sociabilidade e as festas; 6) Costumes e
religião.
Na
primeira parte, o historiador suíço dedica-se a analisar a existência da
tirania nos séculos XIV e XV, que dominava o território italiano à exceção de
Veneza e Florença, considerada pelo autor como o primeiro Estado Moderno. Destaca
ainda a questão da guerra e seu avanço em razão das novidades tecnológicas. Por
fim, analisa o papado, com destaque para o pontificado de Sisto VI.
Em
seguida, na segunda parte, Burckhardt opta por uma análise mais filosófica dos
fatos, mas sem abrir mão do objetivismo. A palavra-chave é o individualismo.
Procurar compreender o sentido do indivíduo na Itália da época Moderna, em
contraposição ao que se convencionou ser o corporativismo do Medievo; discute
ainda sobre a questão da personalidade e também a zombaria do comportamento espirituoso
do homem moderno, com seu humor predominantemente mordaz e às vezes até cruel.
A larga
influência da Antiguidade na produção dos renascentistas será uma das tônicas
da terceira parte do livro. Dedica também especial atenção a descrever a
atuação de figuras como Dante, Petrarca e Boccácio, bem como dos chamados
promotores do humanismo, a exemplo de Manetti e o papa Leão X, ao qual esbanja
comentários e tece elogios.
A
ciência é o escopo da quarta parte. Burckhardt realça duas ideias que geraram
outros temas: a preocupação com o natural e com a descrição fidedigna do objeto
em atenção. Nesse sentido, ressalta o desenvolvimento das ciências naturais. Para
ele, aqueles tempos permitiram ao italiano abrir-se ao que ele chama de “um espírito
de consciência da corporeidade humana”, que irá refletir na inserção do conceito
de beleza, na sensibilidade artística e poética, enfim, no espírito italiano moderno
de pintar, falar e cantar aquilo que é belo, real e natural.
Nas
duas últimas partes, o autor mostra a sua versatilidade analítica de um
historiador singular do final do século XIX, discorrendo sobre a sociedade e
seus costumes, a situação da mulher na sociedade moderna, a vida doméstica e o
cotidiano, a religião e a religiosidade, a liberdade de ser e de crer ou não
crer, as festas e gosto pelo esplendor e pela pompa.
Aos
historiadores do nosso tempo que perderam a mão na escrita da história,
divagando e se perdendo em estruturas complexas e teorias densas que nada
explicam e dizem, vale a pena uma leitura acurada e interessada de O Renascimento Italiano. A obra, além de
apresentar-se como um grande legado da historiografia do século XIX, também, em
grande medida dialoga com o século XXI, apontando para uma metodologia que dá conta
de analisar o homem sem deixá-lo nulo e inexistente em meio a tantos floreios discursivos
que dizem mais da vaidade e da arrogância de quem escreve do que da vida, do
ser humano e de suas sutilezas históricas.
*Professor do Departamento de História da Universidade Federal de Sergipe, doutor em História e membro das Academias Sergipanas de Letras e de Educação.
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