Claudefranklin Monteiro dos Santos*
Entre as cenas mais marcantes da pandemia da COVID-19,
a Igreja Católica assumiu algum protagonismo. Lembro aqui aquela imagem do papa
Francisco solitário num Vaticano desolado, pranteando por seus mortos. Ou ainda,
o padre italiano Giuseppe Berardelli que abriu mão de seu direito ao respirador
e morreu para salvar uma pessoa mais jovem. Por outro lado, a doença também se
apresenta como um chamado profético para a reflexão profunda do ser e agir
cristão no século XXI e para alguns no anunciado Fim dos Tempos.
Os templos foram fechados, obras de reforma
interrompidas, efemérides importantes e festas de padroeiro e outras atividades
pastorais suspensas ou readaptadas, adiadas e mesmo canceladas. Ficamos distantes
do Santíssimo e, curiosamente, alguns de nós mais próximos Dele. Ouvi de uma
grande amiga católica que nesta pandemia, em algumas situações, a distância da
instituição nos tornou mais próximos de Deus, pela oração e pela confiança.
Aliás oração e confiança marcaram a recuperação milagrosa
do bispo de Pinerolo, Dom Derio Olivero, após 50 dias no hospital, em coma e
praticamente desenganado pela ciência e pela medicina. “Estou vivo por um
milagre”, afirmou o clérigo, que ao retornar nos apresentou uma série de reflexões
que nos parecem muito oportunas e decisivas para a sobrevivência da instituição
no pós-pandemia. Digo sobrevivência, porque entendo que há muito o que fazer e
refazer no “novo normal”.
Dom Derio Olivero nos aponta alguns caminhos que já
podem ser percorridos desde já, sem esperar uma solução para o fim da doença ou
mesmo uma vacina que a mantenha sob controle. Para ele, mais do que nunca,
faz-se necessário criar e reforçar uma “rede comunitária”. Nunca trabalhar e
viver em comunhão e em comunidade se tornou tão imperativo na história da
Igreja e da humanidade.
Além disso, a “confiança em Deus” precisa ser uma
constante e uma realidade. Somente essa experiência (e não apenas louvor) nos
abrirá perspectivas para além daquela que o rastro do medo e da morte deixam a
cada nova estatística. Para o bispo de Pirenolo alguns verbos se tornaram muito
mais caros em nossa jornada cristã durante a pandemia: confiar, se entregar, orar,
crer e agir. Somente isto fará “uma mudança radical de paradigma” que supere o
convencional, a mesmice dos últimos tempos, a frieza, a distância, a pompa: “Não
precisamos de uma igreja que frequente a igreja, mas de uma Igreja que
frequente a todos”, afirma o religioso.
Uma Igreja verdadeiramente em saída, como preconiza há
algum tempo o papa Francisco. Uma Igreja que viva a “transparência” do
Evangelho, uma Igreja no agir de Santa Marta, Santa Maria Madalena, de São
Paulo, de São Francisco de Assis e de Santa Teresinha do Menino Jesus, só para
citar alguns sinais de algum tempo já verificados no seio da instituição e que
não foram ainda devidamente levados em consideração.
Uma peça de madeira envernizada é muito bonita. Um mármore
talhado artisticamente, também. Mas são feitas apenas para ser conservadas,
cuidadas e admiradas. A razão de ser de minha fé não tinha beleza para se
admirar. Prostrado na Cruz sob o peso de nossos e de meus pecados, o Cristo
vertia seu sangue sagrado por aqueles, inclusive, que o agrediam. Sua morte e
sua ressurreição sugerem a Igreja que sempre deveríamos ser: que dá de si em plenitude,
confiante, orante, crente, mas também aquela que deve habitar os corações dos
aflitos, indo ao encontro deles e, preferencialmente, deles.
*Professor do Departamento de História da Universidade
Federal de Sergipe, doutor em História e membro das Academias Sergipanas de
Letras e de Educação.
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