José
Lima Santana*
Este
artigo sequencia aquele publicado no dia 17 pretérito (“Iniciando o curso
ginasial”). Aos treze anos, na segunda série do Ginásio, o mundo foi-se abrindo
a passos largos. Muitas coisas aconteceriam. Numa reunião de pais, eu tive que
acompanhar o meu pai. Foi numa quarta-feira à noite. A pauta da reunião era a
majoração das mensalidades. O padre Araújo tinha morado no Canadá.
A
sua visão era voltada para o atendimento das classes menos favorecidas. Ele era
muito ligado a Dom Távora. Tanto que, com a morte do Arcebispo, em 1970, ele
teve dificuldades de conviver com o novo Arcebispo e acabaria deixando o
sacerdócio. Na reunião, o padre diretor fez uma proposta que só não recebeu a
adesão de um pai de aluno. Este, lembro-me muito bem, disse que os pais que não
pudessem pagar para os filhos estudarem, que os tirassem do Ginásio.
O
diretor tinha proposto que os pais mais abastados pagassem NCr$ 10,00. Os
remediados, NCr$ 5,00. E os de menores condições, NCr$ 3,00, que fora o valor
da mensalidade do ano anterior, para todos. Meu pai, que era marchante, foi
enquadrado entre os remediados.
A
proposta do diretor foi, então, acolhida. De volta para casa com o meu pai, eu
disse que, quando crescesse, queria ser diretor do Ginásio para ajudar os
alunos pobres. Papai me olhou de soslaio e riu. Realmente, dez anos depois, em
junho de 1978, o professor Nicodemos Correia Falcão, nomeou-me diretor do já
Colégio Cenecista Regional Francisco Porto. E ali eu permaneci até outubro de
1997, quando me tornei professor efetivo da Universidade Federal de Sergipe.
Nos
meus dezenove anos e quatro meses de direção, todo aluno pobre que quis estudar
teve a oportunidade garantida. O jeito eu consegui dar sem onerar o Colégio. A
Secretaria de Estado da Educação precisaria do espaço do Calasans, no turno
noturno. Para onde iríamos? O padre Araújo foi bater à porta da Prefeitura. O
prefeito Juquinha de Nonô (Antônio Cardoso de Oliveira) prontificou-se em
buscar ajuda junto ao governador Lourival Baptista. Então, a Prefeitura
adquiriu um terreno para a construção do prédio próprio do Ginásio. O
governador topou a parada.
Em
30 de outubro de 1968 foi lançada a pedra fundamental do prédio do Ginásio.
Além do terreno adquirido, o prefeito Juquinha entregou um cheque de NCr$
15.000,00 ao governador. Na primeira parte do prédio escolar, seriam gastos
NCr$ 60.000,00. O Estado entraria com NCr$ 45.000,00. Uma festa, assistida por
autoridades municipais e estaduais com a participação de muitas pessoas da
comunidade local. Naquela época, a presença do governador no interior era, por
si só, uma grande festa. Além do Ginásio, seria reformado o estádio Ariston
Azevedo, do Dorense Futebol Clube. E outras obras seriam lançadas. Àquela
solenidade também esteve presente o Arcebispo, Dom José Vicente Távora, o Bispo
dos Pobres.
No
dia 21 de junho daquele ano, 1968, a minha turma foi toda ela suspensa por três
dias, por ato do vice-diretor, na ausência do diretor. A turma estava revoltada
com o resultado da prova de Matemática, cuja disciplina era “ensinada” pelo
vice-diretor, que era, também, funcionário de um Banco privado que abriu
agência em Dores. Mas, ele não sabia nada de Matemática, ao menos do conteúdo
da segunda série. Livro utilizado? Ary Quintela. Um aluno repetente, Zezinho de
Valda, à tarde dava umas “aulas” ao professor, para que este nos “ensinasse”. A
turma acabou descobrindo isso. Dias antes da prova, ele chamou-me ao quadro
negro para resolver uma raiz cúbica. Eu não sabia nem a quadrada, imagine a
cúbica. Todavia, não perdi a pose. Enchi o quadro de números, vagarosamente,
como se realmente estivesse resolvendo a questão, Nada. Estava apenas
aguardando o toque do sino de Valmir, no fim da aula. Tocou. Afastei-me um
pouco e com pose de quem sabia tudo, disse: “Professor, terminei”. Ele nem
olhou. Respondeu: “Muito bem. Zé. Você tem oito e não precisa fazer prova”. Os
colegas foram à loucura. Eu não tinha nada a ver com o imbróglio.
Fiquei
mesmo com a nota 8,0 e não fiz a prova. Com a revolta dos alunos, o professor
botou para quebrar na prova. Fernando Lima tirou nota 7,0. Alberto Jorge, 5,0.
Os demais, se não me falha a memória, se ferraram. Dezessete tiraram nota zero.
Entrega das provas no dia 21. Revolta geral. Suspensão geral. Tivemos um São
João antecipado. A Matemática era mesmo o meu tormento.
No
Primário, contudo, não tinha sido assim. O professor Cerivaldo Pereira,
funcionário do BANESE, novo professor de Matemática e de Educação Física,
começou a abrir a cabeça da rapaziada para certas situações da vida política
nacional. Ele era do Partidão, na clandestinidade. Não nos aliciava, mas nos
levava a pensar coisas. Um grupo de estudantes logo aderiu à moda de ouvir na
frequência de ondas curtas as Rádios de Moscou, Berlim Oriental e Havana, nas
transmissões em português, a partir das 23:00 horas. Ouvíamos também a BBC de
Londres. Não ouvíamos a Voz da América, porque apoiava a ditadura militar, que
aprendemos a contestar.
Um
registro que não pode ficar de fora deste artigo: nas duas primeiras séries do
curso ginasial a disciplina que mais me encantou foi o Francês. O livro
didático era “Cours de Français” de Augusto R. Rainha e José A. Gonçalves. Os
professores foram o padre Araújo, que, como foi dito, morou no Canadá, na parte
francesa, e a Irmã Branca, da Congregação de Sion, que tinha morado na Bélgica.
Deixei-me tocar pela língua de Victor Hugo. Tanto que, quando eu fui estudar na
Aliança Francesa, em 1977, tendo como professor o hoje diplomata aposentado,
Sílvio Menezes Garcia, eu e Carolina fomos passados do primeiro para o quarto
ano. Não sei se eu merecia tanto. Carolina, sim. Mas, o professor era
formidável.
Na
segunda série, eu descobri a poesia de Manuel Bandeira, que se tornaria, para
sempre, o meu poeta preferido. No livro de português, “Língua Pátria”, de
Maximiano Augusto Gonçalves, que tinha na capa a fachada da sede da Academia
Brasileira de Letras, havia dois poemas do pernambucano, denominado de “poeta
federal” por Carlos Drummond de Andrade: “Renúncia” e “O trem de ferro”.
Encantei-me, especialmente com o segundo, pelo seu ritmo “fumegante”.
Fim
de ano. A Matemática não me deu trégua, apesar daquele oito (8,0), e tive que,
mais uma vez, ir para a prova final. Mas, no geral, passei com folga, entre os
primeiros colocados. Que viesse a terceira série.
*Padre, advogado,
professor do Departamento de Direito da Universidade Federal de Sergipe, membro
da Academia Sergipana de Letras, Academia Sergipana de Letras Jurídicas,
Academia Dorense de Letras, Academia Sergipana de Educação e do Instituto Histórico
e Geográfico de Sergipe.
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