Ester Fraga Vilas Bôas Carvalho do Nascimento*
No século XVI, o advento da imprensa, servindo de veículo para as novas
idéias, dentre outros fatores, permitiu que, no meio de uma pluralidade
religiosa, surgissem os reformadores que naquela época opuseram-se a certas
práticas religiosas populares. Segundo Natalie Zemon Davis, as diversas
maneiras pelas quais “a palavra
impressa entrou na vida popular no século XVI” criaram “novas redes de
comunicação, abrindo novas opções para o povo e também oferecendo novas formas
de controlá-lo”. Para Peter
Burke, os protestantes insistiram na separação entre o sagrado e o profano,
propondo uma reforma da cultura popular. Na visão de Erasmo de Roterdam, era
preciso tirar-lhe seu paganismo e licenciosidade, alterando assim a mentalidade
ou sensibilidade religiosa popular, sendo necessário oferecer ao povo uma nova
cultura popular que viesse substituir a anterior. No púlpito, o pregador
deveria utilizar junto com a oratória, as novas técnicas de comunicação,
trabalhando com as emoções de sua platéia.
O Protestantismo
desde seu surgimento sempre teve a preocupação com a divulgação da Bíblia. A
palavra impressa foi uma das estratégias utilizada pela Reforma para expandir a
verdade que estava registrada nas Escrituras Sagradas. Para Lutero, essa
verdade precisava ser disseminada a um maior número de leitores, não somente em latim, mas também nas línguas
vulgares. Nos países convertidos ao Protestantismo, a Bíblia
transformou-se no principal sustentáculo da cultura popular, influenciando na
forma de pensar do povo. Os livros começaram também a ser compartilhados em
reuniões de família e de amigos, em lojas, nas oficinas gráficas. Segundo
Davis, os grupos de leituras mais inovadores foram os protestantes, com a
presença de homens e mulheres nas reuniões, que necessariamente não pertenciam “à mesma família, ao mesmo ofício ou até
mesmo à mesma vizinhança”. Outro texto difundido entre os conversos foi o
catecismo — um livrinho contendo informações elementares sobre aquela
doutrina religiosa — considerado por muitos como a Bíblia do homem comum.
A primeira edição do Novo
Testamento, publicado na Alemanha em setembro de 1522, esgotou dentro de 10
semanas, desencadeando o interesse de outros países em publicá-la na sua
própria língua. Alguns anos depois de Lutero traduzir o Velho Testamento, a
Bíblia atingiu a venda de “um milhão na primeira metade do século” (Febvre e
Martin).
Os analfabetos passaram a
frequentar a escola para ter acesso à palavra impressa. Nos países convertidos
ao Protestantismo, a Bíblia transformou-se no principal sustentáculo da cultura
popular, influenciando na forma de pensar do povo. Os livros começaram também a
ser compartilhados em reuniões de família e de amigos, em lojas, nas oficinas
gráficas. Mas os grupos de leituras mais inovadores foram os protestantes, com
a presença de homens e mulheres nas reuniões, que necessariamente não
pertenciam “à mesma família, ao mesmo ofício ou até mesmo à mesma vizinhança”
(DAVIS). Outro texto difundido entre os conversos foi o catecismo — um livrinho
contendo informações elementares sobre aquela doutrina religiosa — considerado por muitos como a Bíblia do homem
comum.
A utilização da música
também foi uma prática importante no ritual do culto protestante. Dentro da
proposta de reforma religiosa no século XVI, as músicas populares que falavam
do amor e da vida mundana tiveram suas letras substituídas por salmos. Como
também melodias de hinos eram adaptações de canções populares. Esta prática de
substituição ou transposição utilizada por Lutero, nem sempre foi aprovada
pelos outros reformadores. Porém, a coletânea de hinos organizada por ele
passou a integrar o cotidiano dos conversos assumindo as funções das canções folclóricas, e eram usados até mesmo
como canções de ninar. Os cânticos iam-se difundindo e perpetuando-se
pela oralidade; o analfabeto memorizava e inculcava os conceitos contidos nas
Escrituras. Os hinos e os corais se tornaram ícones orais para aqueles que
renunciaram aos visuais.
Os adeptos à nova fé eram exortados à santidade pessoal através de
sermões, leituras bíblicas diárias, encontros de oração, de confraternização
com salmos e hinos, aulas de estudos bíblicos. Os dias santos e as festas e
procissões sumiram junto com as imagens e os altares. O espaço interno da
igreja foi reorganizado para a realização de um novo tipo de culto.
Outro ponto que os reformadores do século XVI na Europa combateram foi a
diluição do sobrenatural, da superstição, com a religião; a associação dos
sacramentos a poderes mágicos. Durante a Idade Média, segundo Keith Thomas, a
Igreja atuou como “repositório de poderes sobrenaturais, que podiam ser distribuídos
aos fiéis para auxiliá-los em seus problemas do cotidiano”. As rezas também foram
combatidas, pois, na visão reformista, elas tinham características
encantatórias, sendo substituídas do latim para o vernáculo pela Igreja
Anglicana.
Apesar da aversão protestante pelo culto aos santos, os adeptos da nova
religião não deixaram de promover os seus próprios, adotando a figura do mártir,
transformando-os em heróis. O próprio Lutero foi freqüentemente retratado com
auréolas e pombas. Ducan Reily abordou esta questão quando tratou da
importância do trabalho desenvolvido no Brasil pelo missionário presbiteriano
norte-americano Ashbel Green Simonton, afirmando que existia “uma tendência natural
de se transformar o pioneiro em herói”.
Apesar de terem emergido do mesmo fundo cultural cristão, os protestantes
desenvolveram uma cultura distinta da católica. O leigo ascendeu na hierarquia
religiosa. Tanto homens como mulheres não ordenados foram admitidos nos
organismos decisórios. As diferenças sociais estavam minimizadas. Pessoas das
classes mais baixas se identificavam com os ricos, poderosos e intelectuais
dentro dessa nova estrutura religiosa. Essa inversão de valores foi uma das
características da popularidade do protestantismo.
* Professora do Programa de Pós-Graduação em Educação/GPHPE/Universidade Tiradentes; Bolsista de Produtividade de Pesquisa em Educação pelo CNPq; Membro da Academia Sergipana de Educação, da Academia Brasileira Teológica de Letras/SE, da Academia Brasileira Rotária de Letras/SE, da Sociedade Bíblica do Brasil/SE e, do Rotary Club International/RC de Aracaju Norte/Distrito 4391.
Belíssima pesquisa, profa Ester! Parabéns!!
ResponderExcluirMuito bom. Parabéns, Ester.
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