sábado, 31 de outubro de 2020

A REFORMA PROTESTANTE E A PALAVRA IMPRESSA



 

Ester Fraga Vilas Bôas Carvalho do Nascimento*

 

 

No século XVI, o advento da imprensa, servindo de veículo para as novas idéias, dentre outros fatores, permitiu que, no meio de uma pluralidade religiosa, surgissem os reformadores que naquela época opuseram-se a certas práticas religiosas populares. Segundo Natalie Zemon Davis, as diversas maneiras pelas quais “a palavra impressa entrou na vida popular no século XVI” criaram “novas redes de comunicação, abrindo novas opções para o povo e também oferecendo novas formas de controlá-lo”.  Para Peter Burke, os protestantes insistiram na separação entre o sagrado e o profano, propondo uma reforma da cultura popular. Na visão de Erasmo de Roterdam, era preciso tirar-lhe seu paganismo e licenciosidade, alterando assim a mentalidade ou sensibilidade religiosa popular, sendo necessário oferecer ao povo uma nova cultura popular que viesse substituir a anterior. No púlpito, o pregador deveria utilizar junto com a oratória, as novas técnicas de comunicação, trabalhando com as emoções de sua platéia.

O Protestantismo desde seu surgimento sempre teve a preocupação com a divulgação da Bíblia. A palavra impressa foi uma das estratégias utilizada pela Reforma para expandir a verdade que estava registrada nas Escrituras Sagradas. Para Lutero, essa verdade precisava ser disseminada a um maior número de leitores, não somente em latim, mas também nas línguas vulgares. Nos países convertidos ao Protestantismo, a Bíblia transformou-se no principal sustentáculo da cultura popular, influenciando na forma de pensar do povo. Os livros começaram também a ser compartilhados em reuniões de família e de amigos, em lojas, nas oficinas gráficas. Segundo Davis, os grupos de leituras mais inovadores foram os protestantes, com a presença de homens e mulheres nas reuniões, que necessariamente não pertenciam “à mesma família, ao mesmo ofício ou até mesmo à mesma vizinhança”. Outro texto difundido entre os conversos foi o catecismo — um livrinho contendo informações elementares sobre aquela doutrina religiosa — considerado por muitos como a Bíblia do homem comum.

A primeira edição do Novo Testamento, publicado na Alemanha em setembro de 1522, esgotou dentro de 10 semanas, desencadeando o interesse de outros países em publicá-la na sua própria língua. Alguns anos depois de Lutero traduzir o Velho Testamento, a Bíblia atingiu a venda de “um milhão na primeira metade do século” (Febvre e Martin).

Os analfabetos passaram a frequentar a escola para ter acesso à palavra impressa. Nos países convertidos ao Protestantismo, a Bíblia transformou-se no principal sustentáculo da cultura popular, influenciando na forma de pensar do povo. Os livros começaram também a ser compartilhados em reuniões de família e de amigos, em lojas, nas oficinas gráficas. Mas os grupos de leituras mais inovadores foram os protestantes, com a presença de homens e mulheres nas reuniões, que necessariamente não pertenciam “à mesma família, ao mesmo ofício ou até mesmo à mesma vizinhança” (DAVIS). Outro texto difundido entre os conversos foi o catecismo — um livrinho contendo informações elementares sobre aquela doutrina religiosa —  considerado por muitos como a Bíblia do homem comum.

A utilização da música também foi uma prática importante no ritual do culto protestante. Dentro da proposta de reforma religiosa no século XVI, as músicas populares que falavam do amor e da vida mundana tiveram suas letras substituídas por salmos. Como também melodias de hinos eram adaptações de canções populares. Esta prática de substituição ou transposição utilizada por Lutero, nem sempre foi aprovada pelos outros reformadores. Porém, a coletânea de hinos organizada por ele passou a integrar o cotidiano dos conversos assumindo as funções das canções folclóricas, e eram usados até mesmo como canções de ninar. Os cânticos iam-se difundindo e perpetuando-se pela oralidade; o analfabeto memorizava e inculcava os conceitos contidos nas Escrituras. Os hinos e os corais se tornaram ícones orais para aqueles que renunciaram aos visuais.

Os adeptos à nova fé eram exortados à santidade pessoal através de sermões, leituras bíblicas diárias, encontros de oração, de confraternização com salmos e hinos, aulas de estudos bíblicos. Os dias santos e as festas e procissões sumiram junto com as imagens e os altares. O espaço interno da igreja foi reorganizado para a realização de um novo tipo de culto.

Outro ponto que os reformadores do século XVI na Europa combateram foi a diluição do sobrenatural, da superstição, com a religião; a associação dos sacramentos a poderes mágicos. Durante a Idade Média, segundo Keith Thomas, a Igreja atuou como “repositório de poderes sobrenaturais, que podiam ser distribuídos aos fiéis para auxiliá-los em seus problemas do cotidiano”. As rezas também foram combatidas, pois, na visão reformista, elas tinham características encantatórias, sendo substituídas do latim para o vernáculo pela Igreja Anglicana.

Apesar da aversão protestante pelo culto aos santos, os adeptos da nova religião não deixaram de promover os seus próprios, adotando a figura do mártir, transformando-os em heróis. O próprio Lutero foi freqüentemente retratado com auréolas e pombas. Ducan Reily abordou esta questão quando tratou da importância do trabalho desenvolvido no Brasil pelo missionário presbiteriano norte-americano Ashbel Green Simonton, afirmando que existia “uma tendência natural de se transformar o pioneiro em herói”.

Apesar de terem emergido do mesmo fundo cultural cristão, os protestantes desenvolveram uma cultura distinta da católica. O leigo ascendeu na hierarquia religiosa. Tanto homens como mulheres não ordenados foram admitidos nos organismos decisórios. As diferenças sociais estavam minimizadas. Pessoas das classes mais baixas se identificavam com os ricos, poderosos e intelectuais dentro dessa nova estrutura religiosa. Essa inversão de valores foi uma das características da popularidade do protestantismo.

 

* Professora do Programa de Pós-Graduação em Educação/GPHPE/Universidade Tiradentes; Bolsista de Produtividade de Pesquisa em Educação pelo CNPq; Membro da Academia Sergipana de Educação, da Academia Brasileira Teológica de Letras/SE, da Academia Brasileira Rotária de Letras/SE, da Sociedade Bíblica do Brasil/SE e, do Rotary Club International/RC de Aracaju Norte/Distrito 4391. 

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