José Lima Santana*
Colégio
Salesiano. 1979. Eu ensinava Educação Moral e Cívica e Religião. Numa aula
sobre política, eu citei o nome de um político sergipano e disse que esperava
votar nele, um dia, para governar o nosso estado. Na sala de aula, uma filha
desse político, Cristina, que eu não sabia ser filha dele. Fiquei sabendo,
depois, por outra aluna. Após três anos, ali estava eu no palanque, em Dores,
discursando e pedindo votos para ele: João Alves Filho.
Com ele,
eu trabalhei nos seus três mandatos como governador. No primeiro, fui diretor
regional de Educação, na DRE-5, também em Dores. No segundo, diretor financeiro
da FUNDESE. No terceiro, presidente do IPES e Secretário de Estado da Saúde.
Dele, eu jamais recebi um pedido indecente ou que não pudesse ser atendido, legal
ou moralmente. Jamais.
João
Alves fez uma revolução na vida política de Sergipe. E na administração
pública. Para mim, o seu maior feito político não foram as suas três vitórias
para governador, mas, sim, ter feito o sucessor em 1986, quando comandou a
eleição de Valadares, único governador eleito pelo PFL, naquela eleição.
Mas,
também, a sua atuação na eleição de Albano Franco, especialmente no segundo
turno, em 1994. E ninguém venha para cá me dizer que não. De 1982 a 2010, eu
participei ativamente de todas as eleições para governador, exceto a de 2002,
quando estava no Tribunal Regional Eleitoral, como juiz da classe jurista.
Portanto, sei o que estou dizendo.
Falar nas
gestões de João Alves é chover no molhado. Todo mundo sabe o que ele realizou.
Alguns o tinham como visionário, outros como megalomaníaco. Entre acertos e
desacertos, ele deixa um saldo positivo. Suas realizações estão aí. Elas falam
por ele.
O
“Negão”. Muitos assim o chamavam, carinhosamente. Porém, havia quem assim o
chamava de forma pejorativa. Eu bem sei. Ouvi isso de bocas adversárias. Não
importa. Era mesmo “Negão”. Aliás, como seu auxiliar, eu me dava à ousadia, em
particular, de assim mesmo o chamar, cara a cara. Um dia, no Palácio dos
Despachos, ele me chamou de “Negão”, ao que eu retruquei, dizendo que “Negão”
era ele. Eu era “Neguinho”. Ele lascou aquela gargalhada espalhafatosa que o
caracterizava. Gargalhada boa da gota!
Um homem
incansável. Quantas vezes, tarde da noite, ou de manhã cedo, quase madrugada,
ele me ligava, como o fazia com todos os seus auxiliares, para dizer alguma
coisa, cobrar alguma providência! E, normalmente, ele começava assim: “Querido
amigo, eu lhe acordei?”. Não raro, de última hora, mandava a chefe de gabinete
convocar alguns secretários para, às pressas, irem encontrá-lo no aeroporto,
dali rumando a Brasília, num jatinho, despachando na ida e na volta. Dois,
três, quatro secretários com suas pastas cheias de papeis, de projetos etc. Com
ele, não tinha hora. Noutras ocasiões, almoçava com vários auxiliares na
própria mesa de trabalho. Com João era assim.
Só não
trabalhei com ele na Prefeitura de Aracaju, na sua última participação no Poder
Executivo. Trabalhei ativamente na campanha, mas não pude lhe auxiliar. Não
interessa aqui os motivos. O Vice-prefeito, José Carlos Machado, insistiu
comigo e com ele para que eu o ajudasse. Não deu. Doente, mas, sem o saber, Dr.
João não se deu bem, na PMA. Uma pena!
Acometido
pelo mal de Alzheimer, eu o visitei, na companhia do arcebispo de Aracaju, Dom
João, no ano passado. Prostrado na cama, sem falar, não sei se estava
consciente, naquele momento, mas, quando eu disse que Sergipe devia muito a ele
e que eu tive a honra de trabalhar nos seus governos, lágrimas escorreram de
seus olhos. Uma cena triste, que eu disse a mim mesmo que jamais se repetiria,
pois eu não teria coragem de revê-lo. Não naquelas condições. Realmente, não
mais o vi.
Alguns
políticos sergipanos o desprezaram, o desmereceram, até o traíram, depois de
conviverem com ele, de se beneficiarem dele. Que ramo desgraçado, às vezes, é a
política! Para minha surpresa, alguns desses, após a sua morte, foram às redes
sociais para dizer “isto” ou “aquilo”, em seu favor. É sempre assim.
Bem.
Chegou o fim. De forma brutal. Após amargar uma enfermidade desoladora, para
ele e sua família, um ataque cardíaco e a covid-19. Por conta dessa última,
nós, os seus amigos, auxiliares, admiradores e o povo em geral não pudemos
prestar-lhe as devidas homenagens, diante do seu corpo, posto num esquife. Que
final triste! As cortinas do tempo não lhe foram favoráveis. Fecharam-se
abruptamente. Todavia, o seu legado ressoará pelos tempos afora. O
reconhecimento, o carinho, a saudade de quem com ele conviveu de perto serão
imorredouros.
João era
um homem culto. Era, com méritos, membro da Academia Sergipana de Letras. E não
o era por ser político, por ter sido governador, por puxa-saquismo, mas, pelos
livros que escreveu, todos voltados para questões do nosso estado. Era devotado
à leitura. Amante dos filmes e da música. Um dia, viajando para o interior, ele
colocou um CD para tocar e me perguntou: “Sabe quem está cantando, Neguinho?”.
De pronto, respondi: “Doris Day”. Ele gargalhou e disse: “Você tem bom gosto”.
E eu: “Nós temos”. Rimos muito.
Noutra
vez, na presidência do IPES, João me ligou de Lisboa, para tomar uma
providência, que lhe fora indicada por um certo secretário, mas que era uma
indicação equivocada, como o próprio secretário me disse, e como disse que
diria ao governador, no seu retorno da Europa. Eu dei a informação a João. Mas,
ainda crente da indicação do secretário, ele me deu uma bronca. Então, eu
desliguei o telefone. Ao chegar, o secretário lhe disse que a informação que
lhe dera era equivocada. Encontrando-me, disse o governador: “Neguinho, você é
tucudo. Desligou o telefone na minha cara”. Eu respondi: “Aprendi a ser tucudo
com o senhor, que é o Negão mais tucudo de Sergipe”. Ele me olhou duramente,
franziu o cenho e, a seguir, disparou uma gargalhada, dando-me uma leve tapa na
cabeça. Enfim, a gente se entendia.
Quem não
gostava de João, mesmo quem dele se aproveitou, nalgum momento, mas o
criticava, não deverá gostar deste artigo, caso o leia. Não importa. Não
escrevo para agradar ou desagradar ninguém. Escrevo o que sinto e sobre o que
sinto.
João
Alves Filho foi o maior político e o maior governante de Sergipe, nas últimas
quatro décadas, entre erros e acertos. Muitos, uns e outros, ele os teve. Que
Deus o receba na sua glória, aliviando-o dos fardos que carregou até o fim.
Eu não o
esquecerei, Negão! Jamais o poderei esquecer. E sei que, nalguma hora em que me
lembrar de você, dos momentos que vivenciamos juntos, poderei derramar alguma
lágrima. Será lágrima de saudade.
Adeus,
Negão! Adeus!
* Padre, advogado,
professor do Departamento de Direito da Universidade Federal de Sergipe, membro
da Academia Sergipana de Letras, Academia Sergipana de Letras Jurídicas,
Academia Dorense de Letras, Academia Sergipana de Educação e do Instituto
Histórico e Geográfico de Sergipe.
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