José Lima Santana*
O Dia da Consciência Negra no Brasil
é comemorado em 20 de novembro. A data, ainda que tenha sido incluída no
calendário escolar e traga oportunidades para conversas importantes sobre a
história dos negros no País, não é feriado em todo o território brasileiro. Dos
cerca de 5.570 municípios, pouco mais de mil decretam a data como feriado.
A Lei nº 12.519/2011 instituiu
oficialmente o Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra. No calendário
escolar nacional, a data foi incluída, anteriormente, em 2003. A origem do Dia
da Consciência Negra está ligada aos esforços dos movimentos sociais para
evidenciar as desigualdades históricas que marcaram as populações negra e parda
no país. Sem esquerdismos ou direitismos.
Eu bem sei que há quem se sinta
incomodado com a comemoração dessa data, alguns negros inclusive. Não importa.
Não se trata de uma data para confrontar as pessoas de cor diferenciada. Mas,
também, não se trata de deixar debaixo do tapete os males causados pela
escravidão e no período pós-escravidão até os dias de hoje, quando se verifica
as condições gerais menos favoráveis em que se acham os descendentes dos
escravos africanos, mesmo os “misturados”, chamados “pardos”.
Aliás, uma prima do meu pai, de
saudosa memória, indignou-se ao perceber que na sua certidão de nascimento
constava o termo “parda”, para definir a sua cor. Ela queria que constasse
“negra”, pois era, como eu, de cor negra, embora de olhos azuis escuros, como
eram, ademais, o seu pai, tios e tias, posto que estes eram filhos de um cafuzo
(‘seu” Dá, como era chamado na família o meu bisavô) e uma “morena clara”,
Maria Rosa (“mãe véia”, como era chamada).
Diga-se de passagem, que a nossa
família (do meu lado paterno) é originária do subúrbio João Ventura (hoje
bairro, por força de lei municipal), que, outrora, fora uma fazenda, no século
XIX, e que, segundo afirmou a antiga escrivã de Siriri, Ricardina Souza, fora
lugar de quilombo. Não há prova disso, mas, quero crer que ela pode estar
certa. Somos, então, remanescentes desse quilombo? É bem possível.
De outro lado, a minha mãe é filha de
um “negro misturado” e de uma branca, filha de um antigo e pequeno senhor de
terras e de escravos, Joaquim Leite Silva, morador no engenho Caiçara, como
consta em documentos da Paróquia Nossa Senhora das Dores.
Hoje, sábado, dia 20 de novembro,
portanto, é o Dia da Consciência Negra. Que todos nós “pretos” e “pardos”
tenhamos sempre uma postura de consciência de quem somos, em qual estágio da
vida social e econômica possamos nos encontrar.
Mas, eu quero mesmo é falar sobre uma
mulher negra, que os sergipanos dela devem se orgulhar. Trata-se de Maria Rita
Soares de Andrade. Mulher que se impôs na vida, sem se impor a ninguém e sem de
ninguém aceitar imposição.
Nascida em 1904, na capital
sergipana, filha de pais operários, formou-se em Direito na Bahia, em 1926,
sendo a única mulher de sua turma e a terceira a graduar-se em Direito naquela
faculdade. Atuou na advocacia em sua terra natal e, a partir de 1938, no Rio de
Janeiro. Ali defrontou-se com a ditadura de Vargas, advogando para presos
políticos e outros perseguidos pelo governo do Estado Novo. Mais tarde, advogou
para perseguidos pelo regime militar implantado em 1964, embora fosse amiga
pessoal do presidente Castelo Branco de quem fora advogada, anos antes.
Maria Rita impetrou vários mandados
de segurança e habeas corpus, alguns dos quais em favor de perseguidos que não
tinham como lhe pagar honorários. Mas, segundo suas próprias palavras, ela
assim agia “por idealismo”. Advogou para presos ou perseguidos políticos
famosos ou não, dentre os quais Otávio Mangabeira, Armando Sales de Oliveira,
Almirantes Amorim do Valle e Pena Boto, Café Filho, ex-presidente da República,
Osvaldo Cordeiro de Farias, Marechais Ademar de Queiroz e Castelo Branco,
Brigadeiro Eduardo Gomes, além de vários outros.
Os militares para quem ela advogou
foram perseguidos nos próprios círculos militares, em diversas ocasiões.
Exerceu destacado combate a Getúlio Vargas, no último mandato deste, quando era
udenista convicta. Sempre lamentou a descaracterização do mandado de segurança
e do habeas corpus, e a supressão das eleições diretas, nos anos de chumbo do
militarismo.
Por concurso, tornou-se professora no
Colégio Pedro II e na Universidade do Brasil. Em 1967, Maria Rita foi a primeira
brasileira a ingressar na magistratura federal. Exerceu dita magistratura como
titular da 4ª Vara Federal no Rio de Janeiro, até a aposentadoria compulsória
em abril de 1974, quando voltou a advogar.
A ela coube sindicar possível
corrupção do ex-presidente Juscelino Kubitscheck. Com coragem e honestidade,
ela o inocentou, por não encontrar nada que o desabonasse, embora contrariasse
os militares no poder. Também exerceu por longo tempo o jornalismo. Tornou-se
destacada líder feminista, em favor da não discriminação contra as mulheres.
Palavras de Maria Rita Soares de
Andrade, citadas pelo Ministro Substituto do TCU, Lincoln Magalhães da Rocha,
na sessão de 17 de setembro de 2004: “Não é só bala que mata; o sofrimento, a
luta sem trégua, as perseguições, as sanções econômicas sobre chefes de família
também aniquilam”. Ela morreu em 1998, aos 94 anos de idade.
Eis uma mulher negra que orgulha
Sergipe e o Brasil. Devemos conhecê-la melhor, admirando-a e respeitando-a,
como mulher negra que sempre teve consciência de quem era. Sem dúvida, um
exemplo. Um grande exemplo.
Sobre ela, pode-se apreciar as
páginas 359 a 372 do livro “A Mulher na História” da acadêmica sergipana Lígia
Pina e, em síntese, o meu artigo “Uma mulher que orgulha o Brasil”, publicado na
Revista Cumbuca. Aracaju: Edise. Ano I. Nº 1, abril de 2013, p. 50-53.
*Padre, advogado, professor
do Departamento de Direito da Universidade Federal de Sergipe, membro da
Academia Sergipana de Letras, Academia Sergipana de Letras Jurídicas, Academia
Dorense de Letras, Academia Sergipana de Educação e Instituto Histórico e
Geográfico de Sergipe.
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