sábado, 29 de janeiro de 2022

RASGANDO AS DIRETRIZES


 

 

Antônio Carlos Sobral Sousa*

 

 

Dois pilares embasam o ato médico, o intelectivo, incapaz de ser padronizado, porque depende da capacidade cognitiva do profissional na tomada da decisão e o técnico que depende da formação, aperfeiçoamento e atualizações, podendo, portanto, ser regulado por diretrizes de prática clínica.

Estas constituem ferramenta importante, especialmente em uma área tão complexa e em rápida mudança como a da Covid-19, objetivando melhorar a qualidade do atendimento, baseado na melhor evidência disponível e reduzir a disparidade de condutas para o mesmo tipo de situação clínica.

Ressaltando que os efeitos do tsunami proporcionados pela variante Ômicron do SARS-Cov-2 têm sido registrados em todos os estados brasileiros, portanto a implementação apropriada das referidas diretrizes constitui grande interesse para a sociedade, como um todo.

A Comissão de Incorporação de Tecnologia ao Sistema Único de Saúde (Conitec), órgão ligado ao Ministério da Saúde (MS), aprovou na primeira semana de dezembro de 2021, mediante relatório, as Diretrizes Brasileiras para Tratamento Medicamentoso Ambulatorial do Paciente com Covid-19, rejeitando o uso ambulatorial de medicamentos que compõem o “kit covid”, baseado em cloroquina/hidroxicloroquina, ivermectina e azitromicina para tratamento precoce da doença, pois não há evidência que mostre qualquer benefício clínico.

Esta era, desde o começo, a posição do Conselho Nacional de Saúde (CNS), que integra a citada Comissão. Vale lembrar que, em maio de 2020, o CNS recomendou ao governo a suspensão imediata das Orientações do MS para manuseio medicamentoso precoce de pacientes com diagnóstico da Covid-19 e, em agosto do mesmo ano, recomendou à pasta da Saúde medidas para a garantia do abastecimento de cloroquina e hidroxicloroquina para os pacientes que fazem uso contínuo e imprescindível destes medicamentos para outros fins não relacionados à Covid-19.

Em Nota Técnica publicada no Diário Oficial da União de 21 de janeiro de 2022, assinada pelo chefe da Secretaria de Ciência, Tecnologia, Inovação e Insumos Estratégicos em Saúde, o MS rejeitou as diretrizes da Conitec, alegando "incerteza e incipiência do cenário científico diante de uma doença em grande parte desconhecida".

Estranhamente, na Tabela-1da referida nota, consta que há demonstração de efetividade e de segurança, em estudos controlados e randomizados para o uso de hidroxicloroquina no tratamento da Covid-19, o mesmo não ocorrendo com as vacinas!

O Colegiado de Professores Titulares da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), vários especialistas e entidades médicas, como a Associação Médica Brasileira (AMB), têm emitido manifestações duras, de repúdio à referida portaria do MS. Fica a esperança que esta decisão seja revista, para evitar maiores prejuízos à saúde da população brasileira. Finalizo, citando o pastor estadunidense, Martin Luther King: “O que me preocupa não é o grito dos maus. É o silêncio dos bons”.

 

 

* Professor Titular da UFS e Membro das Academias Sergipanas de Medicina, de Letras e de Educação.

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