domingo, 20 de março de 2022

LAVAR AS MÃOS SALVA VIDAS


 

 

 

Antônio Carlos Sobral Sousa*

 

 

Chamava a atenção dos frequentadores das aulas práticas da Disciplina de Dermatologia do Curso de Medicina da UFS a maneira meticulosa como o Prof. Delso Brigel Calheiros lavava as mãos, ao término do exame de cada paciente. Ele gastava longos minutos discorrendo sobre o caso clínico, enquanto higienizava, pacientemente, as mãos, com água e sabão.

Este ato simples, que constitui uma das ações mais relevantes no combate à transmissão de agentes infecciosos, propiciou um movimento global de parceria púbico-privada, com a Chancelaria da Unicef para a criação do Dia Mundial de Lavar as Mãos, comemorado no dia 15 de outubro.

Lendo o recém publicado opúsculo do confrade William Soares, “Semmelweis: a saga de um herói”, fica patente que o alerta da importância do hábito de lavar as mãos, no contexto da prática médica cotidiana, remonta a 170 anos, na Faculdade de Medicina de Viena, considerada a melhor da época, talvez pelo pioneirismo do ensino à beira do leito e do incentivo aos médicos e aos estudantes de Medicina, que frequentavam o colossal Hospital Geral da capital austríaca (dotado de quatro mil leitos), à prática de dissecção cadavérica visando compreender o mecanismo evolutivo das doenças.

Nos idos de 1847, ocupava a vaga de médico assistente da Primeira Clínica Obstétrica do referido nosocômio, o húngaro Dr. Ignaz Philipp Semmelweis, que ficou intrigado pela elevada taxa de Febre Puerperal, a qual ceifava a vida de uma em cada três parturientes de sua enfermaria.

Um acontecimento chamou a atenção do arguto esculápio: a morte do professor de Medicina Legal, acometido por uma moléstia idêntica à que matava as pacientes na maternidade, dias após de haver sofrido um pequeno corte na mão, ao auxiliar um inexperiente estudante durante uma necropsia.

Compilando e analisando estatisticamente as variáveis coletadas, Dr. Semmelweis constatou que na Segunda Divisão Obstétrica, onde não trabalhavam médicos nem estudantes e os partos eram realizados por parteiras que não frequentavam as salas de necropsia, ocorriam, significativamente, menos mortes pela nefasta Febre Puerperal. Baseado nestes dados irrefutáveis, Dr. Semmelweis concluiu que a doença não decorria de nenhuma epidemia natural e sim da transmissão de “partículas cadavéricas invisíveis”, por meio das mãos daqueles que acabavam de realizar necrópsias e se dirigiam, diretamente, para as salas de parto.

Objetivando testar a hipótese de que as contaminações poderiam ser evitadas pela destruição química da matéria patogênica, Dr. Semmelweis determinou que todos os profissionais ou estudantes, antes de entrarem nas salas da Clínica obstétrica, fossem obrigados a lavar as mãos com uma solução de ácido clórico, fazendo despencar a mortalidade de puérperas, de 18,27% em abril de 1847, para 1,26% no ano seguinte. Apesar da evidência, os seus protocolos de prevenção não foram apoiados por seus colegas, que as consideravam “despropósitos especulativos”.

Lamentavelmente, o herói não teve a oportunidade de presenciar o reconhecimento acadêmico do seu legado, ocorrido em 1879, após a identificação, por Louis Pasteur, que o agente “invisível” responsável pela Febre Puerperal era uma bactéria.

Foi oportuno o escriba William ter revisitado a história do pioneiro da antissepsia, já que, um dos principais armamentos que ora utilizamos no enfrentamento do também invisível SARS-Cov-2 é, justamente, a trivial higienização das mãos com água e sabão. Finalizo ressaltando que lavar as mãos, salva vidas!

 

 

* Professor Titular da UFS e Membro das Academias Sergipanas de Medicina, de Letras e de Educação.

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