Antônio Carlos Sobral Sousa*
Chamava a atenção dos frequentadores das aulas práticas da
Disciplina de Dermatologia do Curso de Medicina da UFS a maneira meticulosa como
o Prof. Delso Brigel Calheiros lavava as mãos, ao término do exame de cada
paciente. Ele gastava longos minutos discorrendo sobre o caso clínico, enquanto
higienizava, pacientemente, as mãos, com água e sabão.
Este ato simples, que constitui uma das ações mais relevantes no
combate à transmissão de agentes infecciosos, propiciou um movimento global de
parceria púbico-privada, com a Chancelaria da Unicef para a criação do Dia
Mundial de Lavar as Mãos, comemorado no dia 15 de outubro.
Lendo o recém publicado opúsculo do confrade William Soares,
“Semmelweis: a saga de um herói”, fica patente que o alerta da importância do
hábito de lavar as mãos, no contexto da prática médica cotidiana, remonta a 170
anos, na Faculdade de Medicina de Viena, considerada a melhor da época, talvez
pelo pioneirismo do ensino à beira do leito e do incentivo aos médicos e aos estudantes
de Medicina, que frequentavam o colossal Hospital Geral da capital austríaca (dotado
de quatro mil leitos), à prática de dissecção cadavérica visando compreender o
mecanismo evolutivo das doenças.
Nos idos de 1847, ocupava a vaga de médico assistente da Primeira
Clínica Obstétrica do referido nosocômio, o húngaro Dr. Ignaz Philipp
Semmelweis, que ficou intrigado pela elevada taxa de Febre Puerperal, a qual
ceifava a vida de uma em cada três parturientes de sua enfermaria.
Um acontecimento chamou a atenção do arguto esculápio: a morte do
professor de Medicina Legal, acometido por uma moléstia idêntica à que matava
as pacientes na maternidade, dias após de haver sofrido um pequeno corte na mão,
ao auxiliar um inexperiente estudante durante uma necropsia.
Compilando e analisando estatisticamente as variáveis coletadas,
Dr. Semmelweis constatou que na Segunda Divisão Obstétrica, onde não
trabalhavam médicos nem estudantes e os partos eram realizados por parteiras
que não frequentavam as salas de necropsia, ocorriam, significativamente, menos
mortes pela nefasta Febre Puerperal. Baseado nestes dados irrefutáveis, Dr.
Semmelweis concluiu que a doença não decorria de nenhuma epidemia natural e sim
da transmissão de “partículas cadavéricas invisíveis”, por meio das mãos
daqueles que acabavam de realizar necrópsias e se dirigiam, diretamente, para
as salas de parto.
Objetivando testar a hipótese de que as contaminações poderiam ser
evitadas pela destruição química da matéria patogênica, Dr. Semmelweis
determinou que todos os profissionais ou estudantes, antes de entrarem nas
salas da Clínica obstétrica, fossem obrigados a lavar as mãos com uma solução
de ácido clórico, fazendo despencar a mortalidade de puérperas, de 18,27% em
abril de 1847, para 1,26% no ano seguinte. Apesar da evidência, os seus
protocolos de prevenção não foram apoiados por seus colegas, que as
consideravam “despropósitos especulativos”.
Lamentavelmente, o herói não teve a oportunidade de presenciar o
reconhecimento acadêmico do seu legado, ocorrido em 1879, após a identificação,
por Louis Pasteur, que o agente “invisível” responsável pela Febre Puerperal
era uma bactéria.
Foi oportuno o escriba William ter revisitado a história do
pioneiro da antissepsia, já que, um dos principais armamentos que ora utilizamos
no enfrentamento do também invisível SARS-Cov-2 é, justamente, a trivial higienização
das mãos com água e sabão. Finalizo ressaltando que lavar as mãos, salva vidas!
* Professor Titular da UFS e Membro das Academias
Sergipanas de Medicina, de Letras e de Educação.
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