José Lima Santana*
Nicolau Maquiavel trouxe-nos a ética
da convicção e da responsabilidade. Max Weber aprofundou os estudos sobre
ambas. Nos dias correntes, faz-se preciso que tomemos atenção sobre elas. Há um
vazio na ética. O mundo ético desmorona. A chamada ética das mídias não se
sustenta em grande parte.
Não que as mídias sociais sejam de
todo ruins. Pelo contrário. Ruins são muitas veiculações feitas nessas mídias
por pessoas inescrupulosas, antiéticas. Pessoas que podem ser encontradas nos
mais diversos segmentos da vida social e política. Homens e mulheres que
deveriam dar exemplos de vida escorreita, mas que se aproveitam das mídias para
divulgar suas convicções individualistas, por vezes banais, e as utilizam para
espalhar as mais sórdidas mentiras, ou, como se diz correntemente, Fake News.
Mas, quem precisa de Fake News? Há
celerados que buscam manipular as massas populares, e, há os seus apaniguados,
que os idolatram de forma intolerante e imbecilizada, e que, também, por sua
vez, não ficam para trás, nalguns postulados da intolerância.
A alteridade precisa ser respeitada.
Por todos. Há, porém, um embate feroz entre dois lados, duas posições
ideológicas. Aliás, como têm faltado ideologias neste País! O que comumente
temos aí é um bocado de coisa nenhuma que aspira a ser ideologia. Longe disso.
As ideologias, quaisquer que sejam elas, têm alicerce, sustentam-se. Muito do
que temos aí, todavia, não passa de réstias, de posições individualistas a
fazer fileiras. São rasteiras. São banais.
Vivemos num mundo em que se deve
lutar pelo mal menor? Ora, o mal é sempre o mal. Maior ou menor. É como um caso
de corrupção. Funda ou rasa, corrupção há de ser sempre corrupção. Nisso o
Brasil está afundado e tende a afundar cada vez mais, por conta de determinada
parcela dos políticos que aí estão. E não somente estes.
Nos três Poderes podem ser
encontradas figuras ruins. E nós, do povo, como ficamos? É aí que entram alguns
morcegos, do tipo que “morde” e “sopra”, para dizer que o povo também é metido
em atos de corrupção. Corrupção em migalhas. Ou migalhas de corrupção.
Insisto: corrupção, rasa ou funda, é
corrupção. Mas, o povo se espelha nos seus dirigentes. Trasímaco, pela voz de
Platão, já dizia isso, na velha Grécia. Sim, não posso desculpar o povo,
genericamente falando, quando falha nas percepções éticas. O povo erra. Por si
mesmo ou induzido.
E como há indutores para levar o povo
ao erro! Haveria uma deformação na composição do povo brasileiro? Não creio
nisso. Há falta de educação, formativa e informativa. Educação? Muita gente nem
está aí para ela. Os governos passam e a educação institucional só faz piorar,
nos seus resultados, na sua efetividade.
As políticas ditas públicas não se
afirmam como políticas de Estado, mas, sim, como políticas de governos, de
grupos que “tomam de assalto o Poder” e buscam instrumentalizar, politicamente,
o governo, que, na verdade, não lhes pertence. Afinal, governantes o são apenas
por um tempo determinado, enquanto cidadãos o são por toda a vida, como bem
lembra o jurista norte-americano Ronald Dworkin, no livro “O Império do
Direito”.
Assusta constatarmos que está em
curso a edificação de uma sociedade intolerante. Até porque, se um lado não
tolera o outro, este não tolera aquele. A divisão é translúcida. Um lado é
“bom” e o outro “não presta”. No oposto dá-se a mesma situação. Acusações
mútuas. Mútua intolerância.
Quanto mais um lado da sociedade
prega a intolerância e a manifesta expressamente em atos mínimos ou máximos,
todos deploráveis, o outro lado também se arma e é levado a bater no mesmo tom.
Ocorrem, então, os choques. Quebra-se a harmonia social. Quem lucra? Ninguém.
Todos perdem. E o País desanda, depois de amargar tempos ruins, que se arrastam
há anos.
Bem sei que muitos que haverão de ler
este artigo, dos dois lados da “moeda social e política”, vão se mostrar
intolerantes para com o autor. Pouco se me dá. Não escrevo para agradar
ninguém. Nada devo. Entretanto, não devo ser intolerante. Critiquem-me. Não
estarei a serviço de nenhum dos lados. Quero lembrar estas palavras de Agostinho:
“As pessoas costumam amar a verdade quando esta as ilumina, porém tendem a
odiá-la quando as confronta”.
Se somos intolerantes, como atender à
principiologia constitucional, quando diz que “constituem objetivos
fundamentais da República Federativa do Brasil [dentre outros] construir uma
sociedade livre, justa e solidária” (art. 3º, inciso I). O intolerante jamais é
livre, nem justo, nem solidário. Intolerante é escória. Esteja em qual lado
estiver.
A República, até pela etimologia da
palavra latina, somos todos nós, ou seja, o conjunto do povo brasileiro. E a
República (coisa do povo) não pertence a ninguém, nem a qualquer grupo, pois é
de todos. Dela, ninguém está acima. Não custa voltarmos para a compreensão da
ética da convicção e da responsabilidade.
Quem não entende a ética da
responsabilidade não pode entender a ação política. Partidos na oposição
frequentemente fingem que ignoram essa realidade e fazem uso de um discurso
calcado em uma ética de convicção ou de valores. Uma vez no poder, são obrigados
a se adequar à realidade e a abandonar o discurso da convicção.
Para a ética da responsabilidade,
maquiavélica ou weberiana, serão morais as ações que forem úteis à comunidade,
e imorais aquelas que a prejudicam, visando apenas interesses particulares.
A escória que foge à ética anda
solta. Cada mais vez mais solta. Bem, é por aí.
*Padre, advogado, professor do Departamento de Direito da Universidade Federal de Sergipe, membro da Academia Sergipana de Letras, Academia Dorense de Letras, Academia Sergipana de Letras Jurídicas, Academia Sergipana de Educação e Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe.
Nenhum comentário:
Postar um comentário