Antônio Carlos Sobral Sousa*
O Feitiço do Tempo (Groundhog
Day), filme filosófico da década de 1990, dirigido por Harold Ramis e
estrelado por Bill Murray no papel de Phil Connors, um insuportável meteorologista de Pittsburgh, Pensilvânia,
nos EUA, que se ressente de ter sido escalado para a insignificante tarefa de reportar a celebração do Dia da Marmota, no distrito de
Punxsutawney, no mesmo Estado.
Ele planejava retornar para a pujante “Cidade do Aço” logo após as
festividades, todavia, uma armadilha em forma de temporal, causado por uma
nevasca, o faz ficar retido na pequena localidade. O aborrecido e egocêntrico
personagem passa a dormir e acordar todo dia, no mesmo dia em que gravou a
reportagem.
Essa comédia estadunidense reflete o que estamos vivenciando no
terceiro ano da pandemia da Covid-19, enfrentando a quarta onda da doença, com
os mesmos problemas e com as mesmas controvérsias. Parece que o tempo não
passa... A sensação de déjà-vu volta a atormentar os médicos e
demais profissionais de saúde, além de gestores de unidades hospitalares, por
diversos motivos: inúmeros telefonemas ou Zaps de pacientes e/ou familiares
aflitos por estarem contaminados pelo nefasto vírus; aumento dos atendimentos
nas urgências com síndromes respiratórias, carecendo de diagnóstico diferencial
sobretudo com a influenza; crescimento dos internamentos de casos graves de
Covid-19, forçando o retorno de UTIs dedicadas ao tratamento da virose, com
todo o aparato de segurança requerido e o receio daqueles que lidam com os
enfermos, de se contaminarem e/ou de transmitirem a virose para seus familiares
e entes queridos.
A elevação do número de casos e de óbitos por Covid-19 registrada
ultimamente, pode ser creditada, seguramente, a alguns fatores: queda, muito
precoce do uso das máscaras em locais fechados; estagnação no processo de
imunização; baixa adesão à quarta dose da vacina; surgimento de subvariantes da
cepa Ômicron do SARS-Cov-2, como a BA.2, muito mais transmissível que a BA.1,
que nos atormentou no início do ano e as
aglomerações em eventos', notadamente o carnaval fora de época no
sudeste e as festas juninas aqui no nordeste.
Apesar de incontestes evidências favoráveis à proteção chancelada
pelas vacinas contra a COVID-19, sobretudo para casos graves e mortes, e,
inclusive, da falta de respaldo científico da eficácia de drogas como a
Ivermectina, na prevenção e no tratamento da referida virose, ainda encontramos
uma legião daqueles que, veementemente, torcem contra os imunizantes e
disseminam o uso do “milagroso” vermífugo e de outros componentes do chamado
“Kit Covid”, em detrimento dos efeitos colaterais (alguns graves), que estas
drogas podem causar.
Pesquisa recente, realizada no HCor de São Paulo, mostrou que,
entre os hospitalizados neste ano, 31,8% não haviam recebido uma dose sequer da
vacina e que os óbitos praticamente zeraram entre os pacientes internados acima
de 40 anos de idade e com poucas comorbidades, atestando o benefício dos
imunizantes.
Portanto, a pandemia ainda não acabou! Temos que continuar usando
a ciência para iluminar as nossas decisões e olhar para a frente com as lições
aprendidas no passado. Finalizo citando o grande imperador romano, Marco
Aurélio: “O que fazemos agora ecoa na eternidade”.
* Professor Titular da Universidade Federal de Sergipe e membro das Academias Sergipanas de Medicina, de Letras e de Educação.
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