sábado, 9 de julho de 2022

LEGÍTIMA DEFESA DA HONRA, NUNCA MAIS!


  

 

José Lima Santana*

 

 

Tempo houve em que os homens barbarizados matavam mulheres, alegando uma estúpida tese de legítima defesa da honra. Advogados criminalistas faziam estripulias no tribunal do júri, para tornar assassinos confessos em supostas vítimas. Essa maldita tese acabou tombando, ante a melhor compreensão dos fatos pela sociedade e, obviamente, pela doutrina jurídica e jurisprudência, que foram revendo a tese malfadada e iluminando as decisões dos jurados.

A legítima defesa da honra se tornou popular a partir do julgamento, em 1979, de Doca Street, que três anos antes havia assassinado a tiros sua namorada, Angela Diniz, em suas férias em Búzios (RJ). A tese da defesa de Street passou a ser muito usada em situações semelhantes pelo país.

E, ainda que essa tese já não seja considerada válida pela Justiça, é comum que a defesa do acusado de feminicídio procure levar o tribunal do júri a desconsiderar a vítima, vilificando seu comportamento, e utilize o argumento da “violenta emoção” para, no mínimo, diminuir a pena imposta ao assassino. Um absurdo! Todavia, advogados existem para fazer o melhor possível em favor de seus clientes, mesmo os assassinos mais cruéis. Enfim, a ampla defesa é um direito constitucional.

Recentemente, o Supremo Tribunal Federal (STF) firmou entendimento de que a tese é inconstitucional, por violar os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, da proteção à vida e da igualdade de gênero. A decisão referendou liminar concedida pelo ministro Dias Toffoli em fevereiro do ano passado, na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 779. Mas, apesar dessa tomada de posição, nada pode impedir que os criminalistas de plantão possam insistir nessa tese do tempo da vida nas cavernas.

Lamentavelmente, a ocorrência de feminicídios tem aumentado de forma considerável e amplamente reprovável por quem tem a sensatez de combater essa forma de violência contra as mulheres e, claro, qualquer forma de violência contra quem quer que seja.

No último dia 6, a CCJ do Senado Federal aprovou o projeto de lei da senadora Zenaide Maia (Pros-RN) que proíbe o uso da tese da legítima defesa da honra como argumento para a absolvição de acusados de feminicídio. O texto também exclui os atenuantes e redutores de pena relacionados à “violenta emoção”, no caso de crimes contra as mulheres. A proposta, relatada pelo senador Alexandre Silveira (PSD-MG), segue para a Câmara dos Deputados, se não houver recurso para votação em Plenário.

O PL 2.325/2021 altera o Código Penal (Decreto-Lei 2.848, de 1940) para excluir os atenuantes e redutores de pena relacionados à violenta emoção e à defesa de valor moral ou social nos crimes de violência doméstica e familiar. E alterando o Código de Processo Penal (Decreto-Lei 3.689 de 1941), a proposta proíbe o uso da tese de legítima defesa da honra como argumento pela absolvição no julgamento de acusados de feminicídio pelo tribunal do júri. Aplausos!

De acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2021, só em 2020 foram registrados 1.354 feminicídios e 230.160 casos de lesão corporal em contexto de violência doméstica e familiar. Nesse período foram concedidas pelos Tribunais de Justiça 294.440 medidas protetivas de urgência.

Em Sergipe, os feminicídios cresceram 16,8%, no ano passado. Um dado a lamentar. Quando, enfim, os homens serão, verdadeiramente, homens, inseridos na vida social, nela agindo e interagindo como seres dotados de racionalidade e sabedores de que as mulheres não são seus objetos? Ninguém é dono ou dona de ninguém. A estupidez e a barbárie de alguns homens não devem ser jogadas para debaixo do tapete. Ao contrário, devem ser severamente reprovadas pela Justiça e pela sociedade.

Não cabe a ninguém que preza pela harmonia social e pela afirmação da dignidade da pessoa humana defender essa maldita tese da legítima defesa da honra. Defendê-la é portar-se como um animal indigno da vida na Polis.

 

 

*Padre, advogado, professor do Departamento de Direito da Universidade Federal de Sergipe, doutor em Educação, membro da Academia Sergipana de Letras, da Academia Dorense de Letras, Academia Sergipana de Letras Jurídicas, Academia Sergipana de Educação e Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe.

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