José Lima Santana*
Tempo houve em que os homens
barbarizados matavam mulheres, alegando uma estúpida tese de legítima defesa da
honra. Advogados criminalistas faziam estripulias no tribunal do júri, para
tornar assassinos confessos em supostas vítimas. Essa maldita tese acabou
tombando, ante a melhor compreensão dos fatos pela sociedade e, obviamente,
pela doutrina jurídica e jurisprudência, que foram revendo a tese malfadada e
iluminando as decisões dos jurados.
A legítima defesa da honra se tornou
popular a partir do julgamento, em 1979, de Doca Street, que três anos antes
havia assassinado a tiros sua namorada, Angela Diniz, em suas férias em Búzios
(RJ). A tese da defesa de Street passou a ser muito usada em situações
semelhantes pelo país.
E, ainda que essa tese já não seja
considerada válida pela Justiça, é comum que a defesa do acusado de feminicídio
procure levar o tribunal do júri a desconsiderar a vítima, vilificando seu
comportamento, e utilize o argumento da “violenta emoção” para, no mínimo,
diminuir a pena imposta ao assassino. Um absurdo! Todavia, advogados existem
para fazer o melhor possível em favor de seus clientes, mesmo os assassinos
mais cruéis. Enfim, a ampla defesa é um direito constitucional.
Recentemente, o Supremo Tribunal
Federal (STF) firmou entendimento de que a tese é inconstitucional, por violar
os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, da proteção à vida
e da igualdade de gênero. A decisão referendou liminar concedida pelo ministro
Dias Toffoli em fevereiro do ano passado, na Arguição de Descumprimento de
Preceito Fundamental (ADPF) 779. Mas, apesar dessa tomada de posição, nada pode
impedir que os criminalistas de plantão possam insistir nessa tese do tempo da
vida nas cavernas.
Lamentavelmente, a ocorrência de
feminicídios tem aumentado de forma considerável e amplamente reprovável por
quem tem a sensatez de combater essa forma de violência contra as mulheres e,
claro, qualquer forma de violência contra quem quer que seja.
No último dia 6, a CCJ do Senado
Federal aprovou o projeto de lei da senadora Zenaide Maia (Pros-RN) que proíbe
o uso da tese da legítima defesa da honra como argumento para a absolvição de
acusados de feminicídio. O texto também exclui os atenuantes e redutores de
pena relacionados à “violenta emoção”, no caso de crimes contra as mulheres. A
proposta, relatada pelo senador Alexandre Silveira (PSD-MG), segue para a
Câmara dos Deputados, se não houver recurso para votação em Plenário.
O PL 2.325/2021 altera o Código Penal
(Decreto-Lei 2.848, de 1940) para excluir os atenuantes e redutores de pena
relacionados à violenta emoção e à defesa de valor moral ou social nos crimes
de violência doméstica e familiar. E alterando o Código de Processo Penal
(Decreto-Lei 3.689 de 1941), a proposta proíbe o uso da tese de legítima defesa
da honra como argumento pela absolvição no julgamento de acusados de
feminicídio pelo tribunal do júri. Aplausos!
De acordo com o Anuário Brasileiro de
Segurança Pública de 2021, só em 2020 foram registrados 1.354 feminicídios e
230.160 casos de lesão corporal em contexto de violência doméstica e familiar.
Nesse período foram concedidas pelos Tribunais de Justiça 294.440 medidas
protetivas de urgência.
Em Sergipe, os feminicídios cresceram
16,8%, no ano passado. Um dado a lamentar. Quando, enfim, os homens serão,
verdadeiramente, homens, inseridos na vida social, nela agindo e interagindo
como seres dotados de racionalidade e sabedores de que as mulheres não são seus
objetos? Ninguém é dono ou dona de ninguém. A estupidez e a barbárie de alguns
homens não devem ser jogadas para debaixo do tapete. Ao contrário, devem ser
severamente reprovadas pela Justiça e pela sociedade.
Não cabe a ninguém que preza pela
harmonia social e pela afirmação da dignidade da pessoa humana defender essa
maldita tese da legítima defesa da honra. Defendê-la é portar-se como um animal
indigno da vida na Polis.
*Padre, advogado, professor do Departamento de Direito da Universidade Federal de Sergipe, doutor em Educação, membro da Academia Sergipana de Letras, da Academia Dorense de Letras, Academia Sergipana de Letras Jurídicas, Academia Sergipana de Educação e Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe.
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