domingo, 29 de janeiro de 2023

A MONJA E O FREI


  

 

José Lima Santana*

 

 

Subiram a colina. Ele ao volante. Lágrimas escorriam dos olhos dela. Não se sabia por quem ou porquê, eles foram apelidados de “monja” e “frei”. Algum colega de trabalho? Algum gaiato? Alguém sugeriu que fora um padre, amigo de ambos, que assim os apelidara.

Não importava. O fato era que ele se arvorava no direito de dizer que tinha dado um jeito na vida dela. Ao conhecê-la, no ambiente de trabalho, ela estava afundada na desilusão. A vida desandara. O mundo lhe parecia trevoso demais para que uma luz dela emanada vencesse tamanha escuridão.

Na tarde em que se conheceram de per si, ela estava sentada sob uma das mangueiras do vasto pátio da empresa onde trabalhavam. Até então, só se conheciam de vista. Nunca se aproximaram. Mas, no início daquela tarde, no intervalo do almoço, ele tomou a iniciativa de cumprimentá-la.

Ela pareceu assustada com o cumprimento. Tentou disfarçar ao enxugar as lágrimas. “Oi, tudo bem com você”? Ele perguntou, meio sem jeito. “Tudo bem. Um cisco caiu no meu olho”. Uma resposta evasiva, mentirosa. Ele, claro, percebeu. Afinal, estava muito à vista. Os olhos dela estavam avermelhados. “Eu sou A”. E ela: “Prazer, eu sou C”.

Foi assim que começou a amizade entre eles. Muitos até chegaram a pensar que eles eram namorados, uns poucos dias depois daquela tarde sob a mangueira. Não eram. Nunca foram. Ao menos, eles sempre negaram. Mas, a velha Rosinha, a do cafezinho, bradava: “Hum! Me enganem, que eu gosto”.

O tempo passou, a amizade continuou, cada vez mais forte, mais acalorada. Ela foi madrinha do casamento dele e ele apadrinhou o casamento dela. O dele, aos trancos e barrancos, muito mais pelos desatinos dele, continuou. Já o dela, fez água. Coisas da vida. Mais uma vez, ela teve de amargar o sal de suas próprias lágrimas. E mais uma vez, segundo ele, ela saiu do buraco por meio dele, do seu apoio e do seu indicativo de como trilhar os caminhos da vida, nem sempre retilíneos.

Profissionais por anos a fio na mesma empresa, mas em setores diferentes, a amizade fortaleceu-se a cada ano. E ele sempre se saía com a mesma ladainha: “Se não fosse por mim, ela já tinha afundado. Eu ajudei a moldar a vida dela, após cada problema vivido. Sou o seu terapeuta, psicólogo e psiquiatra”.

Sujeito pretencioso. Alguns amigos acreditavam nele. Outros, apenas riam. Inquerida por algumas fofoqueiras, ora ela silenciava, balançando negativamente a cabeça, ora negava que ele tivesse qualquer ascensão sobre ela. “Aquele ali não passa de um farofeiro”, dizia sorrindo.

O que importava mesmo era a solidez da amizade que os unia há anos. Nada abalava aquela amizade, nascida naquela outra tarde sob a mangueira carregada de mangas-espadas prestes a amadurecerem.

Naquela tarde da subida da colina, ela não parecia mesmo bem. Sofria, como mãe. O filho único estava enfermo, hospitalizado. E toda mãe tem o coração dilacerado com a enfermidade que acomete um filho. Choro de mãe pelo filho é como a flor que tem pétalas arrancadas pela maldade das pessoas.

Afinal, não faz sentido despetalar uma flor, por qualquer motivo. O coração de uma mãe jamais deveria sofrer pelos filhos. E pensar que Maria, a mãe do Nazareno, suportou as sete dores que transpassaram o seu coração, culminando com o ato de receber no colo o corpo dilacerado do filho.

“C” e “A” tinham acabado de sair do hospital. Os cuidados médicos estavam surtindo o efeito esperado. O filho dela sairia, mais uma vez, daquele quadro de enfermidade, que se repetia de vez em quando. Uma fragilidade biológica. Ela lutava com todas as forças para recompor a saúde do filho, a cada internação. Mantinha acesa a fé em Deus.

Enfim, subiram a colina. Chegaram ao local de trabalho. Era o início do ano. As mangas-espadas caíam, maduras. Os saguis se deliciavam. Os pássaros também. As lágrimas que caíam dos olhos dela eram lágrimas de alívio pela saúde recuperada do filho. Afinal, coração de mãe é sempre um eterno berço.

 

 

*Padre, advogado, professor do Departamento de Direito da Universidade Federal de Sergipe, doutor em Educação, doutor em Educação, membro da Academia Sergipana de Letras, da Academia Dorense de Letras, da Academia Sergipana de Letras Jurídicas, da Academia Sergipana de Educação e do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe.

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