José Lima Santana*
Subiram a colina. Ele ao volante.
Lágrimas escorriam dos olhos dela. Não se sabia por quem ou porquê, eles foram
apelidados de “monja” e “frei”. Algum colega de trabalho? Algum gaiato? Alguém
sugeriu que fora um padre, amigo de ambos, que assim os apelidara.
Não importava. O fato era que ele se
arvorava no direito de dizer que tinha dado um jeito na vida dela. Ao
conhecê-la, no ambiente de trabalho, ela estava afundada na desilusão. A vida
desandara. O mundo lhe parecia trevoso demais para que uma luz dela emanada
vencesse tamanha escuridão.
Na tarde em que se conheceram de per
si, ela estava sentada sob uma das mangueiras do vasto pátio da empresa onde
trabalhavam. Até então, só se conheciam de vista. Nunca se aproximaram. Mas, no
início daquela tarde, no intervalo do almoço, ele tomou a iniciativa de
cumprimentá-la.
Ela pareceu assustada com o
cumprimento. Tentou disfarçar ao enxugar as lágrimas. “Oi, tudo bem com você”?
Ele perguntou, meio sem jeito. “Tudo bem. Um cisco caiu no meu olho”. Uma
resposta evasiva, mentirosa. Ele, claro, percebeu. Afinal, estava muito à
vista. Os olhos dela estavam avermelhados. “Eu sou A”. E ela: “Prazer, eu sou
C”.
Foi assim que começou a amizade entre
eles. Muitos até chegaram a pensar que eles eram namorados, uns poucos dias
depois daquela tarde sob a mangueira. Não eram. Nunca foram. Ao menos, eles
sempre negaram. Mas, a velha Rosinha, a do cafezinho, bradava: “Hum! Me
enganem, que eu gosto”.
O tempo passou, a amizade continuou,
cada vez mais forte, mais acalorada. Ela foi madrinha do casamento dele e ele
apadrinhou o casamento dela. O dele, aos trancos e barrancos, muito mais pelos
desatinos dele, continuou. Já o dela, fez água. Coisas da vida. Mais uma vez,
ela teve de amargar o sal de suas próprias lágrimas. E mais uma vez, segundo
ele, ela saiu do buraco por meio dele, do seu apoio e do seu indicativo de como
trilhar os caminhos da vida, nem sempre retilíneos.
Profissionais por anos a fio na mesma
empresa, mas em setores diferentes, a amizade fortaleceu-se a cada ano. E ele
sempre se saía com a mesma ladainha: “Se não fosse por mim, ela já tinha
afundado. Eu ajudei a moldar a vida dela, após cada problema vivido. Sou o seu
terapeuta, psicólogo e psiquiatra”.
Sujeito pretencioso. Alguns amigos
acreditavam nele. Outros, apenas riam. Inquerida por algumas fofoqueiras, ora
ela silenciava, balançando negativamente a cabeça, ora negava que ele tivesse
qualquer ascensão sobre ela. “Aquele ali não passa de um farofeiro”, dizia
sorrindo.
O que importava mesmo era a solidez
da amizade que os unia há anos. Nada abalava aquela amizade, nascida naquela
outra tarde sob a mangueira carregada de mangas-espadas prestes a amadurecerem.
Naquela tarde da subida da colina,
ela não parecia mesmo bem. Sofria, como mãe. O filho único estava enfermo,
hospitalizado. E toda mãe tem o coração dilacerado com a enfermidade que
acomete um filho. Choro de mãe pelo filho é como a flor que tem pétalas
arrancadas pela maldade das pessoas.
Afinal, não faz sentido despetalar
uma flor, por qualquer motivo. O coração de uma mãe jamais deveria sofrer pelos
filhos. E pensar que Maria, a mãe do Nazareno, suportou as sete dores que
transpassaram o seu coração, culminando com o ato de receber no colo o corpo
dilacerado do filho.
“C” e “A” tinham acabado de sair do hospital.
Os cuidados médicos estavam surtindo o efeito esperado. O filho dela sairia,
mais uma vez, daquele quadro de enfermidade, que se repetia de vez em quando.
Uma fragilidade biológica. Ela lutava com todas as forças para recompor a saúde
do filho, a cada internação. Mantinha acesa a fé em Deus.
Enfim, subiram a colina. Chegaram ao
local de trabalho. Era o início do ano. As mangas-espadas caíam, maduras. Os
saguis se deliciavam. Os pássaros também. As lágrimas que caíam dos olhos dela
eram lágrimas de alívio pela saúde recuperada do filho. Afinal, coração de mãe
é sempre um eterno berço.
*Padre, advogado, professor do Departamento de Direito da Universidade Federal de Sergipe, doutor em Educação, doutor em Educação, membro da Academia Sergipana de Letras, da Academia Dorense de Letras, da Academia Sergipana de Letras Jurídicas, da Academia Sergipana de Educação e do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe.
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