segunda-feira, 23 de janeiro de 2023

UMA PÁ DE CAL NA INSEPULTA IVERMECTINA?


  

 

Antônio Carlos Sobral Sousa*

 

 

Apesar da comprovada efetividade das vacinas contra o vírus SARS-Cov-2 nas mais diversas faixas etárias, muitos continuam insistindo no uso da Ivermectina tanto para o tratamento, como para a prevenção da Covid-19. A referida droga é um anti-helmíntico semissintético que age, também, contra parasitas não intestinais como o piolho e a sarna.

Foi demonstrado por pesquisadores australianos (Antiviral Resrarch; DOI: 10.1016/j.antiviral.2020.104787), que a Ivermectina inibe a replicação do novo coronavírus in vitro, ou seja, em laboratório de experimentação, fora do organismo de um ser vivo.

Após esta constatação, a “milagrosa” droga ganhou uma legião de adeptos, particularmente na América Latina e vários estudos clínicos testaram o vermífugo para o tratamento da Covid-19 em humanos, a maioria com número pequeno de participantes e os resultados foram discordantes.

Vale ressaltar, ainda, que muitos destes estudos foram retirados de publicação, devido a preocupações com a credibilidade dos mesmos, conforme foi veiculado no periódico Nature (2021;596:173-4).

Todavia, algumas investigações conduzidas com o recomendável rigor científico também abordaram o tema. Dentre estas, merece destaque o TOGETHER Trial, publicado no icônico New England Journal of Medicine (10.1056/NEJMoa2115869) e que teve como investigador principal, o conceituado colega mineiro, Gilmar Reis.

Avaliando um número expressivo de voluntários portadores da virose, os autores concluíram que a Ivermectina não reduziu a admissão hospitalar por progressão da Covid-19. Mais recentemente, foi publicado o Estudo ACTIV-6, na também prestigiada revista médica JAMA (DOI: 10.1001/jama.2022.18590), que avaliou a eficácia da Ivermectina na recuperação de portadores de Covid-19 de grau leve a moderado. Mais uma vez o fármaco não logrou sucesso.

Na esteira desta interlocução, é importante mencionar que foi também publicada no Virology Journal (DOI: 10.1186/s12985-022-01829-8), uma revisão sistemática e metanálise (método estatístico para agregar os resultados de dois ou mais estudos independentes, sobre uma mesma questão de pesquisa) demonstrando a ineficácia da droga em reduzir desfechos clínicos significativos na Covid-19. 

A agência reguladora ligada ao departamento de saúde norte-americano, FDA (Food and Drug Administration) não autoriza nem aprova o uso da Ivermectina para o tratamento da Covid-19. As autoridades de saúde daquele país observaram que, durante a pandemia e nos recentes surtos da virose, as taxas de prescrições do vermífugo dispensadas em farmácias de varejo aumentaram significativamente, assim como o uso de produtos veterinários contendo a referida droga, não destinados ao consumo humano.

Os centros de controle de envenenamento dos EUA registraram, também, aumento nas ligações relatando uso indevido e overdose por Ivermectina, além de efeitos adversos, sobretudo: sintomas gastrointestinais (náusea, vômito e diarreia); hipotensão; alterações neurológicas (confusão mental, alucinações, convulsões e coma) e até morte.

Portanto, os médicos deveriam ser fortemente encorajados a educar os pacientes a usar medidas comprovadas de prevenção dessa Peste, especialmente vacinar e administrar doses de reforço assim que elegíveis.

Finalizo, citando o brilhante magistrado alagoano e confrade da Academia Sergipana de Letras, José Firmino de Oliveira: "Jamais atribua a outrem culpa pelas suas próprias fraquezas, sejam elas quais forem. Reconhecer-se culpado (a) pela prática de atos ou ações eventualmente condenáveis, sob a ótica moral ou de outras ordens quaisquer, na verdade, é uma grande demonstração de honradez e nobreza".

 

 

* Professor Titular da Universidade Federal de Sergipe e membro das Academias Sergipanas de Medicina, Letras e Educação.

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