domingo, 28 de maio de 2023

OS 55 ANOS DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE


  

 

José Lima Santana*

 

 

No último dia 15, a Universidade Federal de Sergipe completou 55 anos de existência. São cinco décadas e meia de afirmação no concerto da educação superior nordestina e brasileira. 55 anos em que o seu crescimento se deu passo a passo, mas acentuou-se a olhos vistos a partir da segunda metade da década de 1990, embora precisamos reconhecer o trabalho de todos os seus reitores e, obviamente, de tantos quantos se dedicaram – e se dedicam – a construir uma Universidade que tem orgulhado quem dela fez ou faz parte, nos corpos docente, administrativo e discente.

O conceito da UFS tem crescido de forma excepcional dentro de Sergipe e além fronteira, reconhecida por diversas instituições que analisam o ensino superior no país. Instituições públicas ou privadas, inclusive do exterior.

Foi-se o dia em que a UFS estava circunscrita aos Campi de São Cristóvão, sua sede, e Aracaju, o da Saúde, no antigo Hospital Sanatório, situado no Bairro Santo Antônio. Aos poucos, a Universidade Federal de Sergipe lançou-se ao interior. Itabaiana, Laranjeiras, Lagarto e, por último, Nossa Senhora da Glória. A interiorização do ensino superior público em Sergipe é uma realidade incontestável.

A UFS nasceu em 1968, um dos anos mais duros do regime militar, ano do famigerado AI-5, que fez o regime dos coturnos endurecer, mergulhando o Brasil no mais longevo regime político antidemocrático que o país conheceu.

Os rigores do regime militar foram enfrentados com firmeza, inicialmente, pelo primeiro reitor, João Cardoso do Nascimento Júnior (1968-1972), que soube resistir na proteção a estudantes que deveriam, na visão desembestada do regime, ser expulsos da Universidade. Implantou vários cursos.

O segundo reitor, Luiz Bispo (1972-1976), adquiriu grande parte do terreno onde se localiza a sede da UFS, no Bairro Rosa Elze (São Cristóvão). Foi meu professor de Direito Constitucional. Em 1993, na segunda gestão de Jackson Barreto, na Prefeitura de Aracaju, fomos colegas de Secretariado, ele, como Procurador-geral e eu, como secretário de Administração.

Como terceiro reitor, a UFS teve José Aloísio de Campos (1976-1980), levando a efeito a construção do Campus-sede, que, mais tarde, receberia, merecidamente, o seu nome, e que foi inaugurado no fim de sua gestão. Foi reitor quando eu cursei Direito.

Gilson Cajueiro de Hollanda, o quarto reitor (1980-1984), impulsionou obras fundamentais para o crescimento acadêmico. Foi meu professor de Introdução à Ciência das Finanças. Na época, ele era auditor do Tribunal de Contas do Estado, quando, em 1977, eu ali ingressei, concursado, como auxiliar de controle externo.

O quinto reitor, Eduardo Antônio Conde Garcia (1984-1988), cientista e acadêmico, a ele deve-se o trabalho inicial de preservação do sítio arqueológico de Xingó, dentre outras importantes realizações, como a criação do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros (NEAB) e do Programa de Apoio às Atividades de Pesquisa etc.

O acadêmico Clodoaldo de Alencar Filho (1988-1992) foi o sexto reitor. Além de introduzir vários cursos, criou o Núcleo de Assuntos Internacionais e promoveu a transferência do ambulatório do Hospital de Cirurgia para o Hospital Universitário.

Luiz Hermínio de Aguiar Oliveira (1992-1996), o sétimo reitor, dentre suas realizações podem ser citadas a Fundação de Apoio à Pesquisa e Extensão de Sergipe – FAPESE, a sede do Colégio de Aplicação, o módulo do complexo poliesportivo etc. Informatizou a BICEN e instalou o Museu do Homem Sergipano, a ser recuperado.

José Fernandes de Lima (1996-2000 e 2000-2004), o oitavo reitor, conheceu dias difíceis no início da gestão, mas, trabalhou com afinco para alavancar a UFS, em vários setores. Realizou obras e primou pela ascensão da Universidade na área da pós-graduação. Foi o primeiro a reeleger-se. Na sua gestão, ingressei como professor na UFS.

O nono reitor, Josué Modesto dos Passos Subrinho (2004-2008 e 2008-2012), adotou como lema “Expandir para incluir”. E, deveras, expandiu a UFS, interiorizando-a, corajosamente. Pautou pelo crescimento, qualidade acadêmica, sustentabilidade e inclusão social, inclusive através do sistema de quotas. A UFS cresceu e foi preciso construir novos edifícios didáticos e administrativos.

Angelo Roberto Antoniolli (2012-2016 e 2016-2020), décimo reitor, deu sequência às obras e à interiorização da UFS. Inquieto e operoso, recorreu à bancada federal para angariar recursos, obtendo sucesso, além da incansável busca por recursos junto ao MEC. Muitos milhões de reais foram investidos. A UFS agigantou-se em obras e na qualidade acadêmica, no ensino, na extensão e na pesquisa. O reitor tinha uma sólida visão de pertencimento, que deve permear as ações de todos que integram a UFS.

Num momento de “esquisitice” político-institucional, embora com um reitor legalmente escolhido, em 2020, o governo federal interviu na UFS e nomeou como reitora pró-tempore, Liliádia da Silva Oliveira Barreto (fim de 2020 ao início de 2021).

Enfim, em março de 2021, o reitor Valter Joviniano de Santana Filho assumiu o que lhe era devido, tornando-se o mais jovem reitor da UFS. Tem batalhado para elevar, mais ainda, o tripé ensino, extensão e pesquisa, e, assim, consolidar a UFS, para além dos ranques nos quais já ela figura. Há muitos e novos caminhos a percorrer, que já estão sendo percorridos, dado ao dinamismo do reitor e de quem lhe auxilia diretamente, o vice-reitor, os pró-reitores e tantos outros, além do labor dos docentes, técnico-administrativos e terceirizados, servindo aos alunos e à sociedade.

Eis uma apertadíssima síntese dos 55 anos da UFS e da ação dos seus reitores. Eles fizeram muito mais.

 

Obs.: Parte dos dados foram tirados de: SOUZA, Josefa Eliana. História e Memória da Universidade Federal de Sergipe (1968-2012). Aracaju: Editora UFS, 2015.

 

 

*Padre, advogado, professor do Departamento de Direito da Universidade Federal de Sergipe, , doutor em Educação, membro da Academia Sergipana de Letras, da Academia Sergipana de Letras Jurídicas, da Academia Sergipana de Educação e do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe. 

A POESIA DE EUNALDO COSTA: CENTENÁRIO DE NASCIMENTO DE UM POETA


 

 

 

José Anselmo de Oliveira*

 

 

Uma das formas de cumprir a sua missão de imortalidade dos ocupantes de suas cadeiras é a Academia Sergipana de Letras cultuar os seus membros que já passaram para a eternidade, e nada melhor que comemorarmos, não a data da morte, mas a data do nascimento, posto que se tratamos de imortalidade, não há que se comemorar outra data.

Este ano se comemora o centenário do imortal poeta Eunaldo Costa, que ocupou a Cadeira 21 da Academia Sergipana de Letras que sucedeu o fundador da cadeira, Joaquim Maurício Cardoso, jornalista como ele, falecido em 1970, tomando posse em 31 de julho de 1971.

Conheci o nosso homenageado apenas de vista e de alguns contatos, pois era também jornalista como eu, e algumas vezes nos encontramos em eventos culturais.

Eunaldo Costa nasceu no dia 19 de abril de 1923 na cidade de Aracaju, filho de Carivaldo Costa e de Maria Eunice Costa. Foi funcionário dos Correios, migrando depois para outro órgão federal onde se aposentou. Faleceu em Aracaju em 17 de setembro de 2000.

O poeta Eunaldo Costa é da geração que foi bastante influenciada pela poesia de José Sampaio e de Santo Souza, o primeiro com a sua poesia marcantemente social, e o segundo pela poesia orfeônica e muito esotérica.

Afinal, quem é este ser chamado poeta?

A poesia sempre esteve na vida dos homens desde que se entende que existe sociedade e cultura, entretanto a figura do poeta nem sempre foi aplaudida como um artista das letras, já foi chamado de “vidente”, “maldito” e até mesmo de “adivinho”. Por quê? Porque os poetas, por sua sensibilidade, viam sempre além do real, do presente. Percebe a alma e não somente as curvas dos corpos. Percebe o imperceptível e faz leitura do que é indecifrável.

Assim, poetas como Eunaldo Costa, um homem simples, sem os ornamentos sociais e sem os recursos financeiros da elite, funcionário público e jornalista, escreve e se torna poeta conhecido na década de 50 do século passado. Seu primeiro livro é publicado em 1958, ou seja, há 65 anos atrás, sob o título “Poemas da noite”. Seguiram-se “Cadernos de ritmos” (1960); Caminhos da madrugada (1974; “Signo” (1980); “Aquário (1992); e, “Arca do som” (1997). Seu último livro foi “Água Boa”, como observa Francisco Rollemberg, sua obra mais madura, tanto do ponto de vista poético como temático, mais filosófico e rico em construções rítmicas.

A vida de um poeta nem sempre é coberta de louros e de reconhecimento. Por vezes o poeta deixa a sua poesia como uma semente para o futuro, quando o preconceito e a discriminação não mais fizerem vítimas. Não que o poeta Eunaldo Costa se enquadre nessas situações, tanto que ascendeu ao capitólio das letras sergipanas, apesar de críticas contrárias.

A maldição do poeta é tema de um poema de Vinicius de Moraes, de 1935:

 

A lenda da maldição

 

A noite viu a criança que subia a escada cheia de risos e de sombras

E pousou como um pássaro ferido sobre as árvores que choravam.

A criança era o príncipe-poeta que a música ardente fizera subir à última torre

E a noite era a camponesa que amava o príncipe e o adormecia no seu canto.

Quando a criança chegou ao ponto mais alto viu que a música era o riso embriagado

E que o riso embriagado era das estátuas mortas que tinham no ventre aberto entranhas murchas.

A criança lembrou-se da noite cheia de entranhas e cujo riso era a poesia eterna

E a angústia cresceu no seu coração como o mar alto nos penhascos.

O olhar cego das estátuas levou o herdeiro do reino ao fosso negro — ó príncipe, onde estás? — a voz dizia

E a água subia, nos braços, no peito, na boca, nos olhos do amado da noite.

 

Depois saiu do fosso um homem que era o poeta-amaldiçoado

E que possuiu a noite chorando, adormecida.

A noite que nada viu continua chamando o príncipe-poeta

Enquanto o poeta-amaldiçoado chora nos braços das estátuas mortas...

 

Ou como diz o poeta Manoel de Barros em:

 

RETRATO QUASE APAGADO EM QUE SE PODE VER PERFEITAMENTE NADA

I

Não tenho bens de acontecimentos.

O que não sei fazer desconto nas palavras.

Entesouro frases. Por exemplo:

- Imagens são palavras que nos faltaram.

- Poesia é a ocupação da palavra pela Imagem.

-Poesia é a ocupação da Imagem pelo Ser.

Ai frases de pensar!

Pensar é uma pedreira. Estou sendo.

Me acho em petição de lata (frase encontrada no lixo).

Concluindo: há pessoas que se compõem de atos, ruídos, retratos.

Outras de palavras.

Poetas e tontos se compõem com palavras.

 

II

Todos os caminhos — nenhum caminho

Muitos caminhos — nenhum caminho

Nenhum caminho — a maldição dos poetas.”

 

Nada disso tira do homenageado o seu compromisso com a arte da palavra. A poesia sempre foi a sua guia, sua régua e compasso, como já disse o acadêmico Gilberto Gil.

Num dos seus poemas mais bonitos pela visão humanista e social, diz o poeta:

 

“Olha aquela negra, tuberculosa,

Estendida nas grama úmidas do canteiro do jardim.

A chuva e o vento caindo-lhe no corpo

Cansado da vida dos becos.

- Seu nome?

- Pouco importa,

- Poderia ser Carlota

- ou outro qualquer.

Naquela negra, seminua, enferma,

Abandonada, o mundo só não sujou

A sua alma, que conserva a pureza inicial.

Nesta hora tardia da noite

O sono fechou as pálpebras da cidade,

Mas existem alguns olhos abertos

Vendo as luzes descendo sobre a negra

Que agoniza junto às rosas do canteiro do jardim.”

 

O poeta Eunaldo Costa também era um desses seres espiritualizados onde a filosofia viceja por encontrar solo fértil, esoterismo e filosofia durante muitos séculos andaram de mãos dadas, e para o poeta que bebia na fonte de Santo Souza, nada como fundir a alma com a mente quando diz:

 

“A noite veio ligeira,

Me abraçou, chorou no meu ombro,

E, depois, cansada, foi dormir

Num canto da calçada,

Se casando, assim, com o silêncio,

Tão pequena que parecia que não existia.

Quando ela acordou, não era mais noite

- Era filosofia”

 

O acadêmico Francisco Rollemberg no discurso em homenagem ao poeta Eunaldo Costa quando do seu panegírico fez uma ligação do poeta Edgar Allan Poe, autor de “O Corvo”, com a poesia do nosso homenageado. O que toca aos dois poetas é a capacidade de fazer poesia mesmo com matéria prima antipoética ou a espontaneidade, como bem demonstra quando diz:

 

“Se Poe conseguiu elaborar um poema de tamanha beleza a partir de ingredientes aparentemente antipoéticos. Eunaldo Costa conseguiu construir toda sua obra valendo-se apenas da espontaneidade da poesia. Não que Poe se deixasse marcar por qualquer artificialismo. Ocorre que pelo menos O corvo, de forma confessa, nasceu de uma engenharia poética maturada, que associada à arte revelou aquela grande obra da literatura universal. Concorreram, para tal, diria Camões, o engenho e a arte.

Não há que se falar em planejamento quando se analisa a produção do nosso grande poeta sergipano. Sua poesia nasce da palavra em estado de sentimento, pura, fluente, as vezes ingênua, permitindo uma singela, mas profunda ligação entre autor, obra e leitor. Nisso repousa sua grande marca com maior ou menor intensidade em Poemas da Noite, Cadernos de Ritmos, Caminhos da Madrugada, Signo. Aquário, Água Boa, ou na antologia Arca do Som.”

 

Tenho a honra de ocupar a cadeira 21 que foi ocupada pelo homenageado Eunaldo Costa e depois pelo poeta e também jornalista Benvindo Sales Campos a quem sucedi. Parece que a poesia persegue o seu caminho, independentemente dos poetas.

E não poderia deixar de prestar ao poeta Eunaldo Costa, por ocasião do seu centenário de nascimento, esta singela homenagem que serve para que a imortalidade acadêmica siga como farol do fazer cultural, e nesse caso, poético.

 

Referências

 

BARRETO, Luiz Antônio. O Poeta Eunaldo Costa. Revista do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe, nº 33. 2000-2002. Págs. 251-253.

NASCIMENTO, José Anderson. Perfis Acadêmicos. Aracaju: Editora Diário Oficial do Estado de Sergipe – EDISE, 2017.

ROLLEMBERG, Francisco.  Poe e Eunaldo. Discurso proferido por ocasião do panegírico do poeta Eunaldo Costa, na Academia Sergipana de Letras.

 

 

*Juiz de Direito, jornalista, professor e poeta. Membro da Academia Sergipana de Letras, da Academia Sergipana de Educação e da Academia Sergipana de Letras Jurídicas.

domingo, 7 de maio de 2023

BONS TEMPOS NO CURSO DE DIREITO


 

 

 

José Lima Santana*

 

 

No prédio da velha Faculdade, “seu” Abílio, o garçom, sempre impecável, envergando paletó branco e gravata borboleta, chegava à sala de aula, o professor João de Araújo Monteiro discorrendo sobre algo, e dizia: “Dr. Monteiro, aqui tem duas capacidades em Direito, primeiro eu e, depois, o senhor”. O velho Monteiro soltava alguns impropérios e a gente gargalhava. Primeiro era seu Abílio, claro, depois, o professor, na sapiência jurídica.

O professor Monteirinho não fazia chamada. A disciplina Direito Previdenciário era propícia para quem gostava de gazear. No dia das provas, a sala estava abarrotada. Muitos alunos de outros cursos matriculavam-se na disciplina, como optativa. Na primeira prova do semestre em que eu fiz a disciplina, algumas meninas de Serviço Social estavam atônitas.

Não sabiam, nada, porque não frequentaram as aulas. Estavam paradas diante da prova, sem saber como responder às questões. De repente, Monteirinho dirigiu-se a uma delas e, pegando a CLPS, que estava sobre a carteira, disse: “Minha filha, abra este livro e copie as respostas, senão você vai se lascar”. Foi um alívio. Todas passaram a manusear o exemplar da Consolidação das Leis da Previdência Social em busca das respostas.

O professor Bonifácio Fortes às vezes perdia a calma, quando passavam alunos fazendo algazarra no corredor. Numa dessas vezes, ele bateu as duas bandas da porta da frente (eram duas portas de cada lado) e gritou: “Absurdo! Não se pode dar aula sossegado nesta casa. Vou me aposentar para ler minhas poesias prediletas, para ler Manuel Bandeira”.

E começou a recitar versos do poema “Desencanto” do poeta pernambucano, que Drummond o chamava de “o mais ilustre dos nossos poetas”: “Eu faço versos como quem chora / De desalento... de desencanto... / Fecha o meu livro se por agora / Não tens motivo nenhum de pranto”. Parou.

Esquecera o resto do poema. Então, levantando-me, continuei a declamar: “Meu verso é sangue, volúpia ardente / Tristeza esparsa... remorso vão... / Dói-me nas veias. Amargo e quente / Cai, gota a gota, do coração. /// E nestes versos de angústia rouca / Assim dos lábios a vida corre / Deixando um acre sabor na boca / -Eu faço versos como quem morre”!

Ah, ficamos companheiros de recitação! Vinte anos depois, quando eu fui candidato a uma vaga na Academia Sergipana de Letras, disse-me o professor Bonifácio: “Vou votar no amante da poesia bandeiriana”.

José Antônio de Andrade Góis proferiu uma sentença, condenando um médico, professor de Medicina da UFS, por erro médico. Uma mulher passara por uma cirurgia e no seu interior foi deixada uma mecha de gaze, ou uma pinça, que lhe causaria um sério problema. Levada a Maceió, terra da família do esposo, viera a falecer por infecção generalizada.

O médico que a atendera na capital alagoana enviou para o colega que fizera a cirurgia em Aracaju, um relatório detalhado com as intercorrências registradas. Mas, propositalmente, ou não, entregara o dito relatório em mãos, ao viúvo. De posse do relatório, ele ingressou com ação civil por reparação de danos.

A ação caiu para o juiz Antônio Góis, nosso querido mestre, que foi, aliás, o paraninfo da minha turma, em 1980. Sentença proferida, talvez tenha sido a primeira sentença sergipana a condenar um cirurgião por erro médico, ou uma das primeiras, mas com enorme repercussão em face de o condenado, como já foi referido, ser professor de Medicina e de grande reputação nos meios médicos e na sociedade sergipana.

A repercussão do caso foi tão grande, que alunos de Medicina da UFS publicaram uma moção em um jornal da capital, em favor do seu professor. E nós de Direito fizemos o mesmo em desagravo ao nosso mestre. A sentença fora reformada no Tribunal de Justiça. Góis sentiu-se desprestigiado pelos desembargadores.

Ameaçou deixar a magistratura, pois, à época, os vencimentos de professor da UFS eram maiores do que o subsídio de juiz. Numa manhã, após a aula de Direito Civil – Obrigações – alguns da minha turma se reuniram com Góis, embaixo do oitizeiro da frente da Faculdade, para demovê-lo de tal decisão.

Ponderamos muito. À certa altura, ele disse: “Eu sei que só poderei chegar a desembargador por antiguidade. A maioria deles não me quer por lá”. Bem. Com o tempo, ele se acalmou. Em 1994, na presidência de Aloísio de Abreu Lima, no TJ, este, um amigo querido da minha família e meu, em particular, assim como a Dra. Izabel, sua esposa, minha conterrânea, eis Antônio Góis feito desembargador, por merecimento. Foi um preito de justiça, que Aloísio defendeu com unhas e dentes. Pessoalmente, eu vibrei muito. Pena que Góis morreu tão moço! Um mestre de primeira linha.

Ao contrário de Monteirinho, Góis não dispensava uma falta de ninguém. Nisso, era um “Caxias”. Um colega nosso, Cláudio Aloísio, era da PETROBRAS e trabalhava em Carmópolis. Chegava cansado do plantão por lá. Às vezes, faltava. E eis que ultrapassara, em faltas, o limite de 25% das aulas. Estaria reprovado, por uma ou duas faltas.

Uma comissão da minha turma foi a Góis pedir clemência para o nosso colega. Intransigente, ele disse que não poderia fazer nada. Não teve jeito. Parlamentamos, mas nada. Ficamos bravos com ele. Porém, ao sair o resultado final, eis que o colega estava aprovado. O coração do mestre não era tão duro assim.

 

 

*Padre, advogado, professor do Departamento de Direito da Universidade Federal de Sergipe, doutor em Educação, membro da Academia Sergipana de Letras, da Academia Sergipana de Letras Jurídicas, da Academia Sergipana de Educação e do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe.

BOTARAM SAL NO DOCE DO GOVERNADOR

PÓ DE SOVACO DE MORCEGO

      José Lima Santana*     Zé Calango esbravejou diante do prefeito: “O que é que você pensa, seu cabeça de vento? Que o povo é ...