Claudefranklin Monteiro dos Santos*
Em 1980,
a Música Popular Brasileira foi invadida, no melhor sentido da palavra, pela
dupla gaúcha, natural de Pelotas, Kleiton e Kledir. Os irmãos marcaram época na
cena artística, com sucessos que ainda estão na mente e na boca das pessoas de
várias idades até a presente data.
Embora trate de questões regionais
ao longo de sua trajetória, a dupla apresenta em sua discografia uma variedade
de temas, do místico ao amoroso. Pode-se dizer que a presença da dupla no
cenário nacional chamou a atenção para outros tipos de produção e para outros
lugares do país, a exemplo de Brasília e Rio Grande do Sul, de onde partiram
grandes bandas de rock and roll, a exemplo de Legião Urbana e Engenheiros.
Em
seu primeiro LP (1980), canções como Fonte
da Saudade e Vira Virou tiveram
uma significativa aceitação em nível nacional. Fonte da Saudade é uma canção intimista e sensual, fala do desejo
de forma diferenciada e com versos bem originais, a exemplo das passagens: “o
teu corpo é uma serpente a me provocar” e “se isso é coisa do demônio, eu quero
pecar”, para se referir à vontade de beijar. Vira Virou é uma espécie de fado com sotaque gaúcho, com um refrão
forte e marcante: “Ah! Vira virou, meu coração navegador / Ah! Gira girou, essa
galera”. Foi interpretada por grupos como MBP4, Nenhum de Nós e pelo cantor
Ivan Lins.
No
ano seguinte, em 1981, mais um LP, outros hits e a afirmação do sucesso.
Destaque para as canções: Deu pra ti;
Semeadura; Paixão. Destaco ainda mais duas canções: Noite de São João e Navega
Coração. Deu pra ti tem uma
melodia muito agradável e positiva, usando expressões típicas do Rio Grande do
Sul: “Quando eu ando assim meio down Vou pra Porto e..." bah"!, tri
legal”.
Em Paixão, a dupla soube novamente traduzir o desejo em suas canções e
também o amor. O trecho aquele maldito “Ah! Esse maldito fecho éclair” foi uma
grande sacada. Fez e faz muito sucesso, inclusive na voz de Simone (1983),
Belchior (1996) e com Cláudia Leite, em ritmo de reggae (2010). A versão de
Belchior é a minha preferida, tanto que por anos achei que fosse de sua
autoria. Paixão também foi tema da
novela Orgulho e Paixão (Rede Globo, 2018).
Por falar em novela, as músicas da dupla também já tiveram em repertórios de Guerra dos Sexos (1983, Viva); Sabor de Mel (1983, Nem
Pensar).
Nem
Pensar foi o carro-chefe do terceiro LP da dupla. Na mesma toada, a música Tô que tô (sucesso na voz de Simone, no
álbum Corpo e Alma, CBS, 1982). O
regional está presente em O Analista de
Bagé. A primeira faixa do lado B é um dos grandes destaques do álbum: Viva (sucesso na voz de Caetano Veloso e
feita em sua homenagem). Corpo e alma
encerra com chave de ouro, uma linda versão da música Bridge Over Troubled Water, de Simon and Garfunkel (1970).
No
quarto LP da dupla (1984), uma homenagem para uma figura singular do Brasil: Beijoqueiro. Não fez tanto sucesso
quanto os outros títulos. Ainda assim, destaco a faixa Só peço a Deus, sobretudo pela qualidade e profundidade da mensagem
de sua letra. Dois anos depois, eles voltaram a lançar um novo trabalho.
Destaque para Tô afim de ficar contigo,
1986 (uma representação do contexto).
Ano de fatos marcantes como a passagem do cometa da Halley, o desastre em
Chernobyl e a distensão entre EUA e URSS. Destaco ainda Pampa de Luz.
Em
1986, a dupla se desfez pacificamente e foram fazer projetos próprios. Em 1999,
é refeita e gravou o CD Clássicos do sul,
com a participação de Xuxa na canção Seu
Pezinho. Dez anos depois voltou a gravar um trabalho com canções inéditas: Autorretrato (CD e DVD). Em 2011, fez e
lançou um trabalho direcionado para o público infantil, premiado: Par ou Ímpar. O último CD com músicas
inéditas saiu em 2015: Com Todas as
Letras. Também em formato de DVD.
Outras
importantes intepretações de seu repertório merecem destaque. Hei de Voltar pro sul, de Fogaça e
Kledir (1982), com Nara Leão. Também de Fogaça, em parceria com Kleiton, Fafá
de Belém interpretou Aprendizes da
Esperança (1985).
Manter-se
sempre no auge talvez não tenha sido a pretensão da dupla, afinal isso requer
um grande esforço em nosso país e gera algum desgaste. O fato é que jamais
caíram no esquecimento. O conjunto da obra da dupla marcou um capítulo
importante do cancioneiro brasileiro. O surgimento de novas plataformas
digitais voltadas para a música, trazem à tona sucessos como Kleiton e Kledir:
para os da minha geração, uma saudade que se renova; para os mais novos, a
oportunidade de saber como o Brasil é capaz de produzir coisa boa há muito
tempo.
*Professor do Departamento de História da Universidade Federal de Sergipe, doutor em História e membro das Academias Sergipanas de Letras e de Educação.
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