Marlene Alves Calumby*
O Construtor João Alves João Alves veio de baixo.
Fez o seu pé-de-meia empresarial com muito esforço e sacrifício. Não se vendeu
nem se trocou. Não corrompeu, nem foi corrompido. Milhares de aracajuanos gozam
da felicidade de possuir a sua “casinha” graças a benevolência de João ao seu
estímulo, facilitando o empréstimo, os juros e, até a “entrada” para aquisição
do imóvel desejado. Nunca tomou a casa de ninguém só porque atrasou o pagamento
das prestações.
Era um sonhador nato. Certa vez sentado à tardinha
na amurada que circunda a pequena praça no alto da colina do Santo Antônio,
braço sobre os ombros do seu primogênito João Alves Filho, de braço estendido
apontava pontos distantes daquele belo panorama, que ia do verde forte, que
revestia a linha do horizonte como um invólucro por quilômetros, até alcançar o
azul pálido do mar, lá bem distante onde a vista mal conseguia distinguir. E o
garoto sonhava a certeza do pai, que garantia: “esta cidade meu filho é do mar
e vai crescer muito em direção às praias”.
Foi na Rua Divina Pastora, nos idos da década 40,
que João Alves começou uma atividade que iria desenvolver por mais de 50 anos
em Aracaju. Construiu ali sua primeira casa e, logo em seguida, outra
residência, na rua Oliveira Ribeiro. Enquanto isso, no bairro Santo Antônio, na
Rua do Carmo ergueu com as próprias mãos, tendo como auxiliar de pedreiro (que
era ele mesmo) D. Lourdes, cuja parceria era preciosa.
João preparava a masseira e quando o assentamento
dos tijolos chegava a uma certa altura, ele subia numa pequena escada de madeira,
feita por ele mesmo com caibros, enquanto sua companheira trazia a massa em
pequenos baldes. D. Lourdes ajudou também na entrega dos caibros, ripas e
azulejos, ripas e telhas que foram colocados na casinha do casal. E, claro,
teve a comemoração tradicional da “festa” da cumeeira. Foi ali que João
construiu família. A casa era simples, mas era para ele um relicário. Tudo era
novo. Casinha de tijolos, com massa de cimento 3 por 1, masseira bem feita,
tudo no capricho. Seria o lar da sua família. Testada de platibanda, janelão,
corredor, até a sala de jantar, copa e cozinha, com os quartos na extensão do
corredor. Era o luxo da simplicidade, costuma repetir.
Lembrar que era comum o veículo do DER ir até a sua
casa, por ordem do Engenheiro José Rollemberg Leite (que anos depois seria
governador do Estado) para as viagens que fazia pelas estradas do interior. A
garotada da vizinhança e os filhos ainda pequenos ficavam alvoroçados e faziam
algazarra enquanto se acercava do veículo, porque não era comum veículo
circular por aquelas bandas.
O engenheiro-chefe gostava da maneira eficiente
como João anotava todos os itens que seriam utilizados na realização destes ou
daquele tipo de obra, estabelecendo a quantidade dos materiais e tipo dos
serviços a serem feitos, registrando os dados relativos ao tempo de operações
de máquinas, retroescavadeiras e tratores, como, também, o material de
construção, tipo cimento, areia, água, enfim, tudo que deveria ser requisitado
ao DER para ser conduzido até o local onde a operação seria realizada
(recuperação de estradas, aberturas de novas estradas, pontilhões, pontes,
etc.). Enquanto o funcionário do DER, serviu-lhe como base para a profissão a
qual se dedicaria por mais de 50 anos: a construção civil.
Desde que começou a construir casas e residenciais
em Aracaju, João adotou em sistema muito bem planejado. Com a facilidade que
tinha de projetar o orçamento para casa que iria construir, inicialmente por
encomenda, a construção civil sempre foi para ele um jogo de xadrez que já começava
com xeque-mate devidamente traçado no seu tabuleiro mental. João era um
construtor por devoção, por amor à arte.
Além de ter transformado a cidade inteira numa
autentica tábua de pirulitos, pontilhando ruas, áreas e bairros com construções
da sua autoria - no caso das transversais “Estádio Lourival Batista”, a partir
da própria rua do Cedro, lateral do “Instituto “Parreiras Horta”, implantou um
estilo moderno de “bangalôs” determinando no levantamento de mais 300 casas, um
novo estilo de habitação para as famílias classe média de Aracaju.
Depois de ter começado a construir casas e a sentir
que iria dedicar sua vida a essa missão, João Alves, já em 1946, registrou
firma individual para dar um cunho oficial a suas atividades. Em 1953, o volume
de obras realizadas, merecedora da aceitação popular, levou a construir uma
firma sob a dominação de Construtora Alves LTDA – CAL, empresa que se tornaria
durante meio século a principal responsável pela urbanização de Aracaju.
O envolvimento de João Alves com o progresso
social, em decorrência, de estimulo à economia, foi marcado por obras que
perenizaram seu pioneirismo na construção civil. Quando o Bispo de Aracaju, D.
Fernando Gomes, promulgou uma campanha para retirar do centro de Aracaju
núcleos e favelas que cresciam à medida que a cidade evoluía, o apoio do então
governador Arnaldo Garcez foi direcionado para que João Alves participasse do
grandioso programa de erradicação das favelas que contaminavam o centro da
capital sergipana – dentre outros, a volumosa concentração de miséria e
prostituição que, com todos seus malefícios, imperavam na região conhecida como
“Ilha das Cobras”, nas proximidades da Praça Sta. Izabel, bairro Santo Antônio.
É daquela época a construção do Conjunto
Residencial “Agamenon Magalhães” com mais de 200 casas populares, obediente a
um modelo que atraiu as atenções de faixas da população mais abonada que, aos
poucos, foi adquirindo aqueles imóveis dos seus primitivos proprietários.
A visão expansionista do Construtor João Alves não
se limitou a obras subvencionadas pelo poder público – como ocorreu com o
financiamento através da COHAB para construir o Conjunto Habitacional “Castelo
Branco”, com 381 unidades – pois, com recurso próprios ergueu Conjunto “Amintas
Garcez”, este com 500 bangalôs e o Conjunto João Alves, com 700 casas, ou,
ainda, a construção de várias centenas de casas em diferente ruas e bairros de
Aracaju. Qualquer espaço em qualquer lugar era o tamanho exato da febre de
construção que engolfava João Alves.
Começou partindo do zero, fazendo argamassa e
fixando tijolos, multiplicando tempo para alcançar resultados, marcando
presença com competência. Foi nesse ritmo incessante que construiu casas em
quase todas as partes de Aracaju.
O Construtor João Alves era um apaixonado por
automóveis e tinha sempre um “ponta de linha” em sua garagem. Era o seu
“hobby”. O carro de chapa “17-17” de propriedade do Construtor João Alves
tornou-se uma verdadeira lenda em Aracaju. Mesmo quando adquiria um veículo
novo, sempre conseguia manter a mesma chapa “17-17”. Sozinho ou sempre bem
acompanhado, homem de muitos amores.
As incontáveis aventuras que lhe foram atribuídas,
e sobre as quais nunca procurou dar explicações, levaram o seu nome a ser
equiparado ao nível igual superior ao do incansável Don Juan, de lendários
contos eróticos famosos em todo mundo.
Meu pai, João Alves Construtor pioneiro de uma obra
transformadora de Aracaju dos primeiros anos em uma cidade moderna,
interligando ruas e avenidas, em cuja extensão as centenas e centenas de casas
que o empreendedorismo de sua visão única tornou possível.
Antes da implantação do Banco Nacional de Habitação
pelo Governo Federal. O Construtor João Alves, com sua visão empreendedora
extraordinária e humanista, criou um sistema de financiamento na sua
Construtora, com centenas de clientes que tinham suas residências financiadas,
por até 10 anos, com pagamentos mensais fixos. Nunca se ouviu falar de pressões
por ele exercidas contra qualquer um dos adquirentes de suas moradias, por
inadimplência. Costumava dizer: “mais vale o pior acordo do que a menor
briga”... e, tudo se resolvia após uma breve conversa amigável.
Quando as enfermidades levaram o Construtor João
Alves a buscar assistência médica, ele tomou conhecimento de situações
aflitivas de doentes renais que não podiam arcar com os custos de operações de
transplante que lhes salvariam a vida. Sigilosamente, ele assumiu esses
encargos de vários pacientes, pessoas que sequer conhecia.
Aracaju, sob a ação progressista de sua visão
empresarial especial e obstinada, antes bucólica, passou a ser uma cidade
moderna, apta a se transformar numa das mais belas do Nordeste. O construtor
João Alves construiu casas, teve filhos e sonhos. Nunca se deixou abater por
seus problemas, se deixava conduzir por seus sonhos.
Seu mais precioso sonho se concretizou em 1965
quando seu primogênito João Alves Filho conquistou o título acadêmico de
Engenheiro Civil graduado pela Escola Politécnica da Universidade Federal da
Bahia. Cristalizada estava uma das suas grandes metas. Que mais posso desejar?
Ter meu filho ao meu lado na Construtora Alves Ltda-CAL! E por alguns anos
dividiram seu comando.
Duas características do seu pai atraíam o jovem
João Alves Filho: sua atitude tranquila e seu olhar firme, independentemente da
situação em que se encontrava. Ele sabia que as lições mais importantes e
duradouras vêm das estradas difíceis. Seu pai não sabia falar difícil, mas
tinha graduação na Universidade da Vida, era a única pessoa em sua vida que
parecia ter sempre uma resposta.
Com esta certeza veio a resposta positiva e o
apoio, em julho de 1970, mês de aniversário do pai e filho, nasce a
HABITACIONAL CONSTRUÇÕES, um novo estilo na arte de morar. E a saga da família
Alves se pereniza. Como dizia o Construtor João Alves, meu pai e ídolo, “quando
descanso, carrego pedras”. Que assim seja, Deus lhe dê o descanso merecido!
*Membro da Academia Sergipana de Educação e da
Academia Sergipana de Letras.
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