domingo, 16 de agosto de 2020

SE BEM NÃO FIZER, MAL É QUE NÃO FAZ

 


  

Antônio Carlos Sobral Sousa*

 

 

Este adágio popular tem sido muito utilizado, atualmente, na pandemia da Covid-19. Como todo dito popular, ele procura transmitir conhecimentos comuns sobre situações que vivenciamos no cotidiano. Vale ressaltar, todavia, que estes provérbios não necessariamente estão alinhados com o paradigma científico. Puro empirismo. 

Esse cenário dantesco promovido pelo vírus SARS-CoV-2, deixando a população em pânico, curiosamente, tem se repetido a cada cem anos. Assim, em 1720, ocorreu Grande Peste de Marselha, matando mais de 100 mil pessoas, na cidade francesa. Em 1820, foi a vez da primeira pandemia de Cólera, em algum lugar da Ásia, causando, também, cerca de 100.000 mortes. Já em 1920, ocorreu uma das pandemias mais implacáveis, a Gripe Espanhola, que infectou cerca de meio bilhão de pessoas e matou 100 milhões, tornando-se, portanto, a pandemia mais mortal da humanidade, registrada oficialmente. A história tem nos ensinado, ainda, que a situação de anormalidade social, causada por estes agentes infecciosos, infelizmente, não desaparece em meses. Enquanto ela perdura, o medo de contrair a doença leva muitas pessoas a adotarem condutas, algumas das quais, sem o necessário lastro científico, visando à almejada proteção.

Como a sonhada vacina, específica contra o novo coronavírus, talvez só esteja disponível para o uso populacional no próximo ano, inúmeros medicamentos têm sido utilizados, com a perspectiva de proteção contra a Covid-19, a exemplo da Vitamina D, do Zinco e até do vermífugo Ivermectina, com a premissa de que “não faz mal”, mesmo sem a comprovação de “que faz bem”! É oportuno salientar que, apesar do conceito da bioética de primum non nocere, termo latino que significa "primeiro, não prejudicar", na prática clínica, a prescrição deve, sempre, ser norteada pela argumentação de eficácia e não pela segurança. Na investigação clínica, o poder de um estudo e, consequentemente, o tamanho amostral, é calculado para a eficácia da droga e, secundariamente, para a segurança da mesma. Portanto, na ausência de benefício, usar o argumento da ausência de risco, para a utilização de determinada droga, fere a racionalidade do pensamento clínico.

Por outro lado, toda conduta médica é passível de provocar a ocorrência de consequências não propositais, entre as quais os efeitos colaterais da droga utilizada. De tal forma que, a chance de um dos múltiplos e desconhecidos efeitos indesejáveis acontecer, é maior do que o único que se espera da droga que é o de mitigar a doença ou os seus efeitos.

Até o momento, nenhuma droga passou pelo crivo de um estudo robusto, portanto, não existe comprovação científica para o uso profilático de tais medicamentos. Dessa maneira, recomenda-se a adoção de medidas preventivas, comprovadamente eficazes, tais como: o distanciamento social, o uso de máscaras para os deslocamentos necessários, a higiene rigorosa e constante das mãos, o isolamento dos contaminados por 14 dias e a quarentena dos contactantes, por igual período.

Por fim, concluo que, mesmo nos tempos difíceis de pandemias, cabe ao paciente, orientado por seu médico, seguir o melhor caminho, escolhido, racionalmente. Muitas vezes, não usar medicação, constitui a melhor opção, porque, segundo o médico e físico do século XVI, o famoso cientista suíço, Paracelso, permite inferir que a chave para a eficácia de um medicamento está no uso de quantidades corretas: “a diferença entre remédio e veneno está na dose prescrita”.

À luz do filósofo.grego, Sócrates, “Só é útil o conhecimento que nos torna melhores.”

 

 

* Professor Titular da UFS e Membro das Academias Sergipanas de Medicina, de Letras e de Educação.


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