José Lima Santana*
Quando
eu entrei na escola, aos cinco anos, tinha um sonho: escrever com um
lápis-tinta, uma caneta esferográfica, como faziam os alunos mais adiantados.
Era uma escola multisseriada. Mas, aos iniciantes do ABC só era facultado
escrever com lápis de rascunho, ou seja, lápis grafite. Lápis nº 2 da Faber
Castell, apontado com uma lâmina de barbear da marca Gilette. Depois,
apareceram aquelas “maquinhas” de apontar. Eu achava tão bonito fazer a ponta
do lápis naquele treco, que gastava o lápis em pouco tempo, fazendo e refazendo
a ponta.
Para
apagar os erros, uma borracha em duas cores, vermelha e azul, que chamávamos
raspadeira. Marca? Prima Mercur. E ainda tinha os indefectíveis lápis de cor,
numa caixa com doze unidades. O tempo passou, eu fui desasnando, como se dizia,
e, enfim, pude empunhar a minha primeira caneta. Marca? Sempre ela: Bic.
Pouco
importa quem a usou ou a usa. Caneta azul. Azul caneta. Valha-me Deus! Fizeram
uma musiquinha horrorosa, nojenta. “Fio” da gota! Pois bem. Passou ainda mais
tempo. Em dezembro de 1966, ali estava eu fazendo as provas da admissão ao
ginásio. Ainda guardo o meu livro de Admissão. Passei em segundo lugar. Naquele
tempo, era uma festa ouvir o próprio nome no autofalante da Matriz.
De
presente, ganhei do meu tio José Ariston, irmão da minha mãe, uma caneta Parker
51. Caneta-tinteiro. Folheada a ouro, na tampa e na cinta, que ele ganhou de
presente na multinacional na qual trabalhou como gerente, em São Paulo. Que
caneta! Comprei um tinteiro na loja “A Vencedora” de “seu” Humberto Azevedo
Andrade.
A
Parker não derramava tinta. O bico deslizava no papel com a leveza de uma garça
cortando os ares. Eu a levava às aulas noturnas no Ginásio Tertuliano Pereira
de Azevedo, só para mostrar aos colegas. Orgulho de um suburbano besta. Ao
iniciar o curso técnico em contabilidade, no Colégio Tiradentes, em 1971, eu
perdi a minha Parker. Não sei se deixei cair nalgum lugar, ou se me afanaram a
caneta. Fiquei transtornado.
Jamais
tive coragem de dizer ao meu tio que a perdi. Eu tinha vontade de possuir outra
caneta daquela, mas nunca mais a possui. Outras viriam. Certa feita, eu ganhei
de um amigo uma Montblanc, trazida de Nova Iorque. O amigo tinha posses. Quando
gastei a carga e fui comprar outra, desisti da caneta. O preço da carga era
muito maior do que o preço de várias Bics. “Tá louco”! Guardei-a. Aliás, nem
sei onde está, de tão bem guardada.
Tempo houve em que uma Montblanc depositada no bolso esquerdo de uma camisa
masculina era sinal de prestígio. Parecia que o mundo se dividia entre os
muitos que não a possuíam e os poucos que a ostentavam. Acho até que uma
Montblanc servia como chamariz para certas mulheres. E devia ser afrodisíaca.
Aliás,
há poucos dias, na minha Paróquia, vi um amigo que foi à Missa com duas delas
no bolso esquerdo da camisa. Puxa! Lá estavam as duas estrelas faiscando. Poder
é poder. Santo Deus! Com o correr do tempo, ganhei outras canetas, mas não
Parker nem Montblanc.
Como
a maioria das pessoas, fixei-me na velha e boa Bic. Pouco importa quem a usa.
No serviço público, deparei-me com uma esferográfica danada de ruim, que não
escrevia nem um milímetro, quanto mais os quilômetros que a marca apregoava.
Licitação pública do tipo menor preço. Adquiria-se uma porcaria. Como eu odiava
aquela caneta infeliz, que, simplesmente, não escrevia!
Os
anos continuaram a escorrer no sorvedouro do tempo. Outras canetas viriam.
Muitas como brindes de lojas etc. Do tipo “usou”, “jogou”. Vai para o lixo. E
haja lixo emporcalhando o mundo! Ganhei uma caneta muito bonita, embora não tão
cara quanto uma Montblanc, na década de 1990. Encontrei-a sobre a minha mesa de
trabalho, embrulhada. Perguntei à secretária quem a deixou ali. Respondeu-me
que foi um colega de trabalho. Agradeci ao colega, que nada disse. Porém,
tempos depois fiquei sabendo que o colega tinha sido mero portador. Como já
estava usando, não quis devolver. Aposentei-a. Um empresário tinha enviado a
caneta pelas mãos do meu colega, sabendo que eu não recebia “mimos” de quem
tinha interesse nas repartições que eu dirigia.
Por
conta disso, em 1997, escrevi o poema “Bobagens”, publicado no meu livro
“Redemoinhos” (São Paulo: Scortecci Editora, 2015, p. 54): “Um dia, eu ganhei /
Uma caneta barata, / Mas muito bonita. / Com ela, o doador esperava / Que eu
assinasse / Documentos importantes, / Como portarias / e ordens de serviço. /
Felizmente, frustrei suas esperanças, / E com ela eu apenas escrevi bobagens, /
Em forma de poemas”.
Todavia,
uma caneta simples, que eu recebi em 26 de março de 1981, guardo-a com grande
carinho. Simples, muito simples. Mas, muito valiosa para mim. Nela está
gravado: “Oferta da OAB”. Eu a usei apenas uma vez. Ganhei ao receber a minha
carteira de advogado, por ter sido aprovado em 1º lugar no Exame da Ordem,
realizado em fevereiro daquele ano, tendo sido diplomado pela UFS, em 26 de
dezembro de 1980.
A única vez que eu usei a caneta ofertada pela OAB (SE) foi quando assinei a
minha primeira petição, uma ação de execução cambial, em abril de 1981.
Gosto
de canetas. Perco-as, às vezes. Por isso, prefiro a básica. A que não falha.
Bic. Pouco importa quem também a esteja usando.
*Padre, advogado, professor do Departamento de Direito da Universidade Federal de Sergipe, membro da Academia Sergipana de Letras, Academia Sergipana de Letras Jurídicas, Academia Dorense de Letras, Academia Sergipana de Educação e do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe.
Bonita as historias das canetas. Gostei!
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