Antônio Carlos Sobral Sousa*
O
pai, apesar de algum tempo na estrada da vida médico-profissional, procurando
interpretar os sentimentos, para aliviar a dor daqueles que o procuram, não pôde
dissimular os seus próprios. É isto que sinto
agora, neste momento, por não poder esconder a emoção que me envolve e as
vibrações do meu coração irrequieto.
No
momento, eu não escrevo de corpo, eu escrevo de alma, porque somente a alma
entrelaçada pelo amor pode exprimir os sentimentos mais profundos de
agradecimento, de gratidão e de respeito que o ser humano pode ter. Eis aí que,
o solilóquio de Zaratustra me ajuda a interpretar a razão de minha
indisfarçável alegria, nos últimos dias. Cheguei aqui porque contei com amigos
que me ajudaram a transpor os dias mais dramáticos que vivenciei, na qualidade
de pai, que, também, é médico.
Na
última semana de agosto, nossa querida primogênita, Nathália, passou a
apresentar os sintomas da temível Covid-19, evoluindo para fase inflamatória,
com acometimento pulmonar, inicialmente < de 25% e, decorridos três dias,
aproximadamente 50% do órgão já estava tomado pela enfermidade, sendo
necessário internamento na UTI, ensejando um panorama dramático no qual o
pensamento se emaranha.
À
medida que a doença progredia, aumentava, geometricamente, a minha angústia e a
da nossa família e a de amigos. Por pertencer ao grupo de risco desta impiedosa
mazela, fiquei privado do contato próximo à querida filha. Confesso que foi
difícil conter a contínua vontade de quebrar esse protocolo, impulsionado por
meu coração transbordante e apertado.
Precisei
de mãos que, para mim, se estenderam: Eis que surgem profissionais
vocacionados, competentes, humanos e extremamente dedicados, compondo um grande
arco que se inicia com os diretores, passa pelos herdeiros de Esculápio, os
fisioterapeutas, continua com o corpo de enfermagem, os nutricionistas, os técnicos,
os secretários, os profissionais de limpeza e de manutenção, tanto da Urgência,
como da UTI, do Hospital São Lucas. Todos deram o seu melhor em prol da
recuperação da nossa querida Nath.
Tenho
a convicção de que elogiar – mesmo quando o objeto dos encômios definitivamente
os não mereça – elogiar é muito mais fácil do que agradecer. Recordemo-nos da
desenvoltura com que Erasmo de Roterdã elogiou a “loucura”. Entendo, todavia,
que somente as pessoas dotadas de sentimentos nobres e altruísticos é que lembram
de tributar homenagem àqueles que os ajudaram a mitigar o seu sofrimento.
Fiel
ao sentimento de gratidão e de alegria, mesmo correndo o risco de omissão,
gostaria de expressar o reconhecimento de nossa família aos doutores Almiro
Oliva, José Augusto Barreto Filho, Roberta Machado, Caroline Araújo, Paulo
Barreto, Liana Costa e Luiz Bittencourt, verdadeiros hodiernos discípulos de
Hipócrates de Cós. Suas ações comedidas e seguras traduziram a mais pura
essência da medicina, que vai além de tratar o corpo: um novo modo de sentir,
de pensar, de avaliar e de agir para buscar a saúde.
Cingir-me-ei
a agradecer, também, à legião de familiares e de amigos que formaram uma grande
corrente de orações e de pensamentos positivos, essencial para o nosso
fortalecimento e o de Nath.
E,
finalmente, agradeço ao Criador, que concedeu a chance de nossa querida filha
continuar entre nós. Concluo, parafraseando meu pai, José Carlos de Sousa:
“Gratidão é virtude de pessoas conscientes de sua dignidade”.
* Professor Titular da UFS e Membro das Academias Sergipanas de Medicina, de Letras e de Educação.
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