domingo, 20 de setembro de 2020

GRATIDÃO

                                                     Antonio Sousa
 

 

 

 

Antônio Carlos Sobral Sousa*

 

 

O pai, apesar de algum tempo na estrada da vida médico-profissional, procurando interpretar os sentimentos, para aliviar a dor daqueles que o procuram, não pôde dissimular os seus próprios. É isto que sinto agora, neste momento, por não poder esconder a emoção que me envolve e as vibrações do meu coração irrequieto.

No momento, eu não escrevo de corpo, eu escrevo de alma, porque somente a alma entrelaçada pelo amor pode exprimir os sentimentos mais profundos de agradecimento, de gratidão e de respeito que o ser humano pode ter. Eis aí que, o solilóquio de Zaratustra me ajuda a interpretar a razão de minha indisfarçável alegria, nos últimos dias. Cheguei aqui porque contei com amigos que me ajudaram a transpor os dias mais dramáticos que vivenciei, na qualidade de pai, que, também, é médico.

Na última semana de agosto, nossa querida primogênita, Nathália, passou a apresentar os sintomas da temível Covid-19, evoluindo para fase inflamatória, com acometimento pulmonar, inicialmente < de 25% e, decorridos três dias, aproximadamente 50% do órgão já estava tomado pela enfermidade, sendo necessário internamento na UTI, ensejando um panorama dramático no qual o pensamento se emaranha.

À medida que a doença progredia, aumentava, geometricamente, a minha angústia e a da nossa família e a de amigos. Por pertencer ao grupo de risco desta impiedosa mazela, fiquei privado do contato próximo à querida filha. Confesso que foi difícil conter a contínua vontade de quebrar esse protocolo, impulsionado por meu coração transbordante e apertado.

Precisei de mãos que, para mim, se estenderam: Eis que surgem profissionais vocacionados, competentes, humanos e extremamente dedicados, compondo um grande arco que se inicia com os diretores, passa pelos herdeiros de Esculápio, os fisioterapeutas, continua com o corpo de enfermagem, os nutricionistas, os técnicos, os secretários, os profissionais de limpeza e de manutenção, tanto da Urgência, como da UTI, do Hospital São Lucas. Todos deram o seu melhor em prol da recuperação da nossa querida Nath.

Tenho a convicção de que elogiar – mesmo quando o objeto dos encômios definitivamente os não mereça – elogiar é muito mais fácil do que agradecer. Recordemo-nos da desenvoltura com que Erasmo de Roterdã elogiou a “loucura”. Entendo, todavia, que somente as pessoas dotadas de sentimentos nobres e altruísticos é que lembram de tributar homenagem àqueles que os ajudaram a mitigar o seu sofrimento.

Fiel ao sentimento de gratidão e de alegria, mesmo correndo o risco de omissão, gostaria de expressar o reconhecimento de nossa família aos doutores Almiro Oliva, José Augusto Barreto Filho, Roberta Machado, Caroline Araújo, Paulo Barreto, Liana Costa e Luiz Bittencourt, verdadeiros hodiernos discípulos de Hipócrates de Cós. Suas ações comedidas e seguras traduziram a mais pura essência da medicina, que vai além de tratar o corpo: um novo modo de sentir, de pensar, de avaliar e de agir para buscar a saúde.

Cingir-me-ei a agradecer, também, à legião de familiares e de amigos que formaram uma grande corrente de orações e de pensamentos positivos, essencial para o nosso fortalecimento e o de Nath.

E, finalmente, agradeço ao Criador, que concedeu a chance de nossa querida filha continuar entre nós. Concluo, parafraseando meu pai, José Carlos de Sousa: “Gratidão é virtude de pessoas conscientes de sua dignidade”.

 

 

* Professor Titular da UFS e Membro das Academias Sergipanas de Medicina, de Letras e de Educação.

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