domingo, 25 de outubro de 2020

CENTENÁRIO DORENSE


 

 

 

José Lima Santana*

 

 

Ontem, Nossa Senhora das Dores, minha querida terra natal, tornou-se uma cidade centenária. A mesma fora elevada à categoria de cidade em 23 de outubro de 1920, quando era presidente do Estado José Joaquim Pereira Lobo. Economicamente, o município de Nossa Senhora das Dores, criado em 11 de junho de 1859, por força da Resolução n° 555, já despontava como progressista desde os anos crepusculares do século XIX.

Nesse sentido, disse L. C. Silva Lisboa, em sua “Chorographia do Estado de Sergipe”, publicada em 1897: “O Município é extremamente rico e vasto. É centro de enorme produção de algodão, possuindo grandes fazendas em toda a zona agrícola, com máquinas de descaroçar, movidas a vapor. Cria igualmente gado vaccum, cavalar, muar e lanígero, aproveitando-se para isso dos excelentes pastos que contém. Planta cana, mandioca e cereais em abundância. O seu comércio é ativo, e, dia a dia, vai tomando maior desenvolvimento” (p. 136).

Disse, também, Silva Lisboa que “o aspecto da vila é agradável”, embora fosse “a edificação muito irregular”. Tinha a vila “boa igreja matriz, casa de intendência, agência do correio, exatoria, cadeia pública e cemitério”. Por aquela época, a população era avaliada em 9.000 pessoas, em todo o município. Possuía “duas escolas públicas de ensino primário, na sede municipal”, sendo “uma para cada sexo” (p. 137). Embora Silva Lisboa não o afirmasse, é sabido que também havia escolas em alguns povoados dorenses, naquele tempo.

Por sua vez, Laudelino Freire, em seu “Quadro Chorographico de Sergipe”, publicado em 1902, mas escrito na década anterior, afirmou que “a vila de Nossa Senhora das Dores está assentada em belo e agradável local”. Apontou, entretanto, que era “de pequeno movimento e extensão”. Referia-se ao aglomerado urbano.

Com relação à economia, disse que “a lavoura principal é o algodão, cereais e cana de açúcar, sendo que o algodão constitui o empório da lavoura e da indústria”. Declinou possuir o município “10 fábricas de descaroçar algodão, 200 de farinha de mandioca e 20 fazendas de criação de gado vaccum” (p. 130).

É possível que tenha havido uma inversão nesses números. Em 27 de setembro de 1891, o jornal “O Estado”, de Aracaju, em ampla matéria intitulada “A cultura do algodão”, afirmou: “O algodão de Sergipe, exceção feita ao de Nossa Senhora das Dores, é o pior do Brasil, o que tem cotação inferior no mercado. O de Itabaiana, sobretudo, é que goza de pior conceito, porque é, com justiça, o mais depreciado, por culpa exclusivamente do produtor.

Assim é que só o algodão de Nossa Senhora das Dores é o único de Sergipe que compete com o de procedência de Alagoas e Pernambuco, tanto para consumo do país como do estrangeiro. O porquê do depreciamento do nosso algodão de Itabaiana é muito conhecido: a falta de limpeza da lã e inferioridade da fibra: lã suja, de mistura com o cisco do roçado; fibra curta e podre. Consequência disto: o algodão de Itabaiana, cultivado com o mesmo trabalho e dispêndio, passa no mercado como refugo, gozando 15% menos que o de Nossa Senhora das Dores, que compete com Alagoas e Pernambuco”.

É de notar que, em 1808, o algodão já era produzido em Dores, então Enforcados, como anotou em sua “Memória sobre a Capitania de Sergipe”, o então padre, depois bispo, Marcos Antônio de Souza (1944, p. 36). Apenas a título de argumentação, a necessidade de escoar as boas safras do algodão dorense, teria sido, possivelmente, um dos motivos para a expedição da Resolução Provincial, de 6 de maio de 1872, que conferiu certos privilégios a Campos, Cameron & Cia., em troca da construção de uma linha férrea, que ligaria o Porto de Japaratuba a Dores. Mas, tal Resolução seria revogada três anos depois. De qualquer forma, vê-se que já era pujante a economia dorense calcada no cultivo e no beneficiamento do algodão de boa qualidade.

Quanto à instrução, Laudelino disse que a mesma era “dada em todo o Município em seis escolas”, sendo “duas cadeiras de ensino primário”, na sede da vila (p. 130), e que seriam aquelas apontadas por Lisboa. As demais estavam em povoados. A sede da vila contava com “dois açougues públicos” (p. 130). Possivelmente, um deles se destinava à venda de carne-verde, enquanto o outro era para carne-de-sol.

Aliás, essa era a tradição da feira da cidade até 1976, quando a venda dos dois tipos de carnes foi concentrada no Centro de Abastecimento construído na gestão do prefeito Paulo Garcia Vieira. Esse Centro de Abastecimento, que ainda se encontra em pleno funcionamento, substituiria, ao mesmo tempo, o então Talho de Carne Verde, de 1918, construído pelo intendente Álvaro de Souza Brito, e o Mercado Municipal erguido entre 1920 e 1922, pelo intendente Manoel Joaquim Soares, pai do Mons. José Curvelo Soares e avó do médico José Augusto Soares Barreto, fundador, na capital, do Hospital São Lucas.

O comércio de carne-de-sol, que faz do município de Dores um dos maiores exportadores do produto para as cidades vizinhas, nos dias de suas respectivas feiras, é muito antigo. A prova disso é que a Lei 761, de 9 de março de 1866, que dispunha sobre as posturas municipais, no art. 13, proibia “secar carnes nas ruas da vila”, além de outros produtos, como “couro e açúcar”, a fim de não incomodar “o trânsito público, sob pena de multa de 1$000 (um mil réis), e o duplo na reincidência”.

Ora, contando-se da data da citada lei para cá, são passados mais de 150 anos. Vale dizer: no mínimo, é mais de um século e meio de comercialização da carne-de-sol, sem considerar o provável tempo dessa comercialização, anterior a 1866.

Aliás, os habitantes de outra cidade sergipana se arvoram em dizer que a sua carne-de-sol é a melhor do Estado. É provável. Afinal, a de Dores é, simplesmente, a melhor do mundo. Sou bairrista? Sou. Aliás, quando eu estou indo de Aracaju para Dores, ao chegar na Santa Cruz, que foi engenho e, depois, alambique, ao ver a cidade se espalhando sobre um pequeno platô, o céu parece se abrir.

Cem anos são passados desde a elevação da vila de Nossa Senhora das Dores à condição de cidade. Uma cidade que tem crescido, muito mais pela pujança do seu povo do que por força da ação de algumas de suas autoridades. Isso é fato. As autoridades municipais, às vezes, têm deixado muito a desejar. Espera-se por melhores dias. Parabéns à minha cidade e ao seu povo, ao celebrar o centenário de sua elevação.

 

*Padre, advogado, professor do Departamento de Direito da Universidade Federal de Sergipe, membro da Academia Sergipana de Letras, Academia Sergipana de Letras Jurídicas, Academia Dorense de Letras, Academia Sergipana de Educação e do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe.

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