José
Lima Santana*
Ontem,
Nossa Senhora das Dores, minha querida terra natal, tornou-se uma cidade
centenária. A mesma fora elevada à categoria de cidade em 23 de outubro de
1920, quando era presidente do Estado José Joaquim Pereira Lobo.
Economicamente, o município de Nossa Senhora das Dores, criado em 11 de junho
de 1859, por força da Resolução n° 555, já despontava como progressista desde
os anos crepusculares do século XIX.
Nesse
sentido, disse L. C. Silva Lisboa, em sua “Chorographia do Estado de Sergipe”,
publicada em 1897: “O Município é extremamente rico e vasto. É centro de enorme
produção de algodão, possuindo grandes fazendas em toda a zona agrícola, com
máquinas de descaroçar, movidas a vapor. Cria igualmente gado vaccum, cavalar,
muar e lanígero, aproveitando-se para isso dos excelentes pastos que contém.
Planta cana, mandioca e cereais em abundância. O seu comércio é ativo, e, dia a
dia, vai tomando maior desenvolvimento” (p. 136).
Disse,
também, Silva Lisboa que “o aspecto da vila é agradável”, embora fosse “a edificação
muito irregular”. Tinha a vila “boa igreja matriz, casa de intendência, agência
do correio, exatoria, cadeia pública e cemitério”. Por aquela época, a
população era avaliada em 9.000 pessoas, em todo o município. Possuía “duas
escolas públicas de ensino primário, na sede municipal”, sendo “uma para cada
sexo” (p. 137). Embora Silva Lisboa não o afirmasse, é sabido que também havia
escolas em alguns povoados dorenses, naquele tempo.
Por
sua vez, Laudelino Freire, em seu “Quadro Chorographico de Sergipe”, publicado
em 1902, mas escrito na década anterior, afirmou que “a vila de Nossa Senhora
das Dores está assentada em belo e agradável local”. Apontou, entretanto, que
era “de pequeno movimento e extensão”. Referia-se ao aglomerado urbano.
Com
relação à economia, disse que “a lavoura principal é o algodão, cereais e cana
de açúcar, sendo que o algodão constitui o empório da lavoura e da indústria”.
Declinou possuir o município “10 fábricas de descaroçar algodão, 200 de farinha
de mandioca e 20 fazendas de criação de gado vaccum” (p. 130).
É
possível que tenha havido uma inversão nesses números. Em 27 de setembro de
1891, o jornal “O Estado”, de Aracaju, em ampla matéria intitulada “A cultura
do algodão”, afirmou: “O algodão de Sergipe, exceção feita ao de Nossa Senhora
das Dores, é o pior do Brasil, o que tem cotação inferior no mercado. O de
Itabaiana, sobretudo, é que goza de pior conceito, porque é, com justiça, o
mais depreciado, por culpa exclusivamente do produtor.
Assim
é que só o algodão de Nossa Senhora das Dores é o único de Sergipe que compete
com o de procedência de Alagoas e Pernambuco, tanto para consumo do país como
do estrangeiro. O porquê do depreciamento do nosso algodão de Itabaiana é muito
conhecido: a falta de limpeza da lã e inferioridade da fibra: lã suja, de
mistura com o cisco do roçado; fibra curta e podre. Consequência disto: o
algodão de Itabaiana, cultivado com o mesmo trabalho e dispêndio, passa no
mercado como refugo, gozando 15% menos que o de Nossa Senhora das Dores, que compete
com Alagoas e Pernambuco”.
É
de notar que, em 1808, o algodão já era produzido em Dores, então Enforcados,
como anotou em sua “Memória sobre a Capitania de Sergipe”, o então padre,
depois bispo, Marcos Antônio de Souza (1944, p. 36). Apenas a título de
argumentação, a necessidade de escoar as boas safras do algodão dorense, teria
sido, possivelmente, um dos motivos para a expedição da Resolução Provincial,
de 6 de maio de 1872, que conferiu certos privilégios a Campos, Cameron &
Cia., em troca da construção de uma linha férrea, que ligaria o Porto de
Japaratuba a Dores. Mas, tal Resolução seria revogada três anos depois. De
qualquer forma, vê-se que já era pujante a economia dorense calcada no cultivo
e no beneficiamento do algodão de boa qualidade.
Quanto
à instrução, Laudelino disse que a mesma era “dada em todo o Município em seis
escolas”, sendo “duas cadeiras de ensino primário”, na sede da vila (p. 130), e
que seriam aquelas apontadas por Lisboa. As demais estavam em povoados. A sede
da vila contava com “dois açougues públicos” (p. 130). Possivelmente, um deles
se destinava à venda de carne-verde, enquanto o outro era para carne-de-sol.
Aliás,
essa era a tradição da feira da cidade até 1976, quando a venda dos dois tipos
de carnes foi concentrada no Centro de Abastecimento construído na gestão do
prefeito Paulo Garcia Vieira. Esse Centro de Abastecimento, que ainda se
encontra em pleno funcionamento, substituiria, ao mesmo tempo, o então Talho de
Carne Verde, de 1918, construído pelo intendente Álvaro de Souza Brito, e o
Mercado Municipal erguido entre 1920 e 1922, pelo intendente Manoel Joaquim
Soares, pai do Mons. José Curvelo Soares e avó do médico José Augusto Soares
Barreto, fundador, na capital, do Hospital São Lucas.
O
comércio de carne-de-sol, que faz do município de Dores um dos maiores
exportadores do produto para as cidades vizinhas, nos dias de suas respectivas
feiras, é muito antigo. A prova disso é que a Lei 761, de 9 de março de 1866,
que dispunha sobre as posturas municipais, no art. 13, proibia “secar carnes
nas ruas da vila”, além de outros produtos, como “couro e açúcar”, a fim de não
incomodar “o trânsito público, sob pena de multa de 1$000 (um mil réis), e o
duplo na reincidência”.
Ora,
contando-se da data da citada lei para cá, são passados mais de 150 anos. Vale
dizer: no mínimo, é mais de um século e meio de comercialização da
carne-de-sol, sem considerar o provável tempo dessa comercialização, anterior a
1866.
Aliás,
os habitantes de outra cidade sergipana se arvoram em dizer que a sua
carne-de-sol é a melhor do Estado. É provável. Afinal, a de Dores é,
simplesmente, a melhor do mundo. Sou bairrista? Sou. Aliás, quando eu estou
indo de Aracaju para Dores, ao chegar na Santa Cruz, que foi engenho e, depois,
alambique, ao ver a cidade se espalhando sobre um pequeno platô, o céu parece
se abrir.
Cem
anos são passados desde a elevação da vila de Nossa Senhora das Dores à
condição de cidade. Uma cidade que tem crescido, muito mais pela pujança do seu
povo do que por força da ação de algumas de suas autoridades. Isso é fato. As
autoridades municipais, às vezes, têm deixado muito a desejar. Espera-se por
melhores dias. Parabéns à minha cidade e ao seu povo, ao celebrar o centenário
de sua elevação.
*Padre, advogado, professor do Departamento de Direito da Universidade Federal de Sergipe, membro da Academia Sergipana de Letras, Academia Sergipana de Letras Jurídicas, Academia Dorense de Letras, Academia Sergipana de Educação e do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe.
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