José Lima Santana*
1970. O
ano do tricampeonato de futebol. O professor Cerivaldo Pereira dizia-nos que
seria bom ganhar a Copa do Mundo, embora fosse muito preocupante. Para ele, o
governo do presidente Médici aproveitaria a euforia do povo para encobrir mais
prisões e torturas.
Enfim,
concluiríamos o curso ginasial.
Em abril,
uma notícia muito triste para Sergipe e, particularmente, para o diretor do
Ginásio, ou melhor, do Colégio, padre Araújo: a morte de Dom Távora. Mas, a
vida seguiria. O último ano era de muita expectativa. Desde o ano anterior, já
funcionava no Colégio o segundo grau, com o curso pedagógico.
Um ano de
atividades. De questionamentos. Em História Geral, a Revolução Francesa mexeria
comigo. Cheguei, inocente e estupidamente, a pensar em atear fogo ao cartório
do registro imobiliário, para destruir os registros das propriedades rurais. Os
trabalhadores rurais deveriam ter a propriedade das terras.
Estudando
a independência das treze colônias inglesas, que formariam os Estados Unidos da
América, o livro texto, de Souto Maior, dizia assim: “O primeiro presidente dos
Estados Unidos foi George Washington, que teve dois mandatos. O terceiro
presidente Thomas Jefferson, foi o autor da declaração da independência.
Ora, quem
teria sido o segundo presidente dos ianques? Busquei a resposta na biblioteca.
Lá estava. Na Enciclopédia de História das Américas, de Douglas Michalany
(voltei à biblioteca do Colégio para me certificar do nome Michalany), constava
que o segundo presidente foi John Adams.
Eis que,
na sabatina, caiu para mim exatamente essa questão. Pensei que iria abafar na
resposta. Ao dizer que foi John Adams, a professora fez cara de surpresa e
indagou: “Quem”? Eu repeti: John Adams. E ela: “De onde você tirou isso? O
segundo presidente foi Washington”. Santo Deus!
Como
Washington teve dois mandatos, para ela, ele teria sido o primeiro e o segundo
presidente. Ufa! Então, eu falei sobre a minha consulta à biblioteca. Ela riu e
mandou a turma me dar uma vaia. Eu era presidente do Conselho de Classe. Pedi
licença, fui à biblioteca e voltei com o livro, mostrando-lhe a lista dos
presidentes de Washington a Lyndon Johnson. Ela disse que o livro estava
errado.
Eu era um
neguinho tinhoso. Na revista “Realidade” tinha os endereços das embaixadas
sediadas em Brasília. Mandei uma carta à embaixada americana, perguntando quem
tinha sido o segundo presidente dos Estados Unidos. Dias depois, a reposta veio
pelo diretor da Biblioteca Leonard Klein (este nome eu não esqueci) do
Consulado em Salvador, então existente.
A carta-resposta
foi incisiva: “Informamos que o segundo presidente dos Estados Unidos da
América foi John Adams”. Recebi a lista dos presidentes, de Washington a Nixon,
além de vários folhetos sobre a História e a Geografia dos States, em
português. Era a hora da vingança. Na aula seguinte, eu pedi licença à
professora, li a carta e deixei-a sobre a mesa dela. Depois, claro, peguei de
volta. Ela perdeu o compasso. Comigo era assim, não se tirava leite sem espuma.
Na quarta
série, essa mesma professora, que era boa professora, apesar do incidente,
costumava promover o júri simulado de um personagem da História. O escolhido
foi Napoleão Bonaparte. Escolhidos as personagens do júri, eu fiquei como juiz.
John Roberto, como promotor, na acusação. Ocorre que eu me preparei para
acusar. E John não se preparou.
Faltando
dois dias, eu propus permutar as funções com ele. A professora aceitou. O
diretor convidou o juiz de direito, Dr. Jonalter Andrade, e o promotor de
justiça, Dr. Arquibaldo Mendonça, que compareceram. Após uma acusação vibrante,
ganhei o júri por 6 a 1. Dagraça de Paulo Carioca me disse que votou a favor de
Napoleão porque o colega Zezinho de Valda, que o representava, estava muito
triste.
Ao final,
Jonalter e Arquibaldo chamaram-me para dizer que eu deveria fazer Direito, pois
era um advogado nato. Embora, antes, eu pretendesse estudar História, já tinha
me deixado tocar pela mosca do Direito, por causa de um júri ao qual eu assisti
o discurso da defesa, em frente à Prefeitura, onde funcionava o Fórum, no andar
superior, já que, sendo menor de idade, não poderia subir. Fiquei entusiasmado
com a fala do advogado. Achei que poderia ser um sujeito daquele que falava
bastante e com veemência. Assim, o meu destino universitário estava selado.
Nas
tardes de sábado, as aulas terminavam mais cedo. Um grupo de alunos, eu, Ari,
Fernando, Luciano, Tetra (Zé Francisco), às vezes Beto John, Hildeberto ou Zé
Alberto, fazíamos um ligeiro périplo. Íamos ao sítio dos pais de Ari, no Saco
de Caçulo, deliciar-nos com tangerinas, ou às obras da DESO, para a instalação
do sistema de abastecimento d’água etc.
Éramos
muito unidos, especialmente os quatro primeiros. Entre nós, havia um fotógrafo:
Toninho (Antônio Elpídio), que fez muitas fotos da turma. Tínhamos um time de
futebol. Ruim de bola, eu era o técnico. Ficamos em segundo lugar, no torneio
interno.
Das
quatro séries ginasiais, os professores que mais me marcaram foram: Joana Maria
da Silva, Pe. Araújo, Osvanda Maria Oliveira Vieira, Antônia Figueiredo, Maria
Enezilde Vieira e Cerivaldo Pereira. Inesquecíveis.
Como
presente de formatura (naquele tempo fazia-se formatura de conclusão do curso
ginasial), recebemos do ex-governador Lourival Baptista, então candidato ao
Senado, nosso paraninfo, uma visita à hidrelétrica de Paulo Afonso, com
hospedagem na vila militar.
Fomos
também em passeio a Penedo, nas Alagoas. A solenidade de formatura ocorreu na
sede social do Dorense Futebol Clube, que eu viria a presidir, a partir de
abril de 1981, em três mandatos, dois em sequência e um intercalado, quando
construí a nova sede social, que, tempos depois, infelizmente, seria leiloada
pela Justiça do Trabalho, por absoluta irresponsabilidade de dirigentes da
época.
Passada a
eleição, Lourival Baptista foi a Dores, num dia de feira, agradecer pela
votação maciça que obteve. Em frente ao bar de Delson, cercado por uma
multidão, ele disse: “Quando subi no edifício Estado de Sergipe, pude avistar a
minha querida São Cristóvão, mas não avistei a minha querida Dores. Então,
chamei Paulo Barreto e disse-lhe que colocasse mais dois andares. Depois, subi
novamente e pude contemplar esta bela cidade”. Delírio dos presentes. Uma bela
fake de Lourival.
Terminado
o curso ginasial, estávamos preparados para enfrentar o segundo grau. A maior
parte das meninas ficaria no Colégio, no curso pedagógico. Dos meninos, somente
um ficaria. Algumas meninas e quase todos os meninos iriam para Aracaju ou para
o Colégio Agrícola. Eu iria para o Colégio Tiradentes, cursar o científico.
Mas, por um acidente de percurso, acabei no curso técnico em contabilidade.
Mas, aí, é outra história.
*Padre, advogado, professor do Departamento de
Direito da Universidade Federal de Sergipe, membro da Academia Sergipana de
Letras, Academia Sergipana de Letras Jurídicas, Academia Dorense de Letras,
Academia Sergipana de Educação e do Instituto Histórico e Geográfico de
Sergipe.
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