José
Lima Santana*
Como
eu deveria perguntar? Quem é o homem? Ou, o que é o homem? Quero referir-me ao
homem, enquanto sujeito masculino, o macho. Quem ou o que? Talvez os dois
pronomes sejam apropriados, a depender de uns ou de outros. Quero falar do
macho, mas não do machista, do imbecil que se arvora a ser superior à mulher.
Quero
falar sobre os dois gêneros, que, na vida em comum, quando assim ocorre, se
unem, em tese, por laços de desejos e outros sentimentos ou interesses
recíprocos. Desde que saíram das cavernas, homens e mulheres deveriam ter
assumido posições de igualdade no decorrer da vida. Cada qual com os seus
atributos, os seus deveres e os seus direitos. Todavia, em condições de
igualdade.
A
força do macho, lamentavelmente, acabaria prevalecendo para se impor à mulher e
esta, por uma condição estúpida de convencionalismo social, que lhe impôs a
submissão forçada, até mesmo por conduto de várias denominações religiosas,
cristãs ou não, acabaria sucumbindo.
Nisso,
é preciso reconhecer, as religiões erraram. E, muitas delas, para não dizer
todas (vai-se saber!), continuam errando. De forma feia, antiquada, vergonhosa.
O macho tornou-se o senhor da razão. O macho é o esteio. O macho, por assim
dizer, é um semideus. De araque, é bem verdade.
Os
séculos foram se passando e a supremacia do macho foi-se acentuando até esmagar
os direitos da mulher à igualdade que deve ser inerente à condição de ser
humano que ela é, tanto quanto o homem. A desgraça é que o machismo foi
“abençoado” (não fica bem dizer assim!), ou melhor, foi consagrado pela
sociedade, ou pela parte que dela é constituída pelos homens, nas assembleias,
nas convenções, enfim, nas normas, costumeiras ou escritas
O
macho tornou-se o símbolo do poder. E também da desgraça. Na sua sanha
miserável de afirmação e de dominação, o macho achou-se “dono” da mulher,
propriedade “adquirida” de papel passado ou não. Maldita ilusão, que se tornou,
em muitos casos, triste realidade.
Vamos
ao cerne da questão. A imprensa nacional noticiou que no Natal mais cinco
mulheres foram vítimas de feminicídio. Em pleno Natal! Cinco machos, cinco
demônios, para usar uma linguagem dura, mas, talvez, bem apropriada, já que,
pelos Evangelhos, Jesus, cujo nascimento celebramos, expulsou muitos deles,
lograram tirar as vidas de suas companheiras ou ex-companheiras.
Eles
não sabem perder. São tão fracos, ridículos, vermes, que não sabem perder
aquelas que deveriam ter conquistado com ternura, compreensão, respeito etc.
Chega o dia em que elas não suportam mais. Nem devem suportar. E eles não suportam
perder o que não souberam ter, sem o sentido de posse e de propriedade.
Estamos
entrando no início da terceira década do século XXI. E os machos ainda andam à
solta, cometendo suas diabruras. Continuam se reproduzindo como se saídos de
ovos de serpentes. Malditos sejam! O que fazer? Como fazer? Endurecer as leis,
como propõem algumas pessoas e entidades, pode ser um caminho.
Mas,
só isso não basta. É pouco, é muito pouco. A ação deve ser muito mais ampla e
muito mais eficaz. Ao editar-se a Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006),
pensava-se que os casos de violência contra as mulheres haveriam de diminuir.
Ledo engano. Os machos se multiplicam como ervas daninhas. E deveras o são.
Há
pouco mais de cinco anos, entrou em vigor a Lei do feminicídio (Lei nº 13.104,
de 9 de março de 2015), tratando do assassinato de mulheres por serem mulheres.
Essa lei considera feminicídio quando o assassinato envolve violência doméstica
e familiar, menosprezo ou discriminação à condição de mulher da vítima.
A
nova legislação alterou o já decrépito Código Penal (Decreto-Lei nº 2.848/1940)
e estabeleceu o feminicídio como circunstância qualificadora do crime de
homicídio. Também modificou a Lei de Crimes Hediondos (Lei nº 8.072/1990), para
incluir o feminicídio na lista.
Então,
o crime de homicídio simples (art. 121, do CP) tem pena de 6 a 20 anos de
prisão, e o de feminicídio, igualado ao homicídio qualificado, pena de 12 a 30
anos de prisão. Mas, apesar da legislação, o número de feminicídios tem seguido
o caminho contrário de homicídios dolosos e roubos seguidos de morte, que
diminuíram no ano passado.
Um
levantamento feito pelo jornal Folha de São Paulo mostrou que, em 2019, houve
1.310 assassinatos decorrentes de violência doméstica ou motivados pela
condição de gênero, características do feminicídio. Foi uma alta de 7,2 % em
relação a 2018 (Fonte: Agência Câmara de Notícias, 09/03/2020). Cerca de duas
mil crianças, adolescentes e jovens ficaram órfãos.
Em
2020, a situação não melhorou. A legislação vem, claro, se aprimorando, em
defesa da mulher, mas é preciso fazer muito mais. Deve entrar em cena o
processo educativo desde a mais tenra idade das pessoas, especialmente dos
meninos. Faz-se necessário formar uma nova geração de homens conscientes da sua
posição como HOMENS, e não como machos endiabrados.
Não
se trata de “efeminizar” os meninos, como podem pensar alguns “educadores”,
políticos e líderes religiosos malucos, mas, de dar-lhes a devida consciência
do valor da mulher, igual ao valor do homem em todos os aspectos, enquanto
seres humanos. Ela ao lado dele, e não atrás, acabando com aquela máxima
velhaca e ultrapassada, que apregoa que “atrás de um grande homem, há sempre
uma grande mulher”.
Não!
Atrás, não, mas, sim, ao lado. E somente assim poderemos construir uma nova
sociedade, na qual a mulher nunca mais possa ser tida como objeto,
“propriedade” do homem. Mulher e homem são sujeitos, jamais objetos. Faz-se
preciso também dotar a sociedade de aparelhamentos policiais e judiciais
eficientes e eficazes, incluindo mudança de mentalidade de certas autoridades
desses dois setores, para cuidarem de forma mais firme da proteção à mulher,
que, muitas vezes, além de se verem acuadas em casa, perseguidas nas ruas e
noutros ambientes pelos companheiros ou ex-companheiros, ainda têm de enfrentar
o descaso ou a humilhação em delegacias e fóruns, que é o que se tem visto,
inclusive recentemente, como ocorreu em São Paulo, quando um magistrado
despreparado, numa audiência em segredo de justiça, que, contudo, vazou, disse:
“Se tem lei Maria da Penha, eu não tô nem aí. Uma coisa eu aprendi na vida de
juiz: ninguém agride ninguém de graça”.
Bem.
Não se trata de um magistrado, na essência da palavra. Infelizmente, trata-se
de um idiota com todo respeito. Ou sem respeito. Que um dia, não tardio, todos
possam compreender que o homem que, verdadeiramente, é HOMEM, não precisa nem
deve ser “machão”. Deve, tão somente, ser HOMEM. Na essência da palavra.
*Padre, advogado, professor do Departamento de Direito da Universidade Federal de Sergipe, membro da Academia Sergipana de Letras, Academia Sergipana de Letras Jurídicas, Academia Dorense de Letras, Academia Sergipana de Educação e do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe.
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