quinta-feira, 25 de março de 2021

SOBRE A REALIDADE DAS COISAS


  

 

José Fernandes de Lima*

 

 

Ao sermos colocados diante de certos fenômenos naturais, somos provocados para descobrir se tais coisas são reais ou não.

Uma forma abreviada de buscar essa solução é aquela definida nos dicionários quando afirmam que realidade é tudo que existe e que nós consideramos existentes aquelas coisas que podem ser percebidas pelos nossos sentidos.

Isso corresponde dizer que a caneta com que estou escrevendo é real porque pode ser detectada pelos meus sentidos, o barulho do automóvel, a luz proveniente da lâmpada e o cheiro do café também são reais porque podem ser detectados pelos meus sentidos.

O aparato sensorial de cada pessoa pode traduzir de formas diferentes os estímulos recebidos do exterior, de modo a permitir que pessoas diferentes tenham percepções distintas sobre os mesmos estímulos recebidos. A nossa percepção pode não identificar o mundo exterior exatamente como ele é na realidade e sim da forma como é traduzido pelos nossos sentidos. Esse fato, porém, não altera a realidade dos objetos que deram origem aos estímulos.

Em geral, a realidade é mais complexa do que nós podemos perceber a olho nu. Há situações nas quais os nossos sentidos apresentam limitações para detectar as coisas. Por isso, quando falamos em constatar com os nossos sentidos, estamos considerando também a possibilidade do uso de instrumentos capazes de ampliar os mesmos, como é o caso do microscópio, que nos permite enxergar objetos muito pequenos e o caso do telescópio, que nos permite ver objetos muito distantes. O que nos autoriza fazer uso desses instrumentos para dizer se uma coisa existe ou não é o fato de conhecermos o seu funcionamento.

A realidade adotada pela ciência é mais ampla do que aquela que constatamos diretamente com os instrumentos. Inclui também coisas que nós ainda não temos capacidade de detectar e compreender.

Quando os nossos sentidos, mesmo auxiliados por instrumentos, não são capazes de decidir se uma coisa é real ou não, nós adotamos o recurso do modelo.

Diante da impossibilidade de medir ou de verificar diretamente, nós criamos o modelo do que poderia estar acontecendo e efetuamos testes para ver se as coisas acontecem como previsto pelo modelo. Imaginamos o que poderia estar acontecendo e em seguida verificamos se acontece na prática. O modelo pode ser um desenho, uma imagem, um simples cálculo matemático ou uma grande simulação computacional.

Imaginamos o modelo e predizemos o que teríamos de ver com os nossos sentidos se o modelo estiver correto e, por último, verificamos se as predições estão certas ou erradas. Se estiverem certas, a nossa confiança de que o modelo representa a realidade aumenta. Se as previsões falharem, nós rejeitamos o modelo ou modificamos o mesmo e fazemos novas tentativas.

É essa metodologia que permite a contínua ampliação do conhecimento. Em outras palavras, o fato de determinadas coisas serem hoje desconhecidas não significa que não possam vir a ser compreendidas no futuro.

Antes de prosseguirmos, aproveito para informar que o tema trazido acima está tratado com maestria no livro de Richard Dawkins, denominado A Magia da Realidade, que recomendo fortemente.

Há pessoas que, diante de coisas desconhecidas, preferem apelar para as explicações sobrenaturais. As explicações sobrenaturais são incisivas e não admitem contestação. Dizer que uma coisa é sobrenatural é mais do que dizer que ela não tem explicação, equivale a dizer que tal explicação jamais acontecerá.

Essa pode não ser a melhor opção, porque muitas coisas que no passado foram atribuídas ao sobrenatural, hoje, têm explicações científicas que podemos compreender e nas quais podemos confiar.

O modelo de raciocínio utilizado pelos cientistas para definição da realidade não é o único possível, mas foi através dele que nós obtivemos um grande avanço do conhecimento.

Além de facilitar a ampliação dos conhecimentos, a prática de confrontar as nossas primeiras impressões com a realidade dos fatos pode ser recomendada para melhorar o relacionamento das pessoas e para evitar muitas discussões sem propósito que verificamos nas redes sociais.

 

 

*Físico, doutor em Física, educador, presidente da Associação Sergipana de Ciência e membro da Academia Sergipana de Educação.

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