quarta-feira, 26 de maio de 2021

SOBRE A SINA DO BEIJA-FLOR


  

 

José Fernandes de Lima*

 

 

Nos últimos dias, eu tenho observado um beija-flor que visita, diariamente, a varanda do meu apartamento. Ele passa de manhã, bebe um pouco de néctar e vai embora. Quando eu menos espero, ele aparece novamente, bebe um pouco mais e continua seu caminho. Além de me deixar feliz, as visitas também me deixaram curioso para saber um pouco mais sobre o personagem.

Há um monte de teorias sobre o significado da visita de um beija-flor. Alguns afirmam que tal visita traz sorte e mensagens de amor. Um bom exemplo desse entendimento é a música de Vital Farias, que inicia dizendo: Não se admire se um dia/ um beija-flor invadir/ a porta da sua casa/ lhe der um beijo e partir/ fui eu que mandei um beijo/ ........

Da curiosidade musical, embarquei nos problemas existenciais e perguntei: o que será que ele faz quando sai daqui? A resposta para essa pergunta só foi possível depois de passar por algumas informações interessantes que envolvem o conhecimento científico.

Encontrei que o beija-flor é uma ave originária das Américas. É da família dos Trochilidea. Existem muitas espécies de beija-flores. Somente no Brasil existem mais de 80 espécies. Uma das mais conhecidas é o beija-flor tesoura que tem a cabeça e o peito azulados.

A cor dos beija-flores desempenha um papel muito importante na comunicação entre eles.  Determinadas cores indicam um diferencial competitivo para efeito de acasalamento. Algumas cores são devidas aos pigmentos e outras são devidas à iridescência. A iridescência é o fenômeno ótico que faz com que certas superfícies reflitam determinadas cores.

É semelhante ao que acontece nas bolhas de sabão e nas manchas de óleo. A iridescência é popularmente conhecida como furta-cor. No caso do beija-flor, as cores que mais se destacam são o verde e o azul. A depender do ângulo que você olhe, ele parece mais verde ou mais azul.

A resposta para o que faz o beija-flor depois que sai da minha casa está relacionada com as suas características físicas e fisiológicas. Em geral, o beija-flor pesa de 2 a 6 gramas e mede de 6 a 12 centímetros. Ele é uma ave singular no sentido que é a única que consegue ficar parada no ar. Consegue voar para cima, para baixo e até de marcha ré.

Na década de 1970, havia um jogador de futebol, bom cabeceador, que dizia que somente três coisas conseguiam parar no ar: o beija-flor, ele e o helicóptero. O beija-flor só consegue ficar parado no ar porque tem uma estrutura física especial. Tem asas grandes, tem um coração grande e tem um mecanismo acelerado.

A frequência do bater das asas do beija-flor chega a 80 batimentos por segundo. Isso significa dizer que muitas câmaras de filmagem (dessas que captam 30 quadros por segundo) não conseguem acompanhar tal movimento. Além de ser bonito, saber voar pra frente e pra traz, o beija-flor foi contemplado com um coração bem grande e bem forte. O coração do beija-flor é proporcionalmente 10 vezes maior do que o nosso.

Em outras palavras, ele tem um motor proporcionalmente mais potente do que o nosso. O coração do beija-flor pode realizar mais de 1000 batimentos por minuto. Esses batimentos por minuto podem ser reduzidos para 600 quando ele está pousado num galho. Em resumo, o beija-flor é uma máquina potentíssima. Mas é aí que vem a maldição. Para manter essa máquina toda, ele necessita de muita energia.

Necessita comer muito. Ele chega a comer até 8 vezes o seu peso por dia. E, para comer, ele tem que voar de flor em flor. É por isso que ele passa o dia inteiro voando de flor em flor. Porque é nas flores que ele encontra o néctar, rico em açucares, e encontra também alguns mosquitos e pequenas aranhas para completar o cardápio.

O leitor deve estar se perguntando o que é que ele faz durante a noite. De noite, ele baixa enormemente a frequência cardíaca para algo em torno de 50 batidas por minuto. Isso faz com que ele entre num estado de torpor, uma espécie de hibernação que o mantém vivo sem precisar comer. 

Agora que eu descobri o que ele faz depois que passa na minha casa, fiquei na dúvida se essa história de voar o dia inteiro procurando comida é uma dádiva ou é uma sina.

 

 

*Professor Emérito da UFS, Presidente da Associação Sergipana de Ciência, membro da Academia Sergipana de Educação.

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