terça-feira, 27 de julho de 2021

PÓDIO GARANTIDO


  

 

Antônio Carlos Sobral Sousa*

 

 

Teve início o maior evento esportivo do planeta, os Jogos Olímpicos, cuja origem remonta a antiga Hélade, em 776 a.C. Após séculos de esquecimento, as Olimpíadas voltaram a acontecer, em sua versão moderna, em 1896, na cidade de Atenas, por ação do francês, Barão de Coubertin. Segundo o seu idealizador, o conclave serviria para promover a paz entre as nações.

Os Estados Unidos lideram o ranking com 2.522 medalhas, enquanto o Brasil ocupa a 36ª posição, refletindo, seguramente, a falta de incentivos à prática desportiva, exceto o futebol. Enquanto os nossos atletas se esmeram para, no outro lado do mundo, melhorar a nossa classificação olímpica, por aqui, o Brasil já alcançou o desconfortável 2º lugar de mortalidade global causada pela Covid-19.

Já foi superada a constrangedora marca dos 550.000 óbitos, índice conseguido, até então, apenas pelos estadunidenses, nesta iníqua Olimpíada promovida pelo SARS-Cov-2. A adoção, por parte do novo mandatário americano, de uma política de enfrentamento da virose, embasada na Ciência, que prioriza vacinação em massa da população, tem proporcionado, além da redução drástica do número de infectados e de casos fatais, o retorno ao convívio comunitário de várias localidades.

Em contraste, o nosso País contabiliza um número elevado de vidas perdidas, frequentemente de jovens, para o pedágio desta nefasta virose. Reflexo da vacinação completa ainda incipiente, incentivada pela política negacionista e do evidente desleixo das medidas de proteção.

Ressalte-se, também, que a virulenta variante Delta, já começa a pontificar em várias localidades. Não nos valeu, por certo, a experiência imposta por este impiedoso inimigo invisível que continua sendo, visivelmente, desrespeitado por muitos, Brasil afora. Os olhos da imaginação contemplam, fielmente, o quadro em que se debuxam, indeléveis, os lances da luta extenua empreendida pelos destemidos profissionais de saúde.

Espera-se que este prélio sirva de inspiração para que a energia gasta na conturbada disputa política que se avizinha, seja canalizada para salvar vidas e não para angariar votos. Caso contrário, subiremos, em breve, ao ponto mais alto do pódio de vítimas da Covid-19.

 

 

* Antônio Carlos Sobral Sousa Professor Titular da UFS e Membro das Academias Sergipanas de Medicina, de Letras e de Educação.

domingo, 25 de julho de 2021

POLÊMICAS EM DORES

 

 

José Lima Santana*

 

 

Muitas vezes, o que é profundamente lamentável, as atividades econômicas entram em rota de colisão com as atividades culturais, quando, ao contrário, deveriam convergir para o mesmo objetivo: o progresso e o desenvolvimento. E, obviamente, servindo, ambas, à afirmação da cidadania e da dignidade da pessoa humana, num processo dinâmico e dialético, aureolado pela solidariedade.

Todavia, o que é ainda mais lamentável, dizer essas coisas a certas pessoas soa como sacrilégio, quando se sabe que sacrilégio mesmo é a falta de compreensão de certas pessoas. Pois bem.

Na minha cidade de origem, berço amado, Nossa Senhora das Dores, antes nominada como Enforcados, Tapera dos Enforcados e Nossa Senhora das Dores dos Enforcados, tem-se criado, ultimamente, uma polêmica em torno do dia 11 de junho, data verdadeira e precisa da sua emancipação política, quando, nesse dia, em 1859, foi criado o Município de Nossa Senhora das Dores, com a elevação da povoação à categoria de Vila, como era costume fazer-se desde Portugal.

Lembrando que, pelas normas legais do Reino, e, depois, do Império, o Município recém-criado tinha por sede uma Vila ou uma Cidade. Quando era Vila, com o tempo, esta era elevada à categoria de Cidade. Mas, o Município não nascia nessa elevação, mas, sim, lá atrás.

Em termos políticos-administrativos, a elevação da Vila à condição de Cidade, não mudava nada. Continuavam as mesmas condições: a Câmara Municipal legislando, a Intendência (Prefeitura Municipal) administrando e por aí afora. Nada mudava. Apenas o aglomerado urbano principal do Município, ou seja, a Vila, virava Cidade. Isso deve ser entendido, por todos os setores da vida política, econômica, social, cultural etc. das nossas comunidades.

Eu já escrevi um artigo sobre essa situação, envolvendo a criação dos Municípios, e já proferi algumas palestras sobre o tema. A polêmica, hoje, em Dores, segundo me consta (se eu estiver errado, peço desculpas), parece decorrer do desejo de alguns setores produtivos, notadamente do comércio local, ou de parte dele, para tentar eliminar o feriado municipal do dia 11 de junho, data magna do Município, ou seja, como dito acima, data da emancipação de Nossa Senhora das Dores, que se separou administrativamente de Capela, dali saindo a povoação central e parte do território, e de Divina Pastora, de onde saiu a outra parte do território.

Qual a razão do descontentamento desses setores? É que o dia 11 de junho antecede o dia 12, dia dos namorados, e, portanto, setores do comércio acham que esse feriado, caindo, assim, nesse dia, prejudica as vendas. Puxa vida! Que mentalidade tacanha, com todo o respeito.

Se é isso, é muita bobagem, com as minhas desculpas, novamente. Vejamos: algum namorado ou namorada deixará de presentear o ente querido só porque o dia 11 de junho é feriado? Não comprará no dia 10, 9, 8... Ou vai sair de Dores para comprar em Siriri, Cumbe, Capela, três cidades vizinhas com as quais mantemos relações comerciais e sociais da maior qualificação?

Enfim, o próprio dia 12 de junho não é feriado. As compras não são feitas nesse dia? Somente se compra no dia 11? Desculpas peço pela terceira vez, mas, isso é patético. Mais ainda, é ridículo!

Por favor, anotem as cidades sergipanas onde, neste ano, o dia 11 de junho foi feriado, conforme calendário do Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe: Japaratuba (Emancipação Política); Laranjeiras (Padroeiro); Monte Alegre (Padroeiro); Nossa Senhora das Dores (Emancipação Política); Riachuelo (Batalha Naval de Riachuelo). Todas as outras cidades irão, doravante, mudar o seu feriado porque antecede o dia dos namorados?

E em Simão Dias (Emancipação Política) é 12/06, dia dos namorados. Vai mudar? Decerto que não. Todas essas cidades devem saber respeitar e preservar a sua história e a sua memória. Em Dores, estupidamente, alguns querem mudar. Absurdo!

Muito bem. Quero, agora, voltar-me para outro assunto, que, todavia, é correlato. Primeiro, quero enfatizar as pesquisas, o trabalho e as publicações do chamado “Grupo Memórias”, com o qual eu tenho colaborado, com muita satisfação, e que deu origem à Academia Dorense de Letras, da qual faço parte, nessa profusão de Agremiações Literárias que, nos últimos anos, se espalharam pelas cidades sergipanas com grande êxito. Felizmente.

Foi a partir desse Grupo que acabou sendo modelado o dia 11 de junho como o da emancipação municipal, corretamente, e não o dia 23 de outubro, data em que, em 1920, foi elevada a Vila à categoria de Cidade, sem ensejar a emancipação, feita em 1859. Ficou o dia 23 de outubro, também feriado, como o dia da Dorensinidade.

O “Grupo Memórias”, a própria Academia Dorense de Letras e outros segmentos culturais que vão se assentando na cidade, como o GEEL (Grupo Enforcadense de Escritores e Leitores), e tantos outros que possam vir, são instituições que têm honrado a comunidade dorense.

Contudo, o que também é lamentável, há pessoas na cidade que desdenham dessas instituições culturais, que têm prestado serviços relevantes à história, à memória e à cultura da nossa terra. Somente as mentes medíocres não reconhecem isso. E elas estão, inclusive, em setores da própria administração pública municipal, de ontem e de hoje.

É triste constatar isso. Eu fiz parte, como secretário municipal ou como advogado contratado, de cinco gestões municipais, em Dores. Sei de secretários e secretárias que desdenharam das instituições culturais. Cabeças ocas, almas pequenas. Ora, todo mundo em Dores sabe que eu não meço palavras para dizer o que é preciso dizer.

E não é por ser padre, advogado, professor, escritor, nada disso. É tão somente por ser cidadão dorense, nascido, criado e residente em Dores (embora com atividades na capital, desde 1987).

Eu almejo que as pessoas assentem suas consciências para o que pode e deve elevar as condições gerais da nossa cidade e da nossa gente. Cada segmento, claro, defende seus interesses. Ocorre que alguns desses interesses nem sempre são coletivos. E o que deve mesmo importar é que os interesses possam alcançar o bem comum.

Como bem disse o jurista Miguel Reale, “o bem comum não é a soma do bem de um com o bem de outro, mas, sim, a conjugação harmônica do bem de cada um com o bem de todos”. Por fim, espero que as autoridades municipais da minha terra, no Legislativo e no Executivo, possam estar imbuídas do que representa o dia 11 de junho para nós. Provavelmente, publicarei outros artigos sobre esse tema, a depender, claro, do desenrolar dos fatos. Aguardem.

 

 

*Padre, advogado, professor do Departamento de Direito da Universidade Federal de Sergipe, membro da Academia Sergipana de Letras, Academia Sergipana de Letras Jurídicas, Academia Dorense de Letras, Academia Sergipana de Educação e do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe.
 

CIÊNCIA É A LUZ QUE GUIA OU A QUE ILUMINA?


  

 

Antônio Carlos Sobral Sousa*

 

 

Nos tempos atuais de Pandemia, é comum se dizer, equivocadamente, que o médico “Deve seguir a Ciência”! Embora pareça correta, esta expressão não traduz, verdadeiramente, a natureza do conhecimento científico. Recentemente, Prof. Luís Cláudio, do Blog Medicina Baseada em Evidências se valeu de uma engenhosa metáfora, para diferenciar, harmonicamente, ciência de decisão médica.

Segundo ele, ciência não é uma luz a ser seguida na escuridão da ignorância. Na verdade, a Ciência ilumina o nosso caminho para que possamos tomar a melhor decisão, considerando fatores, nuanças e racionalidade. Assim, as pesquisas científicas geram evidências ou fatos, que podem ser probabilísticos. A qualidade destes fatos, por sua vez, deve ser analisada mediante a clarividência da Ciência.

As descobertas e inovações, geradas por pesquisadores, resultam em benefícios para a continuada melhoria de vida da humanidade. Todos os âmbitos e esferas sociais têm progredido com o amparo da Ciência. Temos testemunhado os nítidos benefícios que as vacinas têm proporcionado no enfrentamento à Covid-19, fruto do intercâmbio de informações entre pesquisadores, sem precedência na história da Medicina.

Ao exercitar o raciocínio clínico, o médico deve se basear nas evidências científicas para tomar a decisão, considerando as características do indivíduo, as consequências não intencionais da conduta e os valores e preferências do paciente. Evidência diz respeito a fatos, enquanto a decisão reflete a opinião do profissional.

Portanto, nestes tempos difíceis, é pueril a discussão polarizada de fatos! Já dizia o confrade, da Academia Sergipana de Letras, João Alves Filho: “Contra Fatos, Não Há Argumentos!” Devemos promover discussões civilizadas e racionais das evidências, em prol do bem comum!

Finalizo, parafraseando o clínico, o professor, o educador, o pesquisador, o historiador e o humanista canadense, com reconhecida atividade nos Estados Unidos e na Inglaterra, Sir Wiliam Osler: “Medicina é uma Ciência de Incerteza e uma Arte de Probabilidade”.

 

 

* Professor Titular da UFS e Membro das Academias Sergipanas de Medicina, de Letras e de Educação.

domingo, 11 de julho de 2021

OS SUCOS DETOX SÃO BENÉFICOS?


  

 

Antônio Carlos Sobral Sousa*

 

 

Os sucos verdes, também conhecidos como “detox”, têm se popularizado como um veículo promotor de saúde, por se tratar de alimentos aparentemente saudáveis, já que são incluídos, em sua composição, ingredientes como vegetais e frutas. O grande sucesso atingido por tais produtos se deve, provavelmente, mais à perda de peso corporal por ele promovida, do que à sua capacidade desintoxicante. Portanto, com frequência, esses sucos são indicados como substitutos de refeições. Muitos acreditam, também, que esses produtos estimulem a imunidade, o que seria mais um atrativo para a sua utilização, em tempos de Pandemia.

Todavia, as referidas propriedades benéficas dos sucos verdes não são cientificamente sustentadas, por diversas razões: perda de elementos saudáveis das frutas e verduras in natura, como fibras, no processo de confecção dos sucos; falta de uniformidade, tanto qualitativa como quantitativa, da composição desses produtos, dificultando, inclusive, a realização de pesquisas científicas adequadas para testar as suas propagadas vantagens; só devem ser comercializados sob a forma pasteurizada e, geralmente, são pobres tanto em calorias como em macronutrientes, como proteínas e carboidratos, inviabilizando o seu uso como adequado substituto de refeições.

Portanto, não existem medicamentos ou produtos mágicos, que promovam, sozinhos, a saúde almejada. Esta deve ser conseguida de forma racional e equilibrada com hidratação satisfatória, com uma dieta rica em frutas e verduras e com quantidades adequadas de proteínas, carboidratos e gordura, além da prática, regular, de exercício físico.

Os sucos detox podem, inclusive, fazer parte do cardápio rotineiro, sobretudo para aqueles que não gostam de ingerir frutas e vegetais, desde que sejam vistos como alimento e não como medicamento.

Lembre-se que se você não é afetivo consigo próprio, não será efetivo na condução de sua saúde.

 

 

*Professor Titular da UFS e Membro das Academias Sergipanas de Medicina, de Letras e de Educação.

sexta-feira, 9 de julho de 2021

TOLERÂNCIA RELIGIOSA




  

 

José Lima Santana*

 

 

Um dilúvio de proporções talvez iguais àquele que a Bíblia narra, o do tempo de Noé. Chuva, chuva, chuva. Cinco semanas de chuvas torrenciais. Trovões estrondando por tudo que era canto e relâmpagos em tenebrosa festa, riscando os céus como serpentes de fogo em luta. Raios? Caíram muitos.

No Boqueirão, no Lajeado, nas Forquilhas, no Zabelê, na Matinha dos Afonsos, na Mata Escura e no Jenipapo. Até aquela manhã, eram essas as localidades nas quais se sabia das ocorrências de raios caídos. Muitas cabeças de gado bovino queimadas. Vítimas humanas somente duas, mas, graças a Deus, não fatais. Dois meninos que jogavam bola num descampado, lá para as bandas do Corno Sabido. Escaparam por milagre de Deus, na primeira pancada d’água.

As orações não pareciam dar resultado. Pouca fé dos religiosos? Podia ser. Porém, podia também não ser. Sabia-se lá! Beatas, devotos, crentes na Palavra, mulheres de véu na cabeça, outras de vestidos abaixo dos joelhos, conforme fosse o credo, atabaques batendo fora de hora, tudo isso, e muito mais, para aplacar a fúria dos céus.

Cada credo religioso fazia o que entendia fazer em termos de orações e súplicas. Nada. O mundo estava prestes a sucumbir. Não havia uma arca como a de Noé, para a salvação de alguns. Nem mesmo de oito, como os de Noé. Os riachos subiram a uma altura desmedida. Água cobrindo as árvores mais altas. Povoados inteiros submersos. A cidade também. Casas sumiram, desmancharam-se como castelos de areia.

O prefeito Zé Matoso foi visto descendo a rua principal, atracado ao cofre da Prefeitura, numa canoa, sendo levado pela correnteza. Cofres não afundam? Aquele pareceu que não. Afinal, a canoa era fornida. Theodomiro Barbosa, agiota, viu as notas promissórias dos seus devedores sumirem como por encanto.

As águas pareciam querer acertar muitas contas. O comércio local foi para as cucuias. Não restou nada para vender e comprar. Os arremedos de bancos das duas pracinhas nunca mais seriam vistos. O calçamento de pedra bruta – ainda não era o tempo dos paralelepípedos – daria, mais tarde, lugar ao lamaçal.

A cidade virou de ponta-cabeça. No cemitério, restos de defuntos lutavam para se erguer. Mas, eram apenas restos. Não haveria mais cemitério. Não ali. Tudo esburacado. As covas rasas se abriram em pequenas crateras. Os toscos mausoléus desabaram ou entortaram. O campo santo virou um ossuário a céu aberto.

A cidade estava ilhada. Outras cidades também. Num raio de vinte léguas em quadra, a destruição era absurda. Não dava para contar as mortes. Não seriam poucas. Os prejuízos eram incalculáveis. As trovoadas tinham se concentrado naquela região. Parecia um castigo.

Dona Amelinha de João do Rio das Paridas sugeriu ao padre João Maurício, de quem era vizinha, parede e meia, que ele se juntasse ao pastor Ananias e ao pai-de-santo Tonho de Totoinho da Baixa do Sapo, para uma oração conjunta, cada qual na sua fé, mas todos com o mesmo intento. Afinal, Deus devia ser um só, embora o povo quisesse que Ele fosse muitos.

O padre recusou a sugestão. Ora, onde se tinha visto um padre se juntar a um desses desviados da Santa Igreja e, pior ainda, a um daqueles de despachos nas encruzilhadas, coisas do demo? “Dona Amelinha, a senhora precisa de confissão! O tinhoso está lhe tentando”, disse o padre ao pé do muro que separava os dois quintais.

As chuvas continuaram e a destruição também. Tinha horas que o céu parecia uma fornalha. Abria-se em fogo. Os trovões ribombavam como se uma guerra nos céus fosse travada entre as coortes divinas e diabólicas. Era como se o anjo decaído estivesse novamente revoltoso contra o Criador.

O povo começava a passar fome. Os estoques de mantimentos dos armazéns de Dona Cida, de Geraldo de Cantidiano e de Roque da Peixaria estavam a zero. As mães que amamentavam já não tinham o que dar aos filhos, que sugavam peitos secos. Choro e mortes.

Dona Amelinha continuou a infernizar a vida do padre. “Ou junta todo mundo de religião diferente, ou vai tudo se acabar”. Depois de muito matutar e orar, pedindo iluminação ao Santo Espírito, o padre não sabia se deveria ou não ouvir a sugestão da beata, sua vizinha. Não tinha como consultar o senhor bispo.

Juntar-se ao pastor e ao pai-de-santo não seria pecado? Não seria ele passível de punição canônica? Ou Deus seria servido com a junção de forças espirituais tão diversas, mas tudo para o bem comum? Incertezas. Inquietações. Temores.

Início da tarde de sábado, já na sétima semana de dilúvio. O padre conseguira mandar recados para o pastor Ananias e para Totonho de Totoinho, o pai-de-santo da Baixa do Sapo. Em princípio, os dois relutaram, cada um com os seus motivos, ou sem eles. Depois, cederam.

No fim da tarde, ambos chegaram à casa paroquial, um depois do outro, os dois desconfiados e molhados como pintos, embora tivessem procurado se proteger. Mas, a chuva era grossa, de encher um copo com um simples pingo. O padre João Maurício lhes disse da sugestão de Dona Amelinha. “É possível que, juntos, elevando nossos rogos ao Altíssimo, Ele nos possa ouvir. Afinal, estaremos sem divisões e sem malquerenças. É o que Deus quer dos homens”.

O pastor hesitou por um átimo, mas concordou. Totoinho fitou os dois com olhos duros, surrado que era por ambos em suas prédicas. Porém, diante do quadro de grande aflição do povo todo, também aquiesceu. Por sugestão do padre, os três se ajoelharam e deram-se as mãos, que tremiam.

Cada um, de início, fez a sua prece. Depois, começando pelo padre, cada um deles fez uma oração cadenciada, repetida pelos demais. Permaneceram de joelhos. Mãos dadas. Silêncio. O sino da Matriz soou as badaladas da Ave Maria. O sacristão Tito Perneta morava ao lado da igreja. Não deixou de badalar o sino nenhum dia, naquela hora, enfrentando em poucos metros de distância o furor das chuvas. Um trovão, pai de todos os outros, pareceu ter partido ao meio a abobada celeste. Foi um estrondo pavoroso.

De chofre, a chuva cessou. Era chegado o tempo de cuidar dos estragos e continuar a vida. Nunca mais, os três líderes espirituais de Cacimbinhas deram-se as costas. Se não se tornaram amigos, ao menos passaram a se respeitar.

 

 

*Padre, advogado, professor do Departamento de Direito da Universidade Federal de Sergipe, membro da Academia Sergipana de Letras, Academia Sergipana de Letras Jurídicas, Academia Dorense de Letras, Academia Sergipana de Educação e do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe.

BOTARAM SAL NO DOCE DO GOVERNADOR

PÓ DE SOVACO DE MORCEGO

      José Lima Santana*     Zé Calango esbravejou diante do prefeito: “O que é que você pensa, seu cabeça de vento? Que o povo é ...