domingo, 5 de dezembro de 2021

AUTOAFERIÇÃO NÃO ORIENTADA DA PRESSÃO ARTERIAL


  

 

Antônio Carlos Sobral Sousa*

Glessiane de Oliveira Almeida**

 

 

Segundo a Organização Mundial da Saúde, a hipertensão arterial sistêmica (HAS) constitui o principal fator de risco, modificável, para as doenças cardiovasculares, para a doença renal crônica e para a morte precoce. Além disso, ela produz impacto, significativo, nos custos médicos e socioeconômicos, em consequência das suas complicações fatais e não fatais.

Estima-se que mais de 30% da população adulta brasileira seja portadora de HAS, a qual está associada à ocorrência do infarto agudo do miocárdio e, sobretudo, do acidente vascular cerebral (derrame). Por ser uma doença crônica, não transmissível, e, preponderantemente assintomática, ela costuma evoluir com alterações estruturais e/ou funcionais em órgãos-alvo, como coração, cérebro, rins e vasos, daí ser, também, conhecida como “assassina silenciosa”.

O diagnóstico da HAS deve ser feito mediante a aferição da pressão arterial (PA), mediante um aparelho (esfigmomanômetro) calibrado e observando-se as regras estabelecidas pela Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC). Vale ressaltar que esta medida convencional, realizada no consultório, serve de base para todos os dados epidemiológicos e clínicos, sobre a doença, disponíveis atualmente.

Eventualmente, pode ser necessário recorrer à medida da PA fora do consultório, por meio de duas técnicas padronizadas, a MAPA (Monitorização Ambulatorial da PA) e a MRPA (Monitorização Residencial da PA), as quais não devem ser confundidas com a AMPA (Automedida da PA). Esta última metodologia é realizada, geralmente, com equipamento automático do próprio paciente, não obedecendo a nenhum protocolo preestabelecido e as medidas são feitas aleatoriamente e por decisão própria.

Tem sido demonstrada a eficácia do tratamento na redução da morbimortalidade da HAS, mediante mudanças no estilo de vida (dieta rica em frutas, verduras, grãos e com baixo teor de sal e de gordura saturada; controle do peso e atividade física regular de aproximadamente 30 min. cinco vezes por semana) e o uso de medicamentos, que são bem tolerados, têm pouco efeitos adversos e, são, também, disponíveis para os usuários do Sistema Único de Saúde (SUS).

Todavia, um estudo nacional (doi.org/10.1155/2017/1274168), realizado na atenção primária à saúde demonstrou que a taxa de controle da HAS variou de 43,7% a 67%. São várias as razões para a falta de controle dos hipertensos, sendo a falta de adesão à terapêutica instituída, seguramente, o elemento de maior influência neste cenário. Como uma das estratégias para aumentar a adesão ao tratamento anti-hipertensivo, a última versão das Diretrizes Brasileiras de HAS da SBC (doi.org/10.36660/abc.20201238), recomenda a utilização autoaferição da PA.

Apesar de atraente, pela facilidade de aquisição dos aparelhos (sobretudo os digitais) e das realizações das medidas, a AMPA apresenta uma série de limitações, tais como: falta de calibração e qualidade insatisfatória de alguns instrumentos; metodologia de aferição da PA não padronizada; interferência de situações estressantes, momentâneas, vivenciadas pelo paciente, dentre outras.

Portanto, não existe uniformidade na literatura, quanto ao real benefício deste método em incrementar a adesão ao tratamento anti-hipertensivo. Tem sido sugerido, também, que a utilização da AMPA é mais comum em hipertensos ansiosos e se associa a automedicação e maior procura por atendimentos em unidades de urgência.

Com o intuito de avaliar as complicações consequentes à autoaferição não orientada da PA em portadores de HAS, tanto entre os usuários do SUS e como os da Rede Suplementar (RS) de saúde, a orientanda do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Saúde da Universidade Federal de Sergipe (PPGCS-UFS), Glessiane de Oliveira Almeida, realizou a sua Tese de Doutorado, cujo produto foi recém-publicado no periódico MDPI Medicina (Kaunas) 2021 (doi.org/10.3390/medicina57010075).

A investigação constou de 1000 voluntários, sendo 500 pacientes do SUS (Hospital Universitário da UFS) e 500, da RS (Clínica do Coração e Hospital São Lucas / Rede D’Or). Foi constatado que aqueles que realizaram autoaferição não orientada da PA, exibiam: maior frequência de automedicação (57,9%); mais visitas à urgência (68%); níveis mais baixos de controle da PA (46,8%) e maior associação com ansiedade (52,3%). Dessa forma, a prática da autoaferição não orientada da PA foi associada a fatores negativos, como altos níveis de ansiedade, maiores frequências de automedicação e visitas à urgência não programadas. Além disso, embora as mulheres terem apresentado maior frequência de ansiedade, os homens foram os que mais buscaram visitas à urgência.

Estes efeitos negativos da AMPA não orientada em hipertensos serve de alerta para esta prática, amplamente disseminada, inclusive entre os usuários do SUS. Além disso, reforça a necessidade do médico em esclarecer, para o paciente e seus familiares, o caráter crônico e traiçoeiro da doença, mediante empatia, paciência e humildade. Portanto o caminho para uma boa adesão terapêutica só é pavimentado a partir de atitudes de compreensão e perseverança.

 

 

* Prof. Titular da UFS e Membro das Academias Sergipanas de Medicina, de Letras e de Educação.

 

 

** Psicóloga e Egressa do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Saúde da Universidade Federal de Sergipe.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

BOTARAM SAL NO DOCE DO GOVERNADOR

PÓ DE SOVACO DE MORCEGO

      José Lima Santana*     Zé Calango esbravejou diante do prefeito: “O que é que você pensa, seu cabeça de vento? Que o povo é ...