Antônio Carlos Sobral Sousa*
Glessiane de Oliveira Almeida**
Segundo a Organização Mundial da Saúde, a
hipertensão arterial sistêmica (HAS) constitui o principal fator de risco,
modificável, para as doenças cardiovasculares, para a doença renal crônica e
para a morte precoce. Além disso, ela produz impacto, significativo, nos custos médicos e
socioeconômicos, em consequência das suas complicações fatais e não fatais.
Estima-se que mais de 30% da população adulta brasileira
seja portadora de HAS, a qual está associada à ocorrência do infarto agudo do
miocárdio e, sobretudo, do acidente vascular cerebral (derrame). Por ser uma
doença crônica, não transmissível, e, preponderantemente assintomática, ela costuma
evoluir com alterações estruturais e/ou funcionais em órgãos-alvo, como
coração, cérebro, rins e vasos, daí ser, também, conhecida como “assassina silenciosa”.
O diagnóstico da HAS deve ser feito mediante a
aferição da pressão arterial (PA), mediante um aparelho (esfigmomanômetro) calibrado
e observando-se as regras estabelecidas pela Sociedade Brasileira de
Cardiologia (SBC). Vale ressaltar que esta medida convencional, realizada no
consultório, serve de base para todos os dados epidemiológicos e clínicos,
sobre a doença, disponíveis atualmente.
Eventualmente, pode ser necessário recorrer à
medida da PA fora do consultório, por meio de duas técnicas padronizadas, a
MAPA (Monitorização Ambulatorial da PA) e a MRPA (Monitorização Residencial da
PA), as quais não devem ser confundidas com a AMPA (Automedida da PA). Esta
última metodologia é realizada, geralmente, com equipamento automático do
próprio paciente, não obedecendo a nenhum protocolo preestabelecido e as
medidas são feitas aleatoriamente e por decisão própria.
Tem sido demonstrada a eficácia do tratamento
na redução da morbimortalidade da HAS, mediante mudanças no estilo de vida
(dieta rica em frutas, verduras, grãos e com baixo teor de sal e de gordura
saturada; controle do peso e atividade física regular de aproximadamente 30 min.
cinco vezes por semana) e o uso de medicamentos, que são bem tolerados, têm
pouco efeitos adversos e, são, também, disponíveis para os usuários do Sistema
Único de Saúde (SUS).
Todavia, um estudo nacional (doi.org/10.1155/2017/1274168),
realizado na atenção primária à saúde demonstrou que a taxa de controle da HAS
variou de 43,7% a 67%. São várias as razões para a falta de controle dos
hipertensos, sendo a falta de adesão à terapêutica instituída, seguramente, o
elemento de maior influência neste cenário. Como uma das estratégias para
aumentar a adesão ao tratamento anti-hipertensivo, a última versão das
Diretrizes Brasileiras de HAS da SBC (doi.org/10.36660/abc.20201238), recomenda
a utilização autoaferição da PA.
Apesar de atraente, pela facilidade de
aquisição dos aparelhos (sobretudo os digitais) e das realizações das medidas,
a AMPA apresenta uma série de limitações, tais como: falta de calibração e
qualidade insatisfatória de alguns instrumentos; metodologia de aferição da PA
não padronizada; interferência de situações estressantes, momentâneas,
vivenciadas pelo paciente, dentre outras.
Portanto, não existe uniformidade na
literatura, quanto ao real benefício deste método em incrementar a adesão ao
tratamento anti-hipertensivo. Tem sido sugerido, também, que a utilização da
AMPA é mais comum em hipertensos ansiosos e se associa a automedicação e maior
procura por atendimentos em unidades de urgência.
Com o intuito de avaliar as complicações consequentes
à autoaferição não orientada da PA em portadores de HAS, tanto entre os
usuários do SUS e como os da Rede Suplementar (RS) de saúde, a orientanda do
Programa de Pós-Graduação em Ciências da Saúde da Universidade Federal de
Sergipe (PPGCS-UFS), Glessiane de Oliveira Almeida, realizou a sua Tese de
Doutorado, cujo produto foi recém-publicado no periódico MDPI Medicina (Kaunas) 2021 (doi.org/10.3390/medicina57010075).
A
investigação constou de 1000 voluntários, sendo 500 pacientes do SUS (Hospital
Universitário da UFS) e 500, da RS (Clínica do Coração e Hospital São Lucas /
Rede D’Or). Foi constatado que aqueles que realizaram autoaferição não
orientada da PA, exibiam: maior frequência de automedicação (57,9%); mais
visitas à urgência (68%); níveis mais baixos de controle da PA (46,8%) e maior
associação com ansiedade (52,3%). Dessa forma, a prática da autoaferição não
orientada da PA foi associada a fatores negativos, como altos níveis de
ansiedade, maiores frequências de automedicação e visitas à urgência não
programadas. Além disso, embora as mulheres terem apresentado maior frequência
de ansiedade, os homens foram os que mais buscaram visitas à urgência.
Estes
efeitos negativos da AMPA não orientada em hipertensos serve de alerta para
esta prática, amplamente disseminada, inclusive entre os usuários do SUS. Além
disso, reforça a necessidade do médico em esclarecer, para o paciente e seus
familiares, o caráter crônico e traiçoeiro da doença, mediante empatia,
paciência e humildade. Portanto o caminho para uma boa adesão terapêutica só é pavimentado
a partir de atitudes de compreensão e perseverança.
* Prof. Titular da UFS e Membro das Academias Sergipanas
de Medicina, de Letras e de Educação.
** Psicóloga e Egressa do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Saúde da Universidade Federal de Sergipe.
Nenhum comentário:
Postar um comentário