terça-feira, 1 de março de 2022

DEPOIS DO ALMOÇO


 

 

 

José Lima Santana*

 

 

Uma no sofá, outra na poltrona reclinada. A sesta. O almoço transcorreu com pouca conversa. A lasanha de frango foi bem degustada por ambas. Antes, salada. Teve risoto de camarão e cerveja sem álcool. Doce em calda de goiaba e pudim de leite. O calor deixava qualquer uma fatigada.

No 11º andar um vento morno entrava pela janela. A visitante despertou do breve cochilo por volta das 15 horas. A anfitriã demorou um pouco a abrir os olhos, para o fazer às 15:25 em ponto. Consulta ao relógio pela visitante.

– Ana Maria, você está de cara inchada. Dormiu bem. Eu, aqui para nós, dei uns cochilos de nada. Quase não descansei. Vou beber um copo de água. Esse calor está insuportável. Vou ter que instalar ar-condicionado nesta sala. Você quer água? Vou trazer. Não precisa se levantar. Hoje, eu sou a sua garçonete. E ainda vou ouvir a sua lengalenga. Volto já, minha linda.

Voltou com um fino copo de cristal, que ela dizia ser da Bohemia. Ia-se saber. Ana Maria sorveu a água em goles suaves. Devolveu o copo. “Obrigada”. Em instantes, estavam frente a frente. Era a hora de rebater tudo o que ouvira da boca da amiga Esmeralda, na quarta-feira.

Eram amigas de priscas eras. Suportava a língua ferina da amiga, nem sabia por qual razão. Dela nunca precisou nos seus aperreios. Passara por bons e maus momentos na vida, mas nunca dera o braço a torcer e mendigar ajuda dela, nem de ninguém. Há dois anos, era sustentada pelo filho e pelo genro, um filho do coração.

Hora abençoada em que a filha botou os olhos no jovem médico, que tinha por ela uma consideração além da conta. Já Armando era um doce de filho. Filho e genro se ombreavam nos cuidados para com ela. Dera algumas cabeçadas na vida. Poderia estar bem melhor situada. Mas, a vida era assim mesmo: andava e desandava.

– Esmeralda, há quanto tempo nós somos amigas?

A anfitriã não respondeu. Colocou o dedo indicador da mão esquerda nos lábios em sinal de silêncio.

– Amiga, um instante. Já, já eu lhe darei ouvidos. Você vai poder falar o que quiser. Sinto que o seu coração está a ponto de arrebentar. Tenha calma. Se for preciso, você falará toda a tarde e toda a noite. Poderá dormir aqui. Antes, porém, eu preciso lhe contar uma coisa. Muito séria. Só vai levar um instantinho.

Você sabia que João Medeiros, genro de Marta Fontes, quer ser candidato a senador? Pasme! A senador. Depois de meter a mão no dinheiro da sogra, que não foi pouca coisa, depois de ser processado não sei quantas vezes por botar a mão suja no dinheiro do Estado, quando foi secretário de alguma geringonça aí, como poderá ser senador? Quem haverá de votar num ladrãozinho daquele? Quem? Ele pensa que o povo é besta.

E a filha de Marta, Doralice, já anda pedindo votos para o marido. Ela deveria ter vergonha na cara por ter ajudado o safado a roubar o dinheiro das duas irmãs, que era o dinheiro da mãe delas. Quando a velha morrer, será dividido entre as três filhas. Ou seria. O que aconteceu?

Ele tomou emprestado, dizem, cinco milhões. E nunca devolveu. Já fazem quatro anos. As irmãs, Célia e Rosângela, já botaram advogado. Os comentários que rolam por aí dão conta de que o escândalo virá à tona quando começar a campanha política. Por ora, está em banho-maria. Vão, as cunhadas, lascar com ele.

Senador...! Ele jamais haverá de ganhar coisíssima nenhuma. Quer saber a verdade? Eu acho que nem candidato ele conseguirá ser. Candidato ao Senado por uma tal de terceira via, que eu nem sei que diabo vem a ser isso. Terceira, quarta ou quinta. Não gosto de política, como você bem sabe. E agora, depois dos setenta, nem perto de uma sessão eleitoral eu passo. Aliás, aqui para nós, há tempos que eu não votava mais em ninguém. Apenas cumpria uma penitência a fim de pegar o comprovante de votação, para alguma eventualidade.

– Já, já eu ouvirei tudo o que você quer jogar na minha cara. Você está meia repugnada, eu nem imagino porquê. Como você é minha amiga do coração, até vomitar na minha cara eu sou capaz de deixar que você o faça. Mas, deixe eu completar o meu raciocínio antes que você rode a baiana.

O João Medeiros esteve para ser preso por conta de uns trambiques que fez com um pessoal de São Paulo, que vendeu e não entregou uns equipamentos, mas o dinheiro, aliás, um dinheirão, foi pago antecipadamente. O processo ainda rola. Ele não foi parar no xadrez porque um primo dele tem muita influência com gente da Justiça e conseguiu, em Brasília, derrubar a prisão decretada.

Você sabe como é Brasília, não sabe? Um horror! Se o Dr. Juscelino fosse vivo, com certeza morreria de vergonha. Deve estar se revolvendo no túmulo, se ainda ossos restarem. Ah, que político foi JK! A minha família toda votou nele em 55. Meu pai sempre dizia que ele foi o único estadista do Brasil, depois de Pedro II.

Bem, quanto a este eu não sei. Uns dizem que foi um bom imperador. Outros dizem que ele viajava para a Europa para se divertir cum uma condessa, sua amiguinha, em Paris. Intrigas da oposição, talvez. Vamos voltar ao pretenso candidato ao Senado. Daqui a pouco, você derrama suas queixas.

Imagine você que o maridinho da filha da Marta anda arrotando que tem gente forte de Brasília que irá apoiá-lo. Gente graúda. Gentona. Meu Deus! Será que este nosso País terá jeito, um dia? Com essa gente que está aí, de um lado e do outro lado? Duvido. Falta gente de caráter, de coragem, de coração aberto, para olhar de verdade pelos brasileiros.

– Você esteve metida com gente da política, no gabinete do deputado Robertinho, e sabe quanta sujeira é jogada para debaixo dos tapetes palacianos.

Um sujeito como João Medeiros na política, no Senado, é para zombar ainda mais da cara do povo. Já não bastam os estrupícios que estão aí, por todo canto? Augusta? Ô Augusta?! Coitada, está ficando mouca. É o trabalhão que o marido vagabundo e as duas filhas dão a ela. Como essa pobre sofre nas unhas daqueles três! Olhe ela aqui.

Augusta, minha flor, avise ao motorista que eu vou sair. Lembrei-me, agora, que tinha marcado com a manicure, às 17 horas. Olhe que unhas horrorosas, Ana Maria. Meu amor, eu tenho que ir. Hora marcada. Pode ficar aqui se quiser. Até para dormir. Ou se preferir, venha comigo, que Aloísio me deixa no salão e leva você para casa. Amanhã ou outro dia, a gente conversa. Vamos, que o tempo urge e a morte ronda.

 

 

*Padre, advogado, professor do Departamento de Direito da Universidade Federal de Sergipe, membro da Academia Sergipana de Letras, Academia Dorense de Letras, Academia Sergipana de Letras Jurídicas, Academia Sergipana de Educação e Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe.

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