José Lima Santana*
Ele foi
se chegando lentamente em direção à próxima vítima. Não sabia a conta de
quantas dera cabo somente naquele ano. Matava sem dó nem piedade. E arvorava-se
em dizer que era o maior matador daquele tipo, existente na região. Devia ser
mesmo. Matar para ele tornou-se um hábito. Quando entrava em ação, não tinha descanso.
Matava quando era chamado para o serviço ou quando, por iniciativa própria,
achava por bem de dar fim a algumas de suas vítimas.
Naquela
noite, ele foi-se aproximando com extremo cuidado, para não dar chance à
vítima. Olhou-a a certa distância. Assuntou. Não a devia deixar escapar. Aquela
nova vítima tinha feito também as suas próprias vítimas. Tinha lá um instinto
agressivo, que clamava por sangue. Logo, na visão do matador, deveria morrer.
Seria apenas mais uma vítima. Só isso. Bobagem. Quantas vítimas ele fizera?
Quantas ainda haveria de fazer? Isso era o que menos contava. Importante mesmo
era matar.
O local
onde a vítima se encontrava em estado de absoluto repouso estava bem iluminado.
Não tinha como errar o golpe certeiro. Mas, era preciso avaliar bem como
desferir o golpe. Deixá-la escapar seria um perigo. Talvez tivesse nova chance,
talvez não o tivesse mais, naquela noite ou nunca.
Um
matador como ele tinha o nome a zelar. Falhar, tinha falhado poucas vezes.
Fazia parte do serviço. Às vezes, as vítimas eram ariscas demais. Na hora “h”,
pareciam sentir que o golpe fatal estava a caminho e ganhavam o mundo. Ele
ficava desapontado, mordendo-se de raiva. “Diacho, perdi. Culpa minha, que fui
descuidado”.
Ele
avaliava cada situação de perda. Não eram muitas, quando as comparava com as
vítimas fatais. Ganhava, de longe, no montante de mortes. Convencia-se de que
era mesmo o maior matador conhecido por aquelas bandas. O erro, naquele tipo de
serviço, ocorria. Não tinha como. Afinal, era uma atividade contínua. As
vítimas se sucediam.
Lá estava
a vítima descansando, após o jantar. Passava das dezenove horas, um tiquinho a
mais. Ele avançou um passo. Parou. A parede ficaria manchada de sangue. Depois,
alguém a limparia. Olhou ao redor. Somente ele e a vítima, ou seja, o alvo, por
enquanto. Vítima, logo mais. Logo mais.
A mão
ainda não tremia, apesar dos seus sessenta e sete anos de idade. Mão firme.
Vontade férrea de matar, de continuar matando até que a mão trêmula, se isso
viesse a acontecer, lhe impedisse de desferir golpes certeiros. As falhas,
poucas, diga-se bem, não ocorreram porque a mão tremeu no momento de livrar o
mundo de mais um ser nojento. Não. Ora precipitava-se ao desferir o golpe, ora
a vítima pressentia a chegada do que poderia ser o seu último momento de vida,
escapando para o desengano do matador.
Naquela
noite, ele estava calmo. A nova vítima estava entregue. Era só chegar mais
perto, sorrateiramente. Estender a mão. Acertar o golpe. Haveria de dormir em
paz. A não ser que, de repente, aparecessem outras vítimas. Tudo era possível.
Ele estava acostumado a matar.
Ouviu
vozes vindas de perto. “Puxa! Essa agora”. Qualquer descuido poderia tirar a
chance de fazer mais uma vítima. Praguejou de si para si mesmo. Continuou com o
olhar firme na vítima. Estava decidido a matar. Ainda que aquela possível
vítima pudesse escapar, naquele instante, não haveria de dar-lhe trégua. Iria
em seu encalço. Perderia a noite, se preciso fosse. “Essa eu mato de qualquer
jeito”, sentenciou.
Ele tinha
razão para desejar ardentemente dar fim a mais um ser abjeto, na sua
consideração. Tinha sido atormentado por aquela vítima em potencial. Clamava
por vingança.
Armou-se
para desferir o golpe fatal. Olhar cada vez mais firme, bem direcionado.
Preparou o bote, qual cobra enrodilhada. Avançou. Estendeu a mão. O golpe foi
desferido com extrema precisão. Morte instantânea.
Ele
exultou com o resultado alcançado. A parede ficou ensanguentada. Alguém teria o
trabalho de limpar. Parede pintada de novo. Branco pérola. Qualquer mancha, por
menor que fosse, destoava.
Naquela
noite, o matador de muriçocas deve ter feito a sua milésima e não se sabia
quantas vítimas mais. A parede do quarto ficou com a pequena mácula do sangue
que a muriçoca devia ter sugado da perna do matador, que ficou com um pequeno
calombo, e com o ardor peculiar em decorrência da picada do inseto caseiro. Era
a época de infestação dos pernilongos. A cidade estava cheia deles.
Os canais
fétidos, outrora riachos, já não tinham mais os peixes que se alimentavam das
larvas de muriçocas, mantendo o controle biológico. O meio ambiente era ferido,
mais e mais, a cada dia. Matar muriçocas nas paredes, por vezes, era, sim,
necessário.
*Padre, advogado, professor do Departamento de Direito da Universidade Federal de Sergipe, membro da Academia Sergipana de Letras, Academia Dorense de Letras, Academia Sergipana de Letras Jurídicas, Academia Sergipana de Educação e Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe.
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