José Lima Santana*
Tarde de sexta-feira. A tarde ia a
meio. Seriam umas 15:30, mais ou menos. O carro prateado estacionou na única
vaga naquele momento existente ao longo da avenida. O calor de janeiro fez
logo, logo, o motorista começar a suar, enquanto caminhava os cem metros que
distavam do carro à sorveteria, estando a casa com suas mesas quase todas
ocupadas.
Uma mesa lá atrás o convidava. Para
lá se dirigiu. Tirou o lenço. Enxugou o rosto e o pescoço. Mulheres e crianças
compunham a maioria da clientela. Todos ávidos por um sorvete na casquinha ou
no copinho, a depender de cada gosto. Os atendentes abriam as tampas dos
grandes vasilhames, colocavam o sorvete de duas ou três bolas.
Os sorvetes mais pedidos eram os de
mangaba, coco, goiaba, umbu e tapioca. Uma moça de olhos mortiços passava o
pano no chão, que ficava muito limpo, quase virando um espelho. As crianças
menores lambuzavam-se. Um sorvete era, deveras, uma delícia. No verão, então,
era um gozo celeste.
O recém-chegado abancou-se,
aguardando a vez de ser atendido. Conversas. Barulho. Choro de uma criança, uma
menininha, que queria mais um sorvete, no que a mãe disse “não”. Como dizer não
a uma criança que clama por mais um sorvete? Ao menos uma bola. Mas, cada mãe
sabia o que devia ser adequado para os filhos. Ele fez um muxoxo. Não via
porque se incomodar com aquilo. Esperou o atendimento.
Sorvete de mangaba. Duas bolas. Foi o
pedido dele. Saboreou o sorvete como uma criança. Lembrou dos tempos de menino,
quando o pai ou a mãe o levava à Sorveteria Cinelândia, a mais afamada da
cidade naquela época, de onde saiam quilos e mais quilos de sorvete para a
degustação de autoridades brasilienses, por conta de um parlamentar dado a
mimar os poderosos.
Há cinco anos, divorciado, retornou
ao chão de origem. Montou escritório de representações. Tudo ia bem, quando
veio a crise forçada pela pandemia. Porém, a situação tendia a melhorar, aos
poucos. Os filhos vinham vê-lo nas férias. As aulas virtuais deixaram a
desejar.
Ele tinha dois lindos garotos, de 13
e 16 anos. O casamento começou a desgastar-se quando a ex-mulher passou a
interessar-se por uma amiga. “Uma fase louca”, ela o disse. Não deu mais. Foram
três meses de brigas, incompreensões e desalinhos. Ela quis voltar atrás. Foi
tarde.
Ele arrumou as malas, mudou-se para um
hotel. As crianças, de início, não compreenderam. Ele nunca as jogou contra a
mãe. Esta, por sua vez, também fez o mesmo, verdade seja dita. Romperam. Veio o
divórcio. Dois anos depois, ela se interessou por outro. E por outro, mais
adiante.
A amiga ficara para trás. “Uma fase
louca”, como ela o disse. Agora, segundo os filhos disseram nas últimas férias,
ela estava sozinha. Melhor assim, para cuidar mais de perto dos filhos numa
fase de idade difícil, sobretudo numa cidade como o Rio de Janeiro, embora Marcos
César e Marcelo Augusto fossem bem ajuizados. “Graças a Deus”.
Ele pediu uma água mineral com gás.
Pensou, momentaneamente, no pai, que, como por milagre, escapou da covid-19.
Esteve no pau do canto. Quase se foi. Passou quase um mês na UTI. A equipe
multidisciplinar que cuidou dele, teve uma atuação ímpar. Também na cidade
havia bons profissionais na área da saúde. Não era somente nos grandes centros
que eles estavam.
Uma mulher espigada entrou na
sorveteria, conduzindo um menino ruivo, falador. Perguntava mil coisas ao mesmo
tempo. Era a fase dos questionamentos. Ele riu com a desenvoltura do garoto.
Marcos César, muito mais que Marcelo Augusto, era assim também. Às vezes, a mãe
se impacientava com tantas perguntas. Ele achava graça.
Em junho, os meninos viriam para o
São João. E, se tudo corresse bem, em dezembro ele planejava viajar com os
filhos para algum lugar, no Sul. O desejo era levar os rapazes à Europa, mas a
situação financeira ainda não permitia. Quem sabia, em 2024 ou 2025. Marcos César
desejava conhecer a Alemanha. Marcelo Augusto só falava em Madri e Barcelona,
por causa do futebol. O esporte da bola no pé era o seu favorito. O outro vivia
para a tecnologia da informação.
Consultou o relógio. Passava um pouco
das 16 horas. Eram 16:10. Não tinha pressa. Ainda daria tempo para outro
sorvete de mangaba. Bebeu mais um gole de água. Não estava muito gelada. Era
como ele gostava. Água fria; gelada, não. “Água fria é que mata a sede”. O
garotinho ruivo continuava fazendo perguntas à mãe, a cada palheta de sorvete
posta na boca. Ora a mãe respondia, ora apenas sorria. Que belo quadro, a mãe e
o filho em animada sintonia!
O telefone tocou. Era ela.
Provavelmente, para lembrar-lhe da hora em que deveria buscá-la. Tinham marcado
às 18 horas. Era cedo. Atendeu. Do outro lado, a voz apressada, como sempre, da
namorada, Anna Stella, defensora pública. “Onde você está? Não me diga que está
com alguma amiguinha, no Shopping. Venha me buscar agorinha mesmo. Resolvi sair
mais cedo. Para mim, acabou de sextar. Não demore, está ouvindo”? Ele não tinha
amiguinhas, nem era frequentador de shoppings, salvo uma vez ou outra para ir
ao cinema. Ela sabia disso. Mas, quando falava, dizia coisas sem pensar. Um
saco!
Ele bebeu um gole. Pediu outro
sorvete. Do mesmo. O namoro de oito meses começava a fazer água. Anna Stella
era do tipo possessiva. Inteligente, dona de si, mandona. Ele gostava dela, mas
contestava certas posições suas, inclusive a política. Naquele instante, o
namoro pareceu-lhe mais gélido que o delicioso sorvete de mangaba.
*Padre, advogado, professor do Departamento de Direito da Universidade Federal de Sergipe, membro da Academia Sergipana de Letras, Academia Dorense de Letras, Academia Sergipana de Letras Jurídicas, Academia Sergipana de Educação e Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe.
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