José Lima Santana*
O
monumento ao Imperador foi o primeiro alvo. Caiu. Não sobrou uma pedra. Tudo
virou pó. Dava para ter uma ligeira impressão do que ocorreu em Hiroshima e
Nagasaki, em agosto de 1945. O que estava acontecendo na pequena capital,
acontecia noutras cidades brasileiras e estrangeiras? Uma moça que estava na
Praça da Assembleia tentou correr para o carro. Não deu tempo. Foi pulverizada.
A partir
dali, caiu uma incessante chuva de fogo sobre a cidade. Milhares de artefatos
como se fossem raios laser devastadores. Destruição. Carnificina. Bairros
inteiros destruídos. Um gato preto saltou de uma janela e foi colhido no ar.
Desintegrou-se.
O azul do
céu tornou-se vermelho-alaranjado. Rolos de fumaça empreteciam o baixo espaço.
Às explosões seguiam-se a liberação de radiação e o pulso eletromagnético. A
formação de uma onda de choque inicial causava um deslocamento de ar capaz de
derrubar prédios no alcance de 500 metros em circunferência.
Não dava
para precisar se os artefatos funcionavam por uma espécie de fissão nuclear, ou
seja, com a “quebra” de átomos, liberando grande quantidade de energia, ou por
algum modo de fusão nuclear, com funcionamento contrário, isto é, com a “união”
de átomos para liberar energia.
O fato
era que alienígenas, vindos sabia-se de onde, castigavam o já castigado planeta
Terra. De naves espaciais gigantescas saiam naves pequenas, que despejavam os
artefatos da destruição.
No bairro
Jabuti, César Jean ligou a TV, após receber um telefonema do primo Antoninho. O
primo falou e calou. Um barulho esquisito interrompeu a ligação. O apresentador
da TV disse alguma coisa sobre uma invasão em vários lugares e não disse mais
nada. Chuviscos na tela.
O rapaz
olhou pela janela do sexto andar. A cidade tinha virado uma espécie de Sodoma.
A destruição aproximava-se. Descalço como estava, ele saiu do apartamento e
tentou acessar o elevador. Emperrado. Buscou a escada. A porta corta-fogo
estava trancada. Viu, então, um clarão aproximar-se.
O inferno
abriu suas portas e expeliu toda a sua pestilência: enxofre e fogo. Na noite
anterior, ele disse à mãe que tinha um pressentimento de que o mundo iria se
acabar a qualquer momento. Dona Celina riu. “Você está exagerando cada vez
mais. Devem ser esses filmes idiotas que fica vendo na TV”. Mas, ele tinha
certeza de que o mundo estava prestes a explodir ou a ser explodido. “Ah, não
pode ser a Rússia, que já está por aqui”! Foi o que ele pensou, sem querer ter
pensado. Havia alienígenas mercenários contratados pelo Putin? Ia-se saber!
Desesperado,
César Jean, de 17 anos voltou ao apartamento. Pela janela, que continuava
aberta, pôde ver aeronaves de formato estranho despejando raios mortíferos.
Logo, o condomínio começaria a ruir. As pessoas não tinham tempo para entrar em
pânico. Eram devoradas pela energia liberada. Ele resolveu tentar escapar de
maneira suicida. Pularia do sexto andar. Usaria um colchão, que amorteceria a
queda sobre o telhado de zinco do abrigo dos carros. Se desse tempo.
Alienígenas.
Ele tinha razão. A mãe estava no trabalho. Ela não lhe dera ouvidos. Estaria
viva? Quem poderia saber? Já tinha ligado para ela trocentas vezes. Nada. O pai
estava no oco do mundo. Um andarilho. Deixou mulher e filho ainda de braço,
para jogar-se com uma cantora de circo. Notícias? Nenhuma.
Tempo
houve em que ele queria conhecer o pai. Esse tempo passou. Não tinha raiva do
pai, mas seria melhor não o ver. Agora, provavelmente, jamais o veria. Todos
estariam mortos em pouco tempo. No mundo inteiro, ao que parecia. Aquela
destruição não estaria acontecendo somente ali. O mundo todo estaria sendo
atacado pelos seres espaciais com suas naves mortíferas. E ainda diziam que não
havia vida em outros planetas. Ali estava a prova. Havia, sim.
Pulou.
Como previsto, o colchão o salvou. Escorregou para a beira do telhado de zinco.
Poucos metros. Caiu ainda agarrado ao colchão, no exato momento em que o prédio
foi atingido. Os quatro prédios que formavam o condomínio foram arrasados. Ele
conseguiu arrastar-se até um caramanchão semidestruído. Foi quase esmagado por
um bloco de concreto em chamas.
Se
conseguisse escapar, o que era improvável, certamente não mais veria a mãe.
Jamais poderia conhecer o pai. A cidade tinha virado uma fornalha. Labaredas
infernais consumiam o que não tinha sido pulverizado. Logo mais, tudo seriam
cinzas.
Gritos
dilacerantes eram ouvidos e, de chofre, silenciados. O mundo dos dinossauros se
fora. Milhões de anos se passaram. Enfim, vieram os homens, que também estavam
indo. Tudo estaria acabado em questão de minutos. Os alienígenas não queriam
dominar a Terra. Apenas destruí-la. Seres perversos, ferozes e mortais, como os
próprios homens, porém com tecnologia muito mais avançada.
César
Jean viu uma nave descer. Parecia um pé de pato de algum tipo de metal com um
brilho ofuscante. Ao redor, escombros em chamas. Ele tentou se esconder por
trás de uma cadeira de balanço. Era onde um professor aposentado ruminava seus
antigos sonhos, suas conquistas e seus fracassos.
A nave
abriu uma portinhola de poucos centímetros de largura. Um serzinho oleoso
desceu. Tinha seis pernas que se moviam lentamente, uma após a outra. Bizarro e
muito feio. Tinha língua parecida com a de uma serpente. Serpente de outra
galáxia? Quem poderia saber...!
A língua
do serzinho oleoso moveu-se em sua direção. Parecia caçá-lo. Naquela devastação,
sentiu-se uma presa fácil. Sucumbiria. O primo Antoninho sempre o chamava de
fraco. Contudo, não era um covarde. Se tivesse de morrer, e, decerto, morreria,
até porque não haveria de querer viver num mundo devastado, morreria sem medo.
Haveria
de morrer sem votar pela primeira vez. Tirara o título de eleitor para defender
a democracia contra os corruptos e os golpistas, duas laias imprestáveis, na
sua adolescente visão. Adeus eleição. Adeus vida. Adeus mundo. Levantou-se. O
calor era insuportável. Tudo ardia. Caminhou resoluto em direção ao serzinho
serpentoso. Um vento infernal, tangido por labaredas, queimava seu corpo.
Aproximou-se do alienígena feioso. Sentiu sua língua roçando-lhe o rosto em
fogo.
Dona
Celina chamou César Jean. “Acorde, dorminhoco”! Eram quase seis horas. As aulas
começavam às sete. “Mãe, eu tive um sonho maluco com alienígenas”! E dona
Celina: “Lá vem você de novo...”.
*Padre,
advogado, professor do Departamento de Direito da Universidade Federal de
Sergipe, membro da Academia Sergipana de Letras, Academia Dorense de Letras,
Academia Sergipana de Letras Jurídicas, Academia Sergipana de Educação e
Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe.
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