terça-feira, 14 de junho de 2022

A ÉTICA EM EVOLUÇÃO A PARTIR DOS DIÁLOGOS


  

 

José Lima Santana*

 

 

Como é por demais sabido, a discussão sobre ética remonta à Antiguidade grega. Naquele período, filósofos como Sócrates, Platão e Aristóteles buscavam produzir um conhecimento capaz de fornecer respostas absolutas para todos os tipos de questionamento humano.

Na obra “Ética a Nocômaco”, Aristóteles sistematizou padrões de comportamento ético no relacionamento entre os cidadãos. Para ele, a principal forma de exercitar o comportamento ético era através do diálogo. Nos diálogos, os cidadãos exercem a arte do contraditório, na qual as frases emitidas possuem um padrão de verdade e mentira.

Há quem cultive a verdade, mas há, também, quem gosta das mentiras, criando-as ou disseminando-as. Na obra citada, diz Aristóteles que “é verdadeiro que a conduta do homem virtuoso é frequentemente orientada pelos interesses de seus amigos e de sua pátria [...]. Ele abrirá mão da riqueza e do poder e de todos os bens que os homens lutam para conquistar se [só com isso] puder assegurar a nobreza para si mesmo” (2002, p. 255).

Podemos dizer, então, que ética “é a ciência do comportamento moral dos homens em sociedade”, citando Adolfo Sanchez Vasquez (Apud José Renato Nalini, 1999, p. 34).

Qual a finalidade da ética? Dizem que a sua finalidade é a descoberta do bem absoluto. E tal bem seria a felicidade. Para Aristóteles, a felicidade, enquanto bem absoluto, estaria no exercício, firme e constante, da virtude. Na lição de Nalini, “não basta um ato virtuoso de quando em quando. A virtude é a atualização do que lhe é próprio. O homem virtuoso é aquele que mergulha no desenvolvimento integral de suas faculdades” (1999, p. 50).

Eduardo Bittar e Guilherme Almeida mostram a dinâmica existente entre o indivíduo e a sociedade, no que concerne à ética. Dizem: “O indivíduo produz conceitos e padrões éticos e envia-os à sociedade, assim como a sociedade produz padrões e conceitos éticos e envia-os (ou inculca), por meio de suas instituições, tradições, mitos, modos, procedimentos, exigências, regras, à consciência do indivíduo. É dessa interação, e com base no equilíbrio dessas duas forças, que se pode extrair o esteio das preocupações ético-normativas” (2001, p. 446).

José Eduardo de Castro Farias, analisando o pensamento aristotélico no que concerne à ética, afiança: “Aristóteles pensou as virtudes como algo que se desenvolve essencialmente dentro do espaço político. A sua obra “Política” é apresentada como continuação da Ética.

O conteúdo da ética é considerado político. A política define a ética ao transformar o indivíduo em cidadão. A liberdade do indivíduo está na sua cidadania. Os cidadãos são partes integrantes da polis, não há homem livre fora da polis, fora da comunidade, pois ‘o todo deve necessariamente ter precedência sobre as partes’.

A virtude humana é histórica. A virtude pressupõe um ser e um agir como os outros, ou seja, ela pressupõe indivíduos relacionando-se entre si, constituindo ao mesmo tempo um fato biológico e cultural. O homem nunca é um ser isolado; a sua felicidade só pode ser alcançada na medida em que o homem é um animal político que vive na Cidade-Estado, na polis, na comunidade. Portanto, as questões éticas são relativas à estrutura da polis, uma vez que a virtude encontra o seu lugar não apenas na vida do indivíduo, mas na vida da cidade, e ‘o indivíduo é realmente inteligível somente enquanto zoon politikón’” (2004, p. 5-6).

Vemos que há um forte entrelaçamento entre o homem e a comunidade dos homens, entre o que constitui a ética individual e a ética social. A ética cristã não ficou alheia a isso. Disseminada por todo o Ocidente, sofreu percalços ao longo dos tempos, e começou, por fim, a entrar em declínio nos meados do século XX.

Nalini afirma que “nunca foi tão necessário, como hoje se mostra, reabilitar a Ética”. E continua: “A crise da Humanidade é uma crise moral. Os descaminhos da criatura humana, refletidos na violência, no egoísmo e na indiferença pela sorte do semelhante, assentam-se na perda de valores morais. De nada vale reconhecer a dignidade da pessoa, se a conduta pessoal não se pautar por ela” (1999, p. 34).

Para Farias, “as ações são morais quando dirigidas por uma ética intersubjetiva de solidariedade”. Sobre a solidariedade, é preciso observar o disposto no art. 3°, inciso I, CF, que diz ser objetivo da República Federativa do Brasil, dentre outros, “construir uma sociedade livre, justa e solidária”.

Na liberdade constitui-se a justiça e, por meio desta, chega-se à solidariedade. Ora, “um homem é um ser racional, mas não é um ser solitário, ele é um ser social. Na medida em que o homem é um ser social, os fins morais são também sociais. O fim da ação é moral quando conduz à realização do ‘eu’ como ser solidário. A nossa moralidade reside na nossa conduta social, pois é como seres solidários que somes seres morais” (Farias, 2004, p. 306).

Enfim, quando alguns – ou muitos – dos políticos brasileiros e seus seguidores mais empedernidos vão considerar em suas vidas e ações a questão ética? Para esses, o que é ética? O velho do rio, que vira sucuri? Pois é: pode ser apenas uma novela pantanosa, na qual sucuris matam suas presas por asfixia. Muitos, no Brasil, estão matando sob as mais variadas formas. E isso é absolutamente antiético.

Referências: 1) Aristóteles. Ética a Nicômaco. Tradução de Edson Bini. São Paulo: Edipro, 2002.2) Bittar, Eduardo C. B. et Almeida, Guilherme Assis de. Curso de Filosofia do Direito. São Paulo: Atlas, 2001. 3) Farias, José Fernando de Castro. Ética, Política e Direito. Rio de Janeiro: Lumen Juris Editora, 2004. 4) Nalini, José Renato. Ética Geral e Profissional. 2 ed. São Paulo: RT, 1999.

 

 

*Padre, advogado, professor do Departamento de Direito da Universidade Federal de Sergipe, doutor em Educação, membro da Academia Sergipana de Letras, Academia Dorense de Letras, Academia Sergipana de Letras Jurídicas, Academia Sergipana de Educação e Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe.

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