José Lima Santana*
A ética
não se confina no espaço privado. Ela permeia, ou deve permear, as atividades
públicas, que objetivam ao bem comum, onde quer que os seres humanos possam
agir e interagir. Nesse sentido, diz-nos Eduardo Bittar: “A ética não é uma
questão de esfera do privado, mas uma questão de relevante interesse público,
e, exatamente por isso, uma questão da esfera pública. A própria noção de
esfera pública está entrelaçada com a questão do que concerne ao bem comum, na medida
em que atende e realiza a possibilidade da liberdade em comum, ou, ainda, do
que concerne ao interesse de todos, àquilo que tem a ver com os negócios
comuns, e, por isso, tem a ver com as atividades que não se confundem com as
individuais, com as domésticas, ou com as coletivas, mas com aquelas que
atingem e beneficiam o interesse da coletividade de todos aqueles que se reúnem
em sociedade com uma finalidade comum” (p. 136-137).
E por que
isso se dá? Porque as ações antiéticas, digamos, se soltam, são esparramadas
por aí? Vejamos o que ainda nos afirma Bittar: “E isso porque, assim que o
espaço público se torna o espaço do desvio de conduta, da atitude antiética, do
denuncismo jornalístico, da conduta criminosa, da ilicitude, da rapinagem,
junto com isso segue-se a descrença generalizada da população nos negócios
públicos, a sensação de crise das instituições, a desconfiança na legitimidade
da democracia para o controle das coisas de interesse comum, a criminalização
da política e do serviço público, o desinvestimento nas iniciativas inovadoras
de políticas públicas, o exaurimento do ambiente criativo para os temas de
interesse social, tudo mergulhado numa atmosfera de acusações constantes,
investigação ilimitada, desgaste e perseguição, que, em seu conjunto, formam a
derrota da política – em seu sentido mais genuíno. Não por outro motivo, a Lei
anticorrupção (Lei n. 12.846/2013) e outras iniciativas deste jaez são
fundamentais para a garantia do zelo com o que é público, na medida em que em
risco se encontram não apenas o dinheiro público, mas justamente com isso, o
que há de mais inestimável na esfera pública, o interesse de todos pelo que é
comum” (p. 137-138).
É de
lembrar que a esfera pública a todos pertence. Esse espaço não se limita a
alguns, por exemplo, aos que estão no poder. Não! Esse espaço é de todos, e,
principalmente, dos que levam alguns ao poder, sem delírios, sem mitificações,
sem deslumbres ideológicos, que cegam os que deveriam ver, que emudecem os que
deveriam falar, que ensurdecem os que deveriam ouvir.
No espaço
público está presente a cultura. Ética e cultura são afins. Logo, diz Bittar:
“É impossível dissociar a ética da cultura, daí a importância inclusive dos
estudos antropológicos sobre a temática ética. Toda cultura exprime uma forma
de codificação moral do comportamento. Toda ética é a expressão de uma
determinada endogenia cultural. Isto porque a cultura é o registro coletivo das
práticas humanas determinadas no tempo e no espaço. De todo ato humano se
depreende uma certa impregnação de cultura” (2019, p. 101).
Por outro
lado, é preciso situar a ética na esfera pública por excelência, isto é, na
Polis. Assim, não se deve dissociar a ética da atividade exercida pelos
indivíduos na Polis. Nela, eles agem e interagem, como tão bem sabemos. Não é à
toa que Faria explicita: “A ética é considerada por Aristóteles como um estudo
introdutório à política. Diz respeito sobretudo ao comportamento do indivíduo
na medida em que se insere no espaço “público” e se reflete sobre a polis. Por
isso mesmo dizemos que a ética de Aristóteles é uma ética da cidadania. A
concepção ético-política de Aristóteles considera a polis, não como ente
artificial, produto de uma arte, mas como decorrente da própria natureza. Tal
tese encontra apoio em quatro pressupostos que se articulam a outros planos de
seu pensamento: a teleologia; a felicidade como fim último visado pelo homem e
que dá sentido a todos os seus atos; a concepção do homem como “animal
político”; e a concepção da cidade como uma realidade complexa que decorre
desta natureza do animal humano e que tem como telos a justiça (2007, p.
60-61).
A
finalidade da ética e do próprio homem é o alcance da justiça. O homem deve ser
grandioso de alma. Lutar por méritos que lhe cabem de forma justa. Sob esse
aspecto, o que deve fazer o homem altivo? Quem responde é o próprio
Aristóteles: “O homem grandioso de alma não se atira ao perigo por razões
fúteis e não é um amante do perigo porque há poucas coisas que ele valoriza;
mas ele afrontará o perigo por uma grande causa e ao fazê-lo estará pronto a
sacrificar sua vida, pois ele pensa que a vida não deve ser mantida a qualquer
preço. E igualmente ser altivo diante de homens de posição e fortuna, mas
cortês com aqueles de condição mediana, porque é difícil e de grande distinção
ser superior aos grandes, ao passo que é fácil sobrepujar os pequenos, e adotar
uma postura altiva com o primeiro não é ser mal-educado, enquanto é vulgar
exibi-la com pessoas humildes; é como empregar a força contra os fracos (2002,
p. 123).
Eis,
pois, uma visão do homem aristotelicamente ético. E um pouco mais: “O homem que
simula ter mais mérito do que realmente tem sem nenhum objeto ulterior, decerto
é uma pessoa de caráter inferior...”, arremata o sábio grego (2002, p. 130). A
esfera pública, ou seja, a Polis é para pessoas de caráter superior. Contudo,
as de caráter inferior perambulam na esfera pública, aos montes e vindas de
vários lados, desvirtuando a Polis, zombando das pessoas, que, às vezes, as
idolatram, as mitificam. Que pena!
Referências
bibliográficas: 1. Aristóteles. Ética a Nicômaco. Tradução de Edson Bini. São
Paulo: Edipro, 2002. 2. Bittar, Eduardo C. B. Curso de Ética Geral e
Profissional. 15 ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2019. 3. Faria, Maria do Carmo
B. de. Direito e Ética. São Paulo: Paulus, 2007.
*Padre, advogado,
professor do Departamento de Direito da Universidade Federal de Sergipe, doutor
em Educação, membro da Academia Sergipana de Letras, da Academia Dorense de
Letras, Academia Sergipana de Letras Jurídicas, Academia Sergipana de Educação
e Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe.
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