José Lima Santana*
A Carta
pela democracia divulgada no dia 11 deste mês, celebrando a Carta aos
Brasileiros da lavra do eminente e saudoso professor Gofredo da Silva Telles
Júnior e, também, propugnando pelo respeito à democracia e contra, portanto,
qualquer movimentação interna em favor de golpe contra o estado democrático de
direito, mereceu a assinatura de pessoas de vários segmentos sociais,
econômicos e políticos. Eu fui um dos seus signatários e serei de tantos
quantos documentos se levantem contra qualquer ensejo espúrio para atentar
contra a normalidade democrática.
Um
candidato a governador de outro Estado, da direita, numa sabatina, levantou uma
questão deveras interessante, mas, que, não justifica sua reação contra a
referida carta: pessoas ligadas à esquerda, disse o candidato, assinaram a
carta, mas defendem ditaduras como as da Nicarágua, Venezuela e Cuba.
Êpa! Eis
um problema a merecer a minha atenção. Não sei a dos leitores. Realmente, em
parte, ele pode ter mesmo razão. Afinal, quem se levanta contra a tentativa de
articulação de golpes que miram implantar ditaduras, deve ter a hombridade de
ser contra quaisquer ditaduras, e não há, no meu entender, pretextos que possam
justificar uma ditadura, seja de direita ou de esquerda. Eu as abomino.
Levantarei a minha voz, miúda, bem sei, contra qualquer tipo de ditadura, aqui,
no nosso País, ou alhures. As ditaduras comunistas, fascistas ou outras
quaisquer sempre mereceram o meu repúdio. E merecerão.
Um
professor aracajuano levantou e publicou num grupo de Whatsapp a quantidade de
ditaduras pelo mundo afora. É uma realidade terrível, a ser verdadeira. E deve
ser: 18 ditaduras na África Subsaariana, 12 no Oriente Médio e Norte da África,
8 na Ásia-Pacífico, 7 na Eurásia, 3 nas Américas e apenas 1 na Europa. Total de
49 ditaduras. Tristíssima constatação. Ainda perambulam por aí esse tipo
nefasto de regime político. Ditaduras são abjetas. São repugnáveis. Aqui ou
acolá. Repito: de direita ou de esquerda.
Em 1977,
a Carta do professor Gofredo “despertou grande interesse no Brasil inteiro e
foi traduzida para as principais línguas estrangeiras, alcançando as primeiras
páginas dos grandes jornais do mundo. Expôs, dentro de princípios científicos,
a legitimidade das leis e Constituições, do Poder e da Ordem, os quais geram a
democracia verdadeira, propulsora única do desenvolvimento econômico e da
segurança nacional. Fez um paralelo entre o Estado de Direito e o Estado de
Fato e relaciona, a seguir, os direitos protegidos pelo Estado de Direito, como
valores soberanos que inspiram as ordenações jurídicas de nações
verdadeiramente civilizadas”.
Concluiu,
exigindo o imediato Estado de Direito para o Brasil, ficando célebre a frase
final: “O Estado de Direito, já”! A coragem do mestre Gofredo mereceu até o fim
de sua longa vida os aplausos de seus alunos e de todos os alunos da Faculdade
de Direito da USP, no célebre Largo de São Francisco. A cada 11 de agosto, os
estudantes de Direito da USP dirigiam-se à Av. São Luís, no centro de São
Paulo, onde morava o mestre, para homenageá-lo. Enquanto pôde, já aposentado,
ele descia e discursava brevemente. Cheguei, uma vez, emocionado, a presenciar
o ato, pois o hotel que eu me acostumei a ter como local de hospedagem, em
Sampa, era vizinho ao prédio onde o professor Gofredo morava. Quando não mais
podia descer, ele acenava para os estudantes, que iam embora, louvando o grande
mestre, autor da Teoria Quântica do Direito.
A Carta
do mestre paulista foi enfática: “O Governo com o senso grave da ordem é um
Governo cheio de Poder. Sua legitimidade reside no prestígio popular de quase
todos os seus projetos. Sua autoridade se apoia no consenso da maioria. Nisto é
que está a razão da obediência voluntária do Povo aos Governos legítimos.
Denunciamos como ilegítimo todo Governo fundado na Força. Legítimo somente o é
o Governo que for Órgão do Poder. Ilegítimo é o Governo cheio de Força e vazio
de Poder. A nós nos repugna a teoria de que o Poder não é mais do que a Força.
Para nossa consciência jurídica, o Poder é produto do consenso popular e a Força
um mero instrumento do Governo”.
Na nova
Carta da quinta-feira (11), juristas e professores da Faculdade de Direito da
Universidade de São Paulo (USP) leram no Largo de São Francisco um manifesto em
defesa da democracia e do sistema eleitoral brasileiro.
O novo
texto denuncia que o Brasil enfrenta “um momento de imenso perigo para a
normalidade democrática, risco às instituições da República e insinuações de
desacato ao resultado das eleições” e faz uma crítica aos “ataques infundados e
desacompanhados de provas” que questionam o resultado das eleições.
O
parágrafo final da carta atual faz menção ao documento que lhe serviu de base e
resgata a importância da conquista de eleições livres e periódicas. “Imbuídos
do espírito cívico que lastreou a Carta aos Brasileiros do professor Gofredo
Teles, e reunidos no mesmo território livre do Largo de São Francisco,
independentemente da preferência eleitoral ou partidária de cada um, clamamos
às brasileiras e aos brasileiros a ficarem alertas na defesa da democracia e do
respeito ao resultado das eleições”.
Quarenta
e cinco anos depois, a nova Carta segue os passos da Carta de 1977: a luta pela
normalidade democrática deve continuar. Sempre. Sempre. Sempre. Este é o
direito e o dever dos cidadãos e das cidadãs, que renegam as ditaduras,
quaisquer que sejam elas. De direita ou de esquerda. É como penso. É o que
defendo.
*Padre, advogado, professor do Departamento de Direito da Universidade Federal de Sergipe, doutor em Educação, membro da Academia Sergipana de Letras, da Academia Dorense de Letras, da Academia Sergipana de Letras Jurídicas, da Academia Sergipana de Educação e do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe.
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