segunda-feira, 29 de agosto de 2022

AS DUAS CARTAS


  

 

José Lima Santana*

 

 

A Carta pela democracia divulgada no dia 11 deste mês, celebrando a Carta aos Brasileiros da lavra do eminente e saudoso professor Gofredo da Silva Telles Júnior e, também, propugnando pelo respeito à democracia e contra, portanto, qualquer movimentação interna em favor de golpe contra o estado democrático de direito, mereceu a assinatura de pessoas de vários segmentos sociais, econômicos e políticos. Eu fui um dos seus signatários e serei de tantos quantos documentos se levantem contra qualquer ensejo espúrio para atentar contra a normalidade democrática.

Um candidato a governador de outro Estado, da direita, numa sabatina, levantou uma questão deveras interessante, mas, que, não justifica sua reação contra a referida carta: pessoas ligadas à esquerda, disse o candidato, assinaram a carta, mas defendem ditaduras como as da Nicarágua, Venezuela e Cuba.

Êpa! Eis um problema a merecer a minha atenção. Não sei a dos leitores. Realmente, em parte, ele pode ter mesmo razão. Afinal, quem se levanta contra a tentativa de articulação de golpes que miram implantar ditaduras, deve ter a hombridade de ser contra quaisquer ditaduras, e não há, no meu entender, pretextos que possam justificar uma ditadura, seja de direita ou de esquerda. Eu as abomino. Levantarei a minha voz, miúda, bem sei, contra qualquer tipo de ditadura, aqui, no nosso País, ou alhures. As ditaduras comunistas, fascistas ou outras quaisquer sempre mereceram o meu repúdio. E merecerão.

Um professor aracajuano levantou e publicou num grupo de Whatsapp a quantidade de ditaduras pelo mundo afora. É uma realidade terrível, a ser verdadeira. E deve ser: 18 ditaduras na África Subsaariana, 12 no Oriente Médio e Norte da África, 8 na Ásia-Pacífico, 7 na Eurásia, 3 nas Américas e apenas 1 na Europa. Total de 49 ditaduras. Tristíssima constatação. Ainda perambulam por aí esse tipo nefasto de regime político. Ditaduras são abjetas. São repugnáveis. Aqui ou acolá. Repito: de direita ou de esquerda.

Em 1977, a Carta do professor Gofredo “despertou grande interesse no Brasil inteiro e foi traduzida para as principais línguas estrangeiras, alcançando as primeiras páginas dos grandes jornais do mundo. Expôs, dentro de princípios científicos, a legitimidade das leis e Constituições, do Poder e da Ordem, os quais geram a democracia verdadeira, propulsora única do desenvolvimento econômico e da segurança nacional. Fez um paralelo entre o Estado de Direito e o Estado de Fato e relaciona, a seguir, os direitos protegidos pelo Estado de Direito, como valores soberanos que inspiram as ordenações jurídicas de nações verdadeiramente civilizadas”.

Concluiu, exigindo o imediato Estado de Direito para o Brasil, ficando célebre a frase final: “O Estado de Direito, já”! A coragem do mestre Gofredo mereceu até o fim de sua longa vida os aplausos de seus alunos e de todos os alunos da Faculdade de Direito da USP, no célebre Largo de São Francisco. A cada 11 de agosto, os estudantes de Direito da USP dirigiam-se à Av. São Luís, no centro de São Paulo, onde morava o mestre, para homenageá-lo. Enquanto pôde, já aposentado, ele descia e discursava brevemente. Cheguei, uma vez, emocionado, a presenciar o ato, pois o hotel que eu me acostumei a ter como local de hospedagem, em Sampa, era vizinho ao prédio onde o professor Gofredo morava. Quando não mais podia descer, ele acenava para os estudantes, que iam embora, louvando o grande mestre, autor da Teoria Quântica do Direito.

A Carta do mestre paulista foi enfática: “O Governo com o senso grave da ordem é um Governo cheio de Poder. Sua legitimidade reside no prestígio popular de quase todos os seus projetos. Sua autoridade se apoia no consenso da maioria. Nisto é que está a razão da obediência voluntária do Povo aos Governos legítimos. Denunciamos como ilegítimo todo Governo fundado na Força. Legítimo somente o é o Governo que for Órgão do Poder. Ilegítimo é o Governo cheio de Força e vazio de Poder. A nós nos repugna a teoria de que o Poder não é mais do que a Força. Para nossa consciência jurídica, o Poder é produto do consenso popular e a Força um mero instrumento do Governo”.

Na nova Carta da quinta-feira (11), juristas e professores da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) leram no Largo de São Francisco um manifesto em defesa da democracia e do sistema eleitoral brasileiro.

O novo texto denuncia que o Brasil enfrenta “um momento de imenso perigo para a normalidade democrática, risco às instituições da República e insinuações de desacato ao resultado das eleições” e faz uma crítica aos “ataques infundados e desacompanhados de provas” que questionam o resultado das eleições.

O parágrafo final da carta atual faz menção ao documento que lhe serviu de base e resgata a importância da conquista de eleições livres e periódicas. “Imbuídos do espírito cívico que lastreou a Carta aos Brasileiros do professor Gofredo Teles, e reunidos no mesmo território livre do Largo de São Francisco, independentemente da preferência eleitoral ou partidária de cada um, clamamos às brasileiras e aos brasileiros a ficarem alertas na defesa da democracia e do respeito ao resultado das eleições”.

Quarenta e cinco anos depois, a nova Carta segue os passos da Carta de 1977: a luta pela normalidade democrática deve continuar. Sempre. Sempre. Sempre. Este é o direito e o dever dos cidadãos e das cidadãs, que renegam as ditaduras, quaisquer que sejam elas. De direita ou de esquerda. É como penso. É o que defendo.

 

 

*Padre, advogado, professor do Departamento de Direito da Universidade Federal de Sergipe, doutor em Educação, membro da Academia Sergipana de Letras, da Academia Dorense de Letras, da Academia Sergipana de Letras Jurídicas, da Academia Sergipana de Educação e do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe.

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