domingo, 11 de setembro de 2022

IGREJA CATÓLICA E POLÍTICA


  

 

José Lima Santana*

 

 

A partir de maio de 1925, em vista da reforma constitucional proposta pelo presidente Artur Bernardes, Dom Leme, então arcebispo coadjutor do Rio de Janeiro, e o sergipano Jackson de Figueiredo — fundadores do Centro Dom Vital, na época o principal centro intelectual do catolicismo conservador no país — iniciaram intensa campanha em prol da implementação de “emendas religiosas” à Constituição de 1891.

Essas emendas referiam-se à obrigatoriedade da instrução religiosa nas escolas públicas e ao reconhecimento do catolicismo como religião oficial do país. Essa última pretensão era, deveras, absurda. Não havia mais lugar para regressar ao que ocorrera na fase imperial. Nem pensar.

Entretanto, após a Revolução de 1930 o Estado passou a conceder um reconhecimento quase oficial à Igreja. Necessitando de seu apoio para legitimar o novo governo, Vargas não hesitou em fortalecê-la. A permissão para que fosse ministrada instrução religiosa nos cursos primário, secundário e normal, bem como a licença para que se organizassem sindicatos católicos — ambas concedidas durante o ano de 1931 — constituíram indícios dessa aproximação.

Enfim, em 1932, no Rio de Janeiro, foi criada a Liga Eleitoral Católica - LEC, pelo agora segundo cardeal brasileiro, Dom Sebastião Leme da Silveira, que contou com o auxílio de Alceu Amoroso Lima. O objetivo era mobilizar o eleitorado católico para que este apoiasse os candidatos comprometidos com a Doutrina Social da Igreja, nas eleições de 1933 para a Assembleia Nacional Constituinte, que promulgaria a Constituição de 1934, e de 1934 para as assembleias constituintes estaduais.

A partir da segunda metade de 1932, a propaganda da LEC intensificou-se através da publicação na imprensa de artigos contra o divórcio e a favor da instrução religiosa. Começaram a ser divulgados igualmente os nomes dos partidos e candidatos apoiados pela organização. Em Sergipe, para a constituinte estadual de 1935, a Igreja conseguiu eleger deputado o Cônego Miguel Monteiro Barbosa, que já era ativo na política.

A LEC teve, inclusive, entre nós, como seu diretor espiritual, o padre Avelar Brandão Vilela, que seria arcebispo primaz do Brasil, em Salvador. Em 1935, foi formada a Ação Católica Brasileira (ACB), nova organização religiosa cujo objetivo era coordenar todas as forças católicas do país para difundir os princípios da Igreja.

De início, houve dificuldade para se definir a relação dessa organização com a LEC. Pouco depois, a LEC foi considerada órgão paralelo à ACB e diretamente subordinado aos princípios gerais da Igreja.

Em 10 de novembro de 1937, ao mesmo tempo em que instituiu o Estado Novo, Getúlio Vargas outorgou nova Constituição ao país, revogando a Carta de 1934. Pouco depois, todos os partidos políticos foram extintos. A LEC passou à inatividade, tendo seu funcionamento impedido.

No entanto, embora a nova Constituição não especificasse as questões referentes à Igreja, Vargas continuou a solicitar o apoio desta, concedendo-lhe as mesmas “garantias e liberdades” de antes.

A LEC atuou ainda nas eleições presidenciais de 1945, nas eleições para a Assembleia Constituinte de 1946 e nas eleições presidenciais de 1950. Para a Constituinte estadual de 1947, os católicos sergipanos elegeram como deputado o cônego Edgar Brito.

Em 1962, em meio a certo rebuliço, a LEC passou a denominar-se Aliança Eleitoral pela Família (ALEF). Começou a sua decadência, que se acentuou após o golpe militar de 1964. Extinguiu-se. A partir dali a Igreja Católica, ausente da política partidária, não deixou de atuar em duas frentes, não como instituição, mas pela ação deliberada de seus membros clericais – bispos e padres –, que se dividiram, uns apoiando o golpe e outros combatendo-o. Passou-se, então, a dizer que havia o clero de direita e de esquerda.

Politicamente, a Igreja Católica perdeu terreno para as denominações protestantes, especialmente as de orientação neopentecostal. Aliás, dizem alguns estudiosos da ação pastoral católica que a ascensão do protestantismo neopentecostal deveu-se, em grande parte, ao abandono pela Igreja Católica das ações que se voltavam, a partir do Concílio Vaticano II e, notadamente, das opções estabelecidas durante a Segunda Conferência Geral do Episcopado Latino-americano, em Medellín, na Colômbia, em 1968, e a Terceira Conferência, realizada em Puebla, no México, em 1979: opções preferenciais pelo jovens e pelos pobres.

No caso dos pobres, acusam alguns prelados e outras pessoas ligadas aos estudos sobre a Igreja Católica que as lideranças desta deixaram de lado os pobres das periferias e de comunidades cujos habitantes são excluídos das benesses da sociedade e das políticas públicas, que não atendem as suas necessidades, marginalizando-as, pois.

A derrocada, no Brasil, das comunidades eclesiais de base – CEBs –, dizem, é prova disso, ou seja, do abandono pela Igreja, favorecendo, assim, o surgimento e o aumento das denominações protestantes neopentecostais, que vão cada vez mais se afirmando no contexto político nacional.

A Igreja Católica dormiu, na ação política. Parece viver enclausurada nas quatro paredes dos templos e, ainda assim, o clero não consegue se unir, sequer, para levar adiante, e a bom termo, a DSI - Doutrina Social da Igreja. Uma pena! Esclareço que “ação política” significa a luta em prol do povo, que deve ser assistido, espiritualmente, mas, também, naquilo que, socialmente, lhe seja favorável para a afirmação da dignidade da pessoa humana.

As atuais divisões intestinas na Igreja só servem para diminuí-la como instituição. Às vezes, alguns dos membros de sua hierarquia – “alto” e “baixo” clero – lutam por posições ou para desestabilizar uns aos outros. As vaidades e as mediocridades estão à solta e estão em alta, nalguns momentos e nalguns lugares. Alguns não rezam a Oração de São Francisco: “Onde houver ódio, que eu leve o amor”. E “onde houver ofensa, que eu leve o perdão”.

 

 

*Padre, advogado, professor do Departamento de Direito da Universidade Federal de Sergipe, doutor em Educação, membro da Academia Sergipana de Letras, da Academia Dorense de Letras, da Academia Sergipana de Letras Jurídicas, da Academia Sergipana de Educação e do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe. 

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