José Lima Santana*
Todos deveriam ter conhecimento do
que dispõe a Constituição Federal, no seu art. 3º, inciso IV, que diz
constituir “objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil”:
“promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e
quaisquer outras formas de discriminação”.
Nem todos, todavia, conhecem os
dispositivos constitucionais. E daqueles que têm disso conhecimento, alguns
fazem de conta e até o negam, ou seja, fazem com que suas atitudes, de certo
modo, contrariam o mandamento da Magna Carta. Aliás, mandamento precioso.
Por que as pessoas gostam de
discriminar? A origem das pessoas é discriminada, muitas vezes.
A raça, a depender do que assim se
considere, é foco de hostilizações. O sexo... As mulheres quase sempre foram
alvos da mais sórdida discriminação, até no dito popular que diz: “Atrás de um
grande homem há sempre uma grande mulher”. Por que “atrás”? É altamente
discriminatório. Por que não “ao lado”, ao invés de “atrás”?
Apesar de tudo, as mulheres saíram às
ruas, no sentido de que foram à luta. É claro, porém, que ainda falta muito
para o término da discriminação. Além da discriminação, há a gravíssima
situação que tem levado milhares de mulheres, todo ano, a sofrer com as
agressões partidas dos arraiais da violência doméstica contra elas. Algo
estupidamente vergonhoso e a merecer a mais dura reprimenda.
O que dizer das pessoas que não se
enquadram como heterossexuais, acopladas numa sigla já extensa? Por que a opção
sexual de algumas pessoas desperta a zombaria, a raiva, o desprezo, o
desrespeito de muita gente? São pudores? São regramentos religiosos e morais?
De qualquer forma, não há nada que possa justificar atos discriminatórios. A
discriminação de pessoas não enquadradas no estereótipo heterossexual cresce e,
em muitas vezes, geram grotescos assassinatos. Ninguém merece.
As discriminações em face da cor da
pele das pessoas são trágicas. São despudoradas, são abomináveis. Além dos que
discriminam de forma explícita, há os que tentam, em vão, esconder suas
discriminações, tentando “tirar a coisa por menos”, mas aprofundando, ainda
mais, o desrespeito ao mandamento da chamada Constituição Cidadã.
Assim como as mulheres e as pessoas
não heterossexuais, as pessoas pretas, como eu, têm sido alvos das mais
absurdas agressões, nos campos de futebol, nas portas de condomínios, nas ruas,
em lojas e escolas, ou, seja lá onde for. Em ações policiais, os pretos estão
sempre por baixo. “Vidas pretas importam”, aqui ou alhures. É mais um chavão a
repetir-se? Que seja! Na verdade, é a mais escorreita constatação.
As pessoas de mais idade são
desrespeitadas até mesmo dentro de casa, por filhos, netos e outras pessoas da
família. É terrivelmente triste saber que as experiências dos idosos não são
devidamente aproveitadas pelos mais novos.
Sociedade terrível, que aspirou por
uma Constituição, após vinte e um anos de exceção, debaixo das barras de uma
ditadura implantada em 1964 e derrubada em 1985. Aí está a Magna Lex. Contudo,
ainda estão por surgir modos salutares de lutar contra tudo e contra todos em
prol da afirmação da dignidade da pessoa humana, que, por sua vez, erigiu-se em
fundamento da República Federativa do Brasil, que se constitui em Estado
Democrático de Direito.
André Santana, colunista do UOL,
afirmou, no dia 31 de julho, a propósito da discriminação sofrida pelos filhos
adotivos do casal Giovanna Ewbank e Bruno Gagliasso, atriz e ator: “Todo dia,
todo santo dia, ativistas, intelectuais e artista negros e negras empreendem
seus esforços e seu talento para alertar a sociedade, especialmente as pessoas
brancas, a gravidade do racismo, cujas consequências atingem a todos, em menor
ou maior proporção. Não há como viver em paz em um mundo racista, seja qual for
a cor da sua pele. A não ser para quem se empenha em manter essa praga social,
negando a sua existência e reproduzindo comportamentos de discriminação e
opressão contra pessoas negras. Para estes o inferno das leis. Felizmente, já
há dispositivos legais para criminalizar racistas e a sociedade tem tomado
conhecimento e denunciado”. A discriminação de que se fala ocorreu em Portugal.
Poderia ter sido aqui ou noutro lugar qualquer.
Diz mais a Constituição (art. 3º,
inciso IV): “e quaisquer outras formas de discriminação”. Quaisquer outras
formas de discriminação, não dizendo quais. Nem deveria dizer. O vocábulo está
posto no “plural”: quaisquer... Vale dizer, todas as formas. Todas. Elas são
muitas.
Discriminar nunca foi o caminho.
Jamais haverá de ser. Quem discrimina não haverá de ter tempo para ver a Luz
brilhar nas trevas.
*Padre, advogado, professor do Departamento de Direito da Universidade Federal de Sergipe, doutor em Educação, membro da Academia Sergipana de Letras, da Academia Dorense de Letras, Academia Sergipana de Letras Jurídicas, Academia Sergipana de Educação e Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe.
Nenhum comentário:
Postar um comentário