Antônio
Carlos Sobral Sousa*
Miocardite
é uma doença inflamatória que acomete o músculo cardíaco, denominado miocárdio.
De acordo com um artigo de revisão, publicado no icônico periódico, New England Journal of Medicine (DOI:
10.1056/NEJMra2114478), sua incidência global variava de 1 a 10 casos em cem
mil pessoas por ano, antes da pandemia da Covid-19. Acomete mais adultos
jovens, na faixa de 20 a 40 anos de idade, sendo mais frequente no sexo
masculino.
Todavia,
apesar de relativamente rara, tem sido relatada a ocorrência de até 4,1 casos
de miocardite para cada 1000 pacientes internados com a referida virose,
podendo ocorrer a forma fulminante em aproximadamente 39% daqueles acometidos,
podendo causar instabilidade hemodinâmica, necessidade de suporte circulatório
mecânico e até morte. Quanto ao diagnóstico, a ressonância nuclear magnética do
coração tem sido um armamento valoroso, sobretudo quando realizada dentro de
duas a três semanas do início dos sintomas.
As
vacinas têm tido papel preponderante no combate ao SARS-Cov-2, sobretudo na
redução dos números de casos graves e morte pela doença. Porém, complicações
cardíacas, particularmente a miocardite e a pericardite (inflamação da membrana
que envolve o coração) têm sido associadas com vacinas que utilizam o RNA
mensageiro (mRNA).
Esta
complicação é muito rara, ocorrendo mais em homens jovens, alguns dias após a
segunda dose e, geralmente, tem um curso benigno, com os sintomas desaparecendo
em aproximadamente 90% dos casos. Contudo, o receio de eventos adversos graves,
induzido pelos imunizantes e exaltado pelos negacionistas, tem contribuído para
a alta taxa de hesitação vacinal.
Com
o intuito de dirimir dúvidas foi publicado no final de agosto do corrente ano,
na revista Frontiers in Cardiovascular
Medicine (DOI: 10.3389/fcvm.2022.951314), o maior estudo do gênero, no qual
os investigadores fizeram uma revisão sistemática e meta-análise de 22 estudos
publicados em todo o mundo, consistindo de coortes de 55,5 milhões de pessoas
vacinadas contra o novo coronavírus e de 2,5 milhões de pacientes que
contraíram a Covid-19. Os autores concluíram que o risco de desenvolver
miocardite é sete vezes maior nos infortunados infectados pelo SARS-Cov-2 do
que em pessoas que recebem o imunizante.
Na
esteira dessa interlocução, participei juntamente com o internacionalmente
reconhecido pesquisador do Programa de Pós-graduação em Ciências da Saúde da
UFS, Prof. Paulo Martins-Filho, da publicação de um manuscrito na revista
Enfermidades Infecciosas y Microbiologia Clínica (DOI: 10.1016/j.eimc.2022.09.001),
onde concluímos que: “Na pesquisa clínica e epidemiológica, a temporalidade e a
força com que um evento observado está associado a uma intervenção são
elementos críticos para apoiar a causalidade. Até o momento, não existe nenhuma
evidência de um risco aumentado de taquicardia e de outras complicações
cardíacas após a vacina Pfizer-BioNTech, contra Covid-19”.
Portanto,
estas evidências servem de suporte para a continuidade da utilização das
vacinas do tipo mRNA, seguindo as recomendações da Agência Nacional de
Vigilância Sanitária (ANVISA) e da Organização Mundial da Saúde (OMS).
Finalizo, citando o filósofo escocês David Hume: “O homem sábio ajusta a sua
crença à evidência”.
* Professor Titular da UFS e Membro das Academias Sergipanas de Medicina, de Letras e de Educação.
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