terça-feira, 10 de janeiro de 2023

DEFICIT COGNITIVO NA COVID LONGA


  

 

Antônio Carlos Sobral Sousa*

 

 

 

Alguns pacientes têm relatado ampla gama de sintomas que podem durar semanas, meses ou até mesmo anos, após a infecção aguda pelo SARS-Cov-2, que pode desaparecer e recrudescer, e tem sido denominada de “Síndrome da Covid Longa”. Um dos mais intrigantes sintomas que, como os demais, podem ser transitórios ou duradouros, é a síndrome da disfunção cognitiva.

Vale ressaltar que, mesmo aqueles que apresentaram as formas brandas da virose, têm relatado déficits de atenção, da função executiva (termo abrangente para a gestão dos processos cognitivos, incluindo memória de trabalho, raciocínio, flexibilidade de tarefas e resolução de problemas, bem como o planejamento e execução), da linguagem, da velocidade de processamento e da memória.

Estes sintomas têm sido coletivamente referidos como "brain fog" (confusão mental). A síndrome da disfunção cognitiva, juntamente com o aumento de ansiedade, depressão e distúrbios do sono e fadiga, contribuem, significativamente, para a morbidade da Covid Longa.

Curiosamente, esta síndrome se assemelha com as alterações cognitivas encontradas em usuários de quimioterapia para o tratamento do câncer, coloquialmente chamada de "chemo fog". Os portadores das duas síndromes apresentam neuro-inflamação e reatividade microglial da substância branca.

Todavia, na prática cotidiana, o diagnóstico diferencial de confusão mental relacionada com a Covid com outras patologias que cursam com sintomas semelhantes, não é fácil do ponto de vista individual, porque informações neurocognitivas de pacientes são raramente disponíveis.

Porém, do ponto de vista populacional, tem sido documentado declínio cognitivo pós-Covid. Geralmente os médicos relutam em aceitar uma condição clínica como doença orgânica, sem um conceito fisiopatológico definido, ou sem a existência de parâmetros de mensuração da doença em um determinado doente, como nos casos de confusão mental pós-Covid, conforme elegantemente discutido em editorial do New England J of Medicine (10.1056/NEJMcibr2210069).

Em publicação recente no periódico Cell (DOI:10.1101/2022.01.07.475453), os investigadores usaram um modelo animal (ratos) para testar investigar disfunção cognitiva em sobreviventes de infecção respiratória leve, causada pelo novo coronavírus. O estudo demonstrou que o SARS-Cov-2 pode promover alterações que desregulam as células neurológicas cruciais para a função cognitiva normal.

Apesar de as alterações neurológicas trazerem preocupação dado as similaridades com as que ocorrem em doenças degenerativas humanas, estudos translacionais, como o relatado acima, podem apontar caminhos para uma maior precisão diagnóstica e terapêutica. Finalizo, citando o físico britânico Stephen Hawking: "As grandes conquistas da humanidade foram obtidas conversando, e as grandes falhas pela falta de diálogo".

 

 

* Professor Titular da Universidade Federal de Sergipe e membro das Academias Sergipanas de Medicina, de Letras e de Educação.

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