José Lima Santana*
O Grêmio Recreativo Escola de Samba
Imperatriz Leopoldinense, depois de 22 anos, sagrou-se campeã do Carnaval
carioca com o enredo “O aperreio do cabra que o excomungado tratou com
má-querença e o santíssimo não deu guarida”, baseado nos cordéis de José Pacheco,
pernambucano que viveu boa parte da vida em Maceió.
O cordelista Pacheco ganhou
notoriedade por suas histórias engraçadas e foi considerado um dos principais
poetas satíricos do Brasil. As desventuras do rei do cangaço foram contadas em
dois cordéis escritos por José Pacheco: “A Chegada de Lampião no Inferno” e “O
grande debate que teve Lampião com São Pedro”.
Em entrevista, o carnavalesco da
Imperatriz, Leandro Vieira, disse que o cangaceiro “conseguiu uma coisa que
poucos brasileiros conseguiram, que é a eternidade”. E arrematou: “Então, nem
bom, nem mau; eterno”.
“Nem bom, nem mau”, disse o
carnavalesco. No imaginário dos nordestinos, bom para alguns e mau para outros.
Lampião foi, sim, uma figura controvertida. E há de ser.
“Como representante da cultura
popular, a Imperatriz foi buscar o que tem de brasilidade na história de
Lampião. Não vamos julgar o que ele fez; vamos destacar a cultura sertaneja,
através das roupas, da música, da dança e da literatura de cordel. Lampião era
uma figura que tinha uma estética própria, exuberante, colorida, nada sombria.
E é nesse universo nordestino que a Imperatriz vai mergulhar”, disse Leandro
Vieira.
Oficialmente, Lampião pisou os pés em
terras sergipanas, em 1929. Numa segunda-feira, 25 de novembro daquele ano, por
volta das 14 horas, ele e seu bando entraram em Nossa Senhora das Dores. Dali
demandou para Capela. Os cabras foram conduzidos na marinete improvisada de
“seu” Joia (Joel Barreto de Souza) e Lampião no automóvel de Otacílio José de
Menezes, abastado plantador de algodão e dono de fábrica de descaroçar o
produto.
Em Dores, o mais afamado bandoleiro
dos sertões nordestinos arrecadou dinheiro. Quem escreveu e/ou pesquisou sobre
isso, fala que a arrecadação rendeu entre pouco mais de dois contos de réis e
vinte e cinco contos de réis. Vai-se saber. Vera Ferreira, neta de Lampião, e
Antônio Amaury afirmam, sem, contudo, citar fontes, que a extorsão em Dores
rendera “quatro contos e quinhentos mil réis, num procedimento que alguém
chamou de ‘saque elegante’”. Bem. A receita orçamentária da Intendência
Municipal de Nossa Senhora das Dores daquele ano, era estimada em pouco mais de
30:000$000 (trinta contos de réis). De todo modo, Lampião levou uma boa grana.
Em outubro de 1930, depois de ser
batido em Capela, Lampião demandou para Dores. Sabendo que a Intendência tinha
homens armados para a defesa da cidade, e possuindo boa rede de informações,
foi à casa de José Elpídio dos Santos, no subúrbio Cruzeiro das Moças, por
volta das 20 horas, do dia 15. Elpídio era filho de José Raimundo, que chefiava
uma das trincheiras da cidade contra os cangaceiros.
Lampião queria que Elpídio dissesse
quantos homens estavam nas trincheiras. Ele não disse. Sequestrou Antônio da
Silva Leite, que escapou na bodega de Santo. Saqueou a bodega de Manoel Martins
Xavier (Santo) e sequestrou sua mulher, Sergina Maria de Jesus.
Sequestrou Pompílio da Silva, que
conseguiu fugir na fazenda Candeal, enquanto o bando dormia. Dormiu com a
mulher de Santo (o braço dela amarrado na perna dele; dormiram no mandiocal,
enquanto os cabras dormiram na beira da estrada, segundo depoimento da mesma).
Na madrugada do dia 16, matou Elpídio
e mandou Sergina voltar para casa. No laudo de exame cadavérico, consta que o
corpo estava perfurado a balas, havia um “rendilhado” de punhal, os dedos das
mãos, sob as unhas, estavam perfurados e a barba estava queimada. Ou seja,
Lampião e seu bando torturaram Elpídio, antes de matá-lo com requintes da maior
crueldade e covardia. Dessa morte resultou o único processo criminal contra
Lampião, em Sergipe.
Sequestrou o vaqueiro Jason Teixeira
de Vasconcelos, no Candeal, para que ele mostrasse a casa de um tal Janjão, no
caminho para a Taboca. Saqueou a bodega de José Gomes e a bodega da viúva do
finado Cezarino, na Taboca, espancando esta, pois não tinha dinheiro para lhe
dar.
Matou um pobre rapaz, que era
alienado mental, na saída da Taboca. Castrou Pedro Batatinha, que vinha da
Lagoa dos Tamboris, gemendo, a fim de arrancar um dente em Dores. Batatinha foi
socorrido pelo Dr. Belmiro Leite, em Aracaju. Escapou e morreu, na década de
1990, em São Paulo. Alguns livros sobre Lampião registram o fato da capação de
Batatinha.
Observação: Os dados acima, dos dias
15 e 16 de outubro de 1930, foram retirados do processo que a Justiça de Nossa
Senhora das Dores moveu contra Lampião, e que se encontra no Arquivo Judiciário
do Tribunal de Justiça de Sergipe.
*Padre, advogado, professor do Departamento de Direito da Universidade Federal de Sergipe, doutor em Educação, membro da Academia Sergipana de Letras, da Academia Dorense de Letras, da Academia Sergipana de Letras Jurídicas, da Academia Sergipana de Educação e do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe.
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