José Anselmo Oliveira*
INTRODUÇÃO
Nos
idos de 1974, não sonhava que iria estudar direito. Estudava eletrotécnica na
Escola Técnica Federal de Sergipe quando foi oferecido um curso teórico e
prático de cinema. Curso que me abriu as portas para gostar mais ainda da
sétima arte que já me fascinava desde criança.
Além
da teoria sobre as técnicas e os estilos cinematográficos, foi possível
escrever roteiros, fotografar, dirigir, fazer a montagem das películas,
resultando em filmes em Super8 e 16 mm. Tive a felicidade de junto com dois
grandes colegas, infelizmente já falecidos, Diomedes Santos da Silva, que veio
a se tornar uma liderança dos professores do Estado de Sergipe, e Carlos Nobre,
jornalista e professor da PUC/RJ e que tinha por especialidade cobrir o poder
judiciário, a segurança pública. Juntos escrevemos o roteiro do documentário em
16 mm sob o título “A humanização da técnica”, que mostrava o ensino de
tecnologia na Escola Técnica Federal de Sergipe e também o acesso às artes como
o teatro, o cinema, a literatura e a música. Frise-se numa quadra onde se vivia
o pior período da ditadura militar, os anos 70.
O que
é fascinante no cinema é a possibilidade da comunicação imediata não só de
temáticas da vida real (urbanas, rurais, questões sociais, questões jurídicas,
questões psicológicas, poder político, liberdades, democracia, guerra e paz),
mas a sua linguagem dinâmica possibilita que as emoções sejam percebidas enquanto
forma de comunicação.
Sou da
geração que admirou a nouvelle vague francesa, movimento do cinema francês
capitaneado por Eric Rohmer, Jacques Rivette, Claude Chabrol, François Truffaut
e Jean-Luc Godard, redatores da Revista Cahiers du Cinéma, fundada no final da
década de 50 do século XX, e nos deu filmes como Acossado, de Godard, e Os
Incompreendidos, de Truffaut, ambos de 1959; do cinema novo de Glauber Rocha,
Nelson Pereira dos Santos e tantos outros, mas também do cinema alemão do pós
segunda guerra, do cinema polonês e tcheco.
Quando
cheguei à faculdade de direito da UFS em 1977, o ensino do direito ainda era
tradicional e voltado para a defesa do legalismo e do positivismo. Não tive a
felicidade que os estudantes de direito das gerações mais novas tiveram de
conviver com as mudanças que trouxeram para o ensino jurídico a
transdisciplinaridade e interdisciplinaridade, expressões hoje comuns aos
projetos acadêmicos dos cursos jurídicos e na formação de mestres e doutores.
Infelizmente,
ainda existe uma abordagem no ensino jurídico mais tecnicista e dogmática,
abordagem que dificulta a compreensão das relações em uma sociedade cada vez
mais complexa a exigir dos profissionais do direito muito mais que o
conhecimento das teorias.
A
sociedade é dinâmica, e sendo o direito produto da cultura a sua construção e
desconstrução segue a mesma velocidade, e isto, infelizmente não é captado na
mesma velocidade pelo estudo teórico e dogmático, daí a importância de outras
abordagens conceituais.
O
conhecimento tradicionalmente foi segmentado, essa especialização dos campos do
conhecimento que vem desde Aristóteles não mais atende a nossa realidade, e por
isso desde os anos 60 surgiu a necessidade de aproximação dos campos, que
podemos chamar de interdisciplinaridade.
O CINEMA COMO INSTRUMENTO DE
COMUNICAÇÃO
A filosofia
A
modernidade em crise e todos os modelos que buscavam compreender o mundo foram
colapsados após a segunda guerra mundial. O terror visto pelo mundo com o
holocausto que pôs em alerta todas as ideologias nacionalistas e a sua relação
com o que chamou Hanna Arendt de “banalização do mal”, de um lado, e de outro o
existencialismo que defendia a liberdade de escolha e o livre-arbítrio de
Kierkegaard (1813-1855), filósofo dinamarquês considerado o “Pai do Existencialismo”
, Martin Heidegger (1889-1976) e a sua
ideia de que o ser humano pode experimentar uma existência autêntica ou
inautêntica a depender de suas escolhas, e finalmente, Jean-Paul Sartre
(1905-1980) que levou a liberdade ao extremo e daí entender “somos condenados
por sermos livres”, junto com Simone de Beauvoir (1908-1986), ousada e
libertária vai defender a liberdade feminina, lembrando uma de suas frase mais
emblemáticas: “Não se nasce mulher: torna-se.”
Uma
pergunta que vocês devem estar se fazendo é: E o que isto tem a ver com o tema
Direito e Cinema?
Esta é
a chave. Enquanto o positivismo jurídico pretendeu reduzir o mundo e as
relações das pessoas em um conjunto de normas, regras e princípios, como se
pensava o mundo das ciências naturais como a física e a química, por exemplo, o
mundo real não se submete a esse conjunto de princípios, regras e normas.
Daí o
direito não pode ser perene, vai sempre estar em construção ou desconstrução.
Queiramos ou não.
Tobias
Barreto já sabia disso ao declarar que o direito é fruto da cultura. Por essa
razão vai se tornar o precursor do culturalismo jurídico brasileiro,
reconhecido em todo o mundo, seguido entre outros por Miguel Reale, um dos seus
grandes admiradores.
E o que tem isso a ver com o
cinema?
Direito
por ser fruto de um processo cultural se vale da linguagem como meio adequado
para seja compreendido, comunicado.
O processo
legislativo nada mais é do que uma análise de vários discursos de várias
categorias que de um modo ou de outro podem influenciar o texto legal.
A
atividade do jurista, seja advogado, professor, ou membro das carreiras
jurídicas como magistrado, promotor de justiça, defensor público e outras, tem
por mediação a linguagem onde buscam construir argumentações não somente
técnico-jurídicas, mas de caráter sociológico e antropológico
Uma
petição, um parecer ou uma sentença estão impregnados de signos linguísticos e
imagéticos para se tornar convincente para o público a que se destina.
E o que o cinema?
Essa
arte tão nova, fruto da tecnologia desenvolvida no final do século XIX, mas
exatamente em dezembro de 1895 quando Louis e Auguste Lumière filmaram a saída
de operários de uma fábrica nos arredores de Paris, na França.
E de
lá para cá, invadiram as salas de cinemas, e hoje as televisões, os
computadores e os smartphones, aproximando o mundo e as culturas,
revolucionando totalmente a forma de vivermos, tornando o planeta uma pequena
aldeia onde fica mais evidente a diversidade, os preconceitos, as
discriminações, a violência, as ideologias.
Tudo
isso que o cinema é capaz de mostrar em 90 minutos, não cabe em nossos
compêndios de direito, nem mesmo nas sentenças e acórdãos do judiciário. Não
cabe nas leis produzidas pelo legislativo. Mas com toda a certeza, preenche a
visão do legislador e do aplicador do direito, porque escancara a realidade
social e humana, nossos medos e nossos instintos.
A TÍTULO DE CONCLUSÃO
Qual a aproximação entre o
direito e o cinema?
Como
arte textual e imagens em movimento, o cinema, possibilita além de observar de
um plano privilegiado de expectador, também possibilita sentir e perceber
emoções.
Na
literatura, por exemplo, a narrativa por mais expressiva que seja há um espaço
para a imaginação do leitor. No cinema, o discurso narrativo do roteirista e do
diretor conduz o expectador.
Por
essas razões é que o uso do cinema na formação do jurista permite que a
estética e o exercício de observador privilegiado se apurem quanto à percepção
da realidade.
Lembro
aqui a lição do filósofo e educador francês Edgar Morin que a despeito do
paradigma da complexidade, alertava que devem ser dadas aos estudantes acesso a
todas as formas de cultura de humanidades, como o teatro, a literatura e o
cinema.
Não é
diferente se atentarmos para a teoria dos sistemas de Nikclas LUHMANN, onde a
complexidade dos sistemas exige do observador também um determinado ponto de
observação privilegiado, vejamos:
Os meios de difusão podem
fazer uso da escrita, mas também de outras formas de transmissão de
informações. O efeito selectivo que exercem sobre a cultura é praticamente
incalculável, já que ampliam enormemente a memória, ainda que pela sua
selectividade limitem os dados disponíveis para comunicações ulteriores.
(LUHMANN, 2006
O cinema é
uma das formas de arte mais populares e influentes em todo o mundo. Ao longo
das décadas, inúmeros filmes abordaram temas relacionados ao Direito, seja
explorando questões sociais e políticas, ou retratando a vida dentro e fora dos
tribunais.
O direito e o cinema têm uma relação íntima e complexa, à medida que o
cinema, como forma de expressão cultural, pode influenciar e moldar a opinião
pública sobre questões jurídicas e judiciais. Por sua vez, o Direito é uma
fonte contínua de inspiração para muitos cineastas, que utilizam temas como
justiça, igualdade, corrupção e abuso de poder, para retratar questões sociais
e políticas, bem como dramas pessoais.
Alguns dos temas mais explorados pelo cinema relacionados ao Direito
incluem o sistema de justiça criminal, a liberdade de expressão, o poder da
mídia, o papel dos advogados, a corrupção e a desigualdade social. Estes temas
têm sido retratados em filmes aclamados pela crítica, como "12 Homens e
uma Sentença", "F a l l i n g Down: Um Dia de Fúria", "A
Firma", "O Pacto dos Lobos", "Inocente até Proveniente em
contrário" e "Erin Brockovich: Uma Mulher de Talento".
Além de retratar tais questões, o cinema também pode ter um impacto
significativo na vida real. Por exemplo, o filme "Philadelphia",
estrelado por Tom Hanks e Denzel Washington, ajudou a aumentar a
conscientização sobre a discriminação contra pessoas com AIDS no local de
trabalho e inspirou mudanças legislativas para proteger os direitos dessas
pessoas. Da mesma forma, o filme "A Vida de David Gale", estrelado
por Kevin Spacey, retrata a pena de morte e questiona a validade do sistema
judicial americano, abrindo um debate na sociedade americana sobre a pena de
morte.
No entanto, também é importante lembrar que o cinema é uma forma de arte
e ficção, e nem sempre apresenta uma representação precisa e completa do
sistema judicial ou das leis em vigor. Muitas vezes, filmes e séries retratam
situações exageradas ou extremas, usando a liberdade artística para criar drama
e entretenimento.
De qualquer forma, a relação entre o Direito e o cinema é uma via de mão
dupla, e ambos têm muito a aprender um com o outro. O cinema pode ajudar a
humanizar a justiça e torná-la mais acessível ao público em geral, enquanto o
Direito pode fornecer um quadro contextual para as questões abordadas pelo
cinema. Juntos, eles podem ajudar a moldar a maneira como vemos o mundo e a
instituição da justiça.
Agradeço a oportunidade de falar sobre um tema tão fascinante e de mais
uma vez estar em um evento NEPRIN.
Referências bibliográficas
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ALMEIDA, José Rubens Demoro.
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Teixeira. A imagem do direito e a imagem como direito na sociabilidade
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Territórios desconhecidos: a procura surrealista pelos lugares do abandono do
sentido e da reconstrução da subjetividade. Florianópolis: Fundação Boiteux,
2004. p. 61-186.
*Mestre em Direito pela Universidade Federal do Ceará, Juiz de Direito, membro da Academia Sergipana de Letras Jurídicas, Academia Sergipana de Letras e Academia Sergipana de Educação.
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