domingo, 16 de abril de 2023

A INIMAGINÁVEL MARCA


  

 

Antônio Carlos Sobral Sousa*

 

 

Quando a Covid-19 surgiu, na longínqua cidade de Wuhan, capital da província de Hubei, na China Central, muitos acreditavam que ela teria o mesmo fim das epidemias causadas por outros agentes da família “Coronavírus”, a SARS (2003) e a MERS (2012), ou seja, que seria facilmente controlada e, portanto, não atravessaria o Atlântico.

Mesmo quando começou a pipocar o crescente número de contaminados e de mortes Brasil afora, provavelmente poucos seriam capazes de prever que, um dia uma população maior do que a da atual capital de Sergipe, Aracaju, iria sucumbir por obra da malquista peste.

Todavia, na última semana de abril, precisamente no dia 28, o Brasil atingiu a triste marca de 700.000 mortes causadas pelo impiedoso SARS-Cov-2. Curiosamente, este inimaginável acontecimento causou menos alarde do que quando foi ultrapassada a barreira das 100.000 vítimas, em 8 de agosto de 2020.

Já se passaram três anos da decretação da pandemia da Covid-19 e o ardiloso SARS-Cov-2 continua a circular entre nós, com “roupagem” diferente da cepa original, atualmente caracterizada pela variante Ômicron. Apesar dessa constatação, a queda progressiva do número de casos e de mortes causados pela virose, protagonizada pelas vacinas, e aliada ao cansaço da população às medidas preventivas, tem provocado um relaxamento natural e a sensação de que conseguimos voltar a uma vida próximo do normal.

As vacinas, portanto, foram vítimas de seu próprio sucesso, já que a percepção de risco diminuiu e muita gente acredita que a pandemia é coisa do passado. A vacinação continua a ser o principal armamento no combate a essa crise sanitária que reluta em desaparecer e o Ministério da Saúde tem recomendado que todos os integrantes dos grupos prioritários (idosos com 60 anos ou mais, imunodeprimidos, indígenas, pessoas com deficiência permanente, dentre outros), recebam o reforço com a vacina bivalente contra o novo coronavírus, já que a mesma oferece proteção contra a cepa original do vírus e contra as variantes que surgiram posteriormente, incluindo a Ômicron.

O referido Órgão ressalta ainda que, para receber o imunizante, é preciso ter completado o esquema primário com as vacinas monovalentes e respeitar um prazo mínimo de quatro meses desde a última dose recebida. Merece enfatizar, também, que a segurança e a eficácia dos imunizantes monovalentes e bivalentes, na redução de casos graves e mortes pela virose, estão respaldadas por investigações sérias e metodologicamente bem conduzidas.

Vale ressaltar que, uma parcela significativa dos pacientes que sobrevivem à fase aguda da Covid-19 apresenta uma constelação de sintomas, sobretudo dispneia, fadiga, palpitação, dentre outros, que duram pelo menos dois meses, podendo ultrapassar um ano. Este quadro clínico é conhecido como Covid Longa, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), Condição Pós Covid-19 (CPC).

Foi recém publicada, no prestigiado periódico JAMA (DOI: 10.1001/jamainternmed.2023.0750), uma revisão sistemática e meta-análise que incluiu 41 artigos científicos e 860.783 pacientes, visando identificar fatores de risco ou preditores de CPC.

Os autores concluíram que aqueles do sexo feminino, idosos, obesos, tabagistas e os que apresentavam algumas comorbidades (asma, DPOC, diabetes, ansiedade / depressão e imunodepressão), eram significativamente mais propensos a desenvolver CPC. Por outro lado, os indivíduos que foram vacinados contra o SARS-Cov-2 com duas doses, tiveram proteção contra as sequelas da CPC.

Este último achado, está em consonância com o relatório do Escritório Nacional de Estatística do Reino Unido (DOI:10.1016/S1473-3099(21)00460-6), que encontraram um risco 42% menor de CPC após 2 doses de vacina contra Covid-19.

Finalizo citando o físico alemão, Albert Einstein: “Triste época. É mais fácil desintegrar um átomo do que um preconceito”.

 

 

* Professor Titular da Universidade Federal de Sergipe e membro das Academias Sergipanas de Medicina, de Letras e de Educação.

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