Antônio Carlos Sobral Sousa*
O
conhecimento da origem de uma emergência em saúde pública é essencial para o
desenvolvimento de estratégias de enfrentamento, de mitigação e, sobretudo, de
prevenção porque, seguramente, outras virão. Estamos no quarto ano da pandemia
da Covid-19 e ainda existe intenso debate, tanto no cenário político como no
científico sobre o surgimento e a disseminação do nefasto patógeno.
As
duas principais hipóteses, são: doença naturalmente transmitida aos seres
humanos por animais (Zoonose), ocorrida, provavelmente, no Mercado Atacadista
de Frutos do Mar, Huanan, na cidade de Wuhan, província chinesa de Hubei, ou um
escape acidental de laboratório, do Instituto de Virologia de Wuhan (WIV).
Há,
ainda, aqueles que acreditam que este flagelo resultou de uma ação deliberada
do governo chinês, visando lucrar com a possível venda de vacinas. Por sua vez,
em março de 2020, o Ministério das Relações Exteriores da China alegou, sem
provas, que militares americanos haviam introduzido o SARS CoV-2, durante uma
visita a Wuhan, levando o então presidente Donald Trump a alegar que o vírus se
originou no WIV.
Em
geral, o armazenamento e manuseio de produtos biológicos em laboratórios de
pesquisa, seguem rigorosas normas de gerenciamento e aqueles envolvidos nos
experimentos, também passam por treinamentos específicos de segurança, sendo,
portanto, rara a ocorrência de infecção laboratorial.
Todavia,
é possível que ocorram acidentes com coronavírus de morcego que são usados em
diferentes laboratórios, ao redor do mundo. Portanto, os defensores da teoria
do escape laboratorial acidental do vírus, enfatizam a localização geográfica
do WIV, exatamente na cidade onde a peste começou.
A
determinação da origem do novo coronavírus e o enfrentamento da Covid-19, deveriam
ser, estritamente, assuntos científicos, todavia, infelizmente, passaram a ser
tratados politicamente, em detrimento das consequências negativas para a
população. Das três possibilidades - natural, acidental ou deliberada, a
evidência científica mais plausível recai sobre o surgimento natural, uma vez
que, a maioria dos primeiros casos da virose foram conectados ao mercado
Huanan, e o mapeamento epidemiológico revelou uma concentração de casos naquela
localidade. O vírus passou, provavelmente, do morcego para um mamífero
intermediário, e dele para o ser humano. Ainda, a transmissão de um morcego
diretamente para um humano também tem sido apontada como uma hipótese possível.
Independentemente
da real origem da Covid, surtos futuros podem resultar de causas naturais,
acidentais ou mesmo, intencionais e, portanto, melhorar a nossa capacidade para
entender e provar teorias será crítico. Na esteira desta interlocução, foi
publicado, recentemente, no icônico periódico New England Journal of
Medicine (Doi: 10.1056/NEJMp2305081) um artigo, no qual os autores propuseram
três importantes passos para fortalecer a preparação contra eventuais pandemias:
a) evitar as zoonoses, mediante uma estratégia que vincule a saúde animal,
humana e ambiental. Aproximadamente 60% dos surtos de doenças nunca acometeram
humanos, surgem de zoonoses naturais, portanto, há necessidade de
regulamentação mais rigorosa do funcionamento de mercados, com a aplicação de
leis que, efetivamente, coíbam o comércio de animais silvestres. Por outro
lado, o combate ao desmatamento desenfreado e o fomento da agricultura
sustentável, beneficiaria o meio ambiente e criaria um amortecedor entre a vida
selvagem e humanos; b) fortalecimento da segurança dos laboratórios para
reduzir os riscos de liberação não intencional de um patógeno perigoso,
mediante a observação rigorosa dos padrões internacionais de gerenciamento do
biorisco e, c) as pesquisas de manipulação genética devem ser adequadamente
supervisionadas, para redução do risco de potencial pandêmico, que pode ser
liberado de forma acidental ou intencionalmente.
Desde
o início da pandemia que existem controvérsias sobre a sua origem, e as
investigações, necessárias para desvendar este mistério e preparar a humanidade
para os surtos que certamente ocorrerão, prosseguem mais lentamente que o ciclo
de notícias, muitas vezes levianas que ganham substancial espaço nas mídias
sociais.
Finalizo,
citando a escritora e filósofa francesa, Simone Adolphine Weil: “Se alguém
reconhece uma contradição, é vergonhoso apoiá-la”.
* Professor Titular da Universidade Federal de Sergipe e membro das Academias Sergipanas de Medicina, de Letras e de Educação.
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