sábado, 8 de julho de 2023

MEMÓRIAS DO APRENDIZADO

                                               Dilson Barreto


 

 

Dilson Menezes Barreto*

 

 

Descobri no meio dos meus livros que transferi para a minha casa na Atalaia Nova, por falta de espaço no apartamento, uma joia literária intitulada MEMÓRIAS DO APRENDIZADO, edição 2004, da lavra do escritor, historiador e intelectual Jorge Carvalho do Nascimento.

Li com bastante atenção os seus diversos capítulos, onde o autor, num exaustivo trabalho de pesquisa histórica, faz uma extensa radiografia dessa atividade educacional desde os primórdios do século XIX quando se iniciaram as discussões sobre as formas de atendimento às crianças em estado vulnerável socialmente em termos nacionais e no próprio Estado de Sergipe, até 2004. É justamente a fronteira agrícola, atividade econômica predominante no Estado àquela época, que desponta como linha de ação prioritária face a possibilidade ocupacional (terapia?) dos ingressos, desviando-os da marginalidade, além de garantir aos mesmos um sentido das suas existências.

Como lhe é particular, o autor desce a detalhes sobre todo o processo evolutivo do inicialmente identificado como “aprendizado” no sentido de correção comportamental dos menores de rua ou de famílias com precárias condições de vida, dando partida, em 1924, com a implantação do Patronato São Maurício. A partir daí, na mesma linha de raciocínio, sua evolução analítica vai dar eixo às inúmeras unidades educacionais que lhe sucederam, cada uma levando, segundo as próprias condições locais e o pensamento vigente, ao aperfeiçoamento da prestação dos serviços, de modo a expandir sua filosofia de ação em termos quantitativos e qualitativos. Daí vêm as sucessivas mudanças de denominações: Patronato de Menores Francisco de Sá (1926), Patronato de Menores Cyro de Azevedo (1931), Aprendizado Agrícola de Sergipe (1934) e, mais à frente, depois de outras denominações, Escola Agrotécnica Benjamin Constant (1957), Colégio Agrícola Benjamin Constant (1964) e, finalmente, em 1979, Escola Agrotécnica Federal de São Cristóvão, onde seu trabalho investigativo se torna mais evidente, ficando bastante explícito o abandono das práticas de abrigo correcional e educacional de menores desvalidos, para a introdução de novas práticas educacionais de qualidade e aberto a todas as classes sociais, “com uma significativa mudança do perfil dos alunos” agora, inclusive, com processo seletivo para o seu ingresso, “deixando de ser instituições destinadas exclusivamente a alunos pobres”. De um ensino eminentemente voltado para conhecimentos técnicos laborais, vai-se, gradativamente, com sua evolução, dando ênfase também aos conhecimentos gerais das várias áreas do saber, além da mudança do perfil da escola, agora ampliando sua ação para a formação de técnicos de nível médio. Para o autor, o período de 1957 a 2004 é considerado “como sendo o momento do apogeu e ao mesmo tempo do declínio do ensino agrícola em Sergipe”, este, possivelmente, em razão das crises de gestão que se sucederam bem como das mudanças na legislação.

O livro trata também, com riqueza de detalhes, das relações institucionais entre o Estado e o Governo Federal, as interferências políticas quanto às gestões da Escola Agrotécnica Federal de São Cristóvão, o processo sucessório e o conflito entre os diretores entrantes e os que deixavam o cargo, a mudança radical no processo de escolha do Diretor da Escola com a introdução de eleições diretas envolvendo professores, alunos e pessoal administrativo dando lugar a negociatas, o protecionismo de alguns candidatos à vagas de estudante por parte da Direção ou de alguns professores, o conflito entre diretores e alunos, as implicações em termos de eficiência e eficácia pedagógica decorrente das diversas reformas na legislação educacional brasileira ao longo do período estudado e as respectivas mudanças da estrutura curricular dos cursos, o impacto causado com a transferência de subordinação das escolas agrícolas da alçada do Ministério da Agricultura para o Ministério da Educação, a predominância dos Engenheiros Agrônomos nos cargos de direção da escola o que causa incômodo quando essa prática é quebrada.

Mas não fica só nisso. O autor vai além explorando outros aspectos relacionados com as atribuições da Escola Agrotécnica Federal de São Cristóvão, tais como a introdução da cooperativa escolar, as festas, o internato, as questões relacionadas quanto ao relacionamento entre meninos e meninas internos ou semi-internos na instituição escolar, os processos punitivos adotados, o convênio do Governo brasileiro com o Banco Mundial de cujos recursos financeiros possibilitou a expansão das atividades da Escola Agrotécnica em vários segmentos, inclusive com a abertura de novos cursos e sua consequente profissionalização, levando em conta as reformas do ensino médio promovidas pelo governo federal.

MEMÓRIAS DO APRENDIZADO dedica também parte do seu conteúdo, a uma análise detalhada sobre a introdução do curso de Economia Doméstica, implantado no ano de 1957 e extinto em 2000, inicialmente destinado a formar a mulher para o seu mister de dona de casa, bem assim as dificuldades iniciais encontradas para a formação de u7m corpo docente capaz de dar curso a esse segmento de ensino e seu consequente processo de profissionalização.

Trata-se efetivamente de um trabalho de fôlego, onde o autor se debruça nos mínimos detalhes sobre todos os aspectos que envolvem uma estrutura de ensino daquele porte como era de Sergipe a Escola Agrotécnica Federal de São Cristóvão. Para os que gostam de história viva, sua leitura é por demais recomendável.

 

Aracaju, 08 de julho de 2023.

 

 

*Economista, mestre em Sociologia de membro da Academia Sergipana de Educação.
                                                  

Um comentário:

  1. Dilson, que artigo maravilhoso, admito que fiquei com vontade de ler o livro, o que demonstra que em suas palavras conseguiste transpor ao leitor a relevância desta obra, em especial aos dias atuais. Afinal, estamos novamente a repensar o formato da educação. Aliás, nela habita, ao mesmo tempo, a chave para a evolução da sociedade e a sua escravidão. Uma educação que nos instigue a refletir, a pensar além é o que pode construir uma sociedade de seres conscientes de seu papel enquanto cidadãos.

    Obrigado por rememorar-me disto. Obrigado por ter sido um dos meus professores favoritos.

    Com cumprimentos, de seu sobrinho.

    Henry A. de Souza M. Morais

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