Dilson
Menezes Barreto*
Descobri
no meio dos meus livros que transferi para a minha casa na Atalaia Nova, por
falta de espaço no apartamento, uma joia literária intitulada MEMÓRIAS DO
APRENDIZADO, edição 2004, da lavra do escritor, historiador e intelectual Jorge
Carvalho do Nascimento.
Li
com bastante atenção os seus diversos capítulos, onde o autor, num exaustivo
trabalho de pesquisa histórica, faz uma extensa radiografia dessa atividade educacional
desde os primórdios do século XIX quando se iniciaram as discussões sobre as
formas de atendimento às crianças em estado vulnerável socialmente em termos
nacionais e no próprio Estado de Sergipe, até 2004. É justamente a fronteira
agrícola, atividade econômica predominante no Estado àquela época, que desponta
como linha de ação prioritária face a possibilidade ocupacional (terapia?) dos
ingressos, desviando-os da marginalidade, além de garantir aos mesmos um
sentido das suas existências.
Como
lhe é particular, o autor desce a detalhes sobre todo o processo evolutivo do
inicialmente identificado como “aprendizado” no sentido de correção
comportamental dos menores de rua ou de famílias com precárias condições de
vida, dando partida, em 1924, com a implantação do Patronato São Maurício. A
partir daí, na mesma linha de raciocínio, sua evolução analítica vai dar eixo
às inúmeras unidades educacionais que lhe sucederam, cada uma levando, segundo
as próprias condições locais e o pensamento vigente, ao aperfeiçoamento da
prestação dos serviços, de modo a expandir sua filosofia de ação em termos
quantitativos e qualitativos. Daí vêm as sucessivas mudanças de denominações:
Patronato de Menores Francisco de Sá (1926), Patronato de Menores Cyro de
Azevedo (1931), Aprendizado Agrícola de Sergipe (1934) e, mais à frente, depois
de outras denominações, Escola Agrotécnica Benjamin Constant (1957), Colégio
Agrícola Benjamin Constant (1964) e, finalmente, em 1979, Escola Agrotécnica
Federal de São Cristóvão, onde seu trabalho investigativo se torna mais
evidente, ficando bastante explícito o abandono das práticas de abrigo
correcional e educacional de menores desvalidos, para a introdução de novas
práticas educacionais de qualidade e aberto a todas as classes sociais, “com
uma significativa mudança do perfil dos alunos” agora, inclusive, com processo
seletivo para o seu ingresso, “deixando de ser instituições destinadas
exclusivamente a alunos pobres”. De um ensino eminentemente voltado para
conhecimentos técnicos laborais, vai-se, gradativamente, com sua evolução,
dando ênfase também aos conhecimentos gerais das várias áreas do saber, além da
mudança do perfil da escola, agora ampliando sua ação para a formação de
técnicos de nível médio. Para o autor, o período de 1957 a 2004 é considerado “como
sendo o momento do apogeu e ao mesmo tempo do declínio do ensino agrícola em
Sergipe”, este, possivelmente, em razão das crises de gestão que se sucederam
bem como das mudanças na legislação.
O
livro trata também, com riqueza de detalhes, das relações institucionais entre
o Estado e o Governo Federal, as interferências políticas quanto às gestões da Escola
Agrotécnica Federal de São Cristóvão, o processo sucessório e o conflito entre
os diretores entrantes e os que deixavam o cargo, a mudança radical no processo
de escolha do Diretor da Escola com a introdução de eleições diretas envolvendo
professores, alunos e pessoal administrativo dando lugar a negociatas, o
protecionismo de alguns candidatos à vagas de estudante por parte da Direção ou
de alguns professores, o conflito entre diretores e alunos, as implicações em
termos de eficiência e eficácia pedagógica decorrente das diversas reformas na
legislação educacional brasileira ao longo do período estudado e as respectivas
mudanças da estrutura curricular dos cursos, o impacto causado com a
transferência de subordinação das escolas agrícolas da alçada do Ministério da
Agricultura para o Ministério da Educação, a predominância dos Engenheiros Agrônomos
nos cargos de direção da escola o que causa incômodo quando essa prática é
quebrada.
Mas
não fica só nisso. O autor vai além explorando outros aspectos relacionados com
as atribuições da Escola Agrotécnica Federal de São Cristóvão, tais como a introdução
da cooperativa escolar, as festas, o internato, as questões relacionadas quanto
ao relacionamento entre meninos e meninas internos ou semi-internos na
instituição escolar, os processos punitivos adotados, o convênio do Governo
brasileiro com o Banco Mundial de cujos recursos financeiros possibilitou a
expansão das atividades da Escola Agrotécnica em vários segmentos, inclusive
com a abertura de novos cursos e sua consequente profissionalização, levando em
conta as reformas do ensino médio promovidas pelo governo federal.
MEMÓRIAS
DO APRENDIZADO dedica também parte do seu conteúdo, a uma análise detalhada
sobre a introdução do curso de Economia Doméstica, implantado no ano de 1957 e
extinto em 2000, inicialmente destinado a formar a mulher para o seu mister de
dona de casa, bem assim as dificuldades iniciais encontradas para a formação de
u7m corpo docente capaz de dar curso a esse segmento de ensino e seu
consequente processo de profissionalização.
Trata-se
efetivamente de um trabalho de fôlego, onde o autor se debruça nos mínimos
detalhes sobre todos os aspectos que envolvem uma estrutura de ensino daquele
porte como era de Sergipe a Escola Agrotécnica Federal de São Cristóvão. Para
os que gostam de história viva, sua leitura é por demais recomendável.
Aracaju,
08 de julho de 2023.
*Economista, mestre
em Sociologia de membro da Academia Sergipana de Educação.
Dilson, que artigo maravilhoso, admito que fiquei com vontade de ler o livro, o que demonstra que em suas palavras conseguiste transpor ao leitor a relevância desta obra, em especial aos dias atuais. Afinal, estamos novamente a repensar o formato da educação. Aliás, nela habita, ao mesmo tempo, a chave para a evolução da sociedade e a sua escravidão. Uma educação que nos instigue a refletir, a pensar além é o que pode construir uma sociedade de seres conscientes de seu papel enquanto cidadãos.
ResponderExcluirObrigado por rememorar-me disto. Obrigado por ter sido um dos meus professores favoritos.
Com cumprimentos, de seu sobrinho.
Henry A. de Souza M. Morais