José Lima Santana*
Claro que não pode me calar. Nem o
“narciso” de verdade, que chafurda em seu próprio veneno, nem quem quer que
seja. Continuarei falando, escrevendo o que bem quiser, o que bem entender,
mas, sem ferir a dignidade de ninguém. Falar o que devo, falarei sempre.
A minha vida é livre de amarras,
salvo o que me prende por força do meu caráter. Ademais, diga o que quiser,
quem vive à cata de tentar denegrir os outros. A mim, nada me faz recuar do que
tenho a dizer, quando quiser dizer. Quem quiser falar de mim, nominando-me ou
não, pode falar, por si ou a serviço de quem for. Veneno é para ser destilado
por quem vive para isso. Até o limite do juridicamente ponderável.
Em 1974, aos 19 anos, tornei-me, a
convite de um jornalista gaúcho, Xavier, correspondente do Diário de Aracaju,
da rede dos Diários Associados, e que funcionava no prédio da Av. Rio Branco,
onde também funcionava, em cima, a Rádio Jornal, que, outrora, pertencera ao
grupo político ligado ao antigo PSD, e, na parte de baixo, o Diário. Aliás, por
coincidência, a minha família, em Dores, era ligada ao PR, chefiado por “seu”
Tota (Antônio dos Reis Lima), coligado com o PSD de Juca do Caípe, embora
muitos dos meus familiares tivessem amizade sólida com a família do chefe da
UDN, Manoel Paes de Santana, avó materno do atual presidente do TJ, Des.
Ricardo Múcio.
No ano em que eu nasci, 1955, deu-se
a eleição para presidente da República, na qual saiu vencedor Juscelino
Kubitschek. No dia em que as emissoras de rádio anunciaram a vitória de JK, meu
pai, que tinha 22 anos, meteu-se a comemorar a eleição do seu candidato e foi
preso, pela manhã, porque a polícia era ligada à UDN, cujo governador do Estado
era Leandro Maciel, da mesma UDN.
Meu pai seria solto dentro de poucas
horas. Porém, à tarde, voltou a ser preso, juntamente com outros homens da
família, pelo mesmo motivo: era proibido comemorar a vitória do candidato no
qual eles votaram. Não demoraram muito tempo no quartel da esquina da Rua Barão
do Rio Branco com a Rua Jackson de Figueiredo, sede da delegacia. Foram soltos
exatamente pela interferência do chefe local da UDN, acima referido. “Seu”
Maneca do Poção, como era popularmente conhecido, era um homem de paz, que
sabia respeitar os adversários. Daí a amizade entre as nossas famílias.
Ainda em 1974, eu mandei uma matéria
para o Diário, que dizia respeito ao espancamento que um rapaz sofrera nas
dependências da delegacia de polícia. Naquele tempo, os delegados de polícia
eram oficiais da Polícia Militar, da ativa ou reformados. No caso de Dores, naquele
momento, estava um coronel reformado.
A matéria denunciava os maus tratos
sofridos pelo preso, que fora detido por algo de menor ofensividade. Quando o
jornal foi distribuído na cidade, pois eu tinha angariado umas três dezenas de
assinantes, o delegado virou-se numa serpente. Na cidade, correu o boato de que
ele iria prender o correspondente. Pouco liguei.
O juiz de direito e o promotor de
justiça eram dois dos assinantes do Diário. O Fórum funcionava no andar
superior da Prefeitura Municipal, que era um casarão do fim do século XIX, onde
residiu Firmiano Andrade, vendido depois à Municipalidade, mas que fora
demolido no final da década de 1970, para dar lugar à sede atual da Prefeitura.
Uma pena! Quando circulou o boato acima mencionado, ambos, juiz e promotor,
chamaram-me e disseram para eu não temer nada. Eu trabalhava na Prefeitura, na
gestão profícua do prefeito Paulo Garcia Vieira (1973-1977).
O coronel-delegado estava há pouco na
função. Não me conhecia, mas soube que eu trabalhava na Prefeitura. Mandou me
chamar por um soldado. Eu fui. Alguém da Prefeitura avisou ao promotor, Dr.
Arquibaldo Mendonça. Na delegacia, jornal à mão, o delegado perguntou se fui eu
mesmo que mandei aquela matéria. “Sim”, respondi. “Você tem prova de que o
sujeito foi espancado aqui”? Respondi: “Tenho, porque ele saiu daqui e foi
direto à Prefeitura, pedir uma guia de consulta médica para o Dr. Jaí (que
ainda mora em Dores, graças a Deus, tendo prestado ali inestimáveis serviços à
população) e estava com hematomas nas mãos e nas costas”. O pobre rapaz tirou a
camisa, para mostrar a Dona Nicolina Menezes, porteira da Prefeitura, o seu
estado lastimável. “Você sabe que eu posso lhe prender”? Quando ele disse isso,
adentrou ao recinto o Dr. Arquibaldo.
Em resumo: poucos dias depois, o
coronel-delegado foi substituído. E eu continuei correspondente do Diário de
Aracaju.
*Padre, advogado, professor do Departamento de Direito da Universidade Federal de Sergipe, doutor em Educação, membro da Academia Sergipana de Letras, da Academia Sergipana de Letras Jurídicas, da Academia Sergipana de Educação e do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe.
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