segunda-feira, 24 de julho de 2023

SERGIPE PROVINCIAL, ESCOLA PÚBLICA E FINANÇAS


  

 

José Lima Santana*

 

 

Em 1798, Sergipe contava com apenas duas cadeiras de ler e escrever, situadas em São Cristóvão e Santa Luzia. Em 1828, existiam 24 cadeiras públicas. Em 1834, eram 29 cadeiras de primeiras letras, sendo 25 de meninos e 04 de meninas, como nos diz Maria Thetis Nunes (História da Educação em Sergipe, 1984, p. 29, 46 e 55).

Em 1835, quando passaram a funcionar as Assembleias Legislativas Provinciais, na Província de Sergipe, a educação pública primária ainda era muito restrita. Do mesmo modo, restritas também eram as vilas, muitas delas assentadas em lugarejos de difícil acesso e precária comunicação em relação à velha capital, São Cristóvão, única cidade existente em Sergipe, quando da independência brasileira, em 1822. Os povoados espalhavam-se, ainda mais distantes e ainda mais pobres do que as vilas.

A partir de 1820, grandes, sem dúvida, foram as dificuldades financeiras da Província, que se arrastava penosamente na vida político-administrativa. A antiga sujeição à Bahia, ainda lhe pesava. A falta de uma estrutura administrativa eficaz nas primeiras décadas após a separação em relação à Província vizinha, não lhe permitia fazer significativos progressos em vários setores da vida pública, como era o caso da prestação de serviços públicos, e, mais de perto, da educação pública primária, embora, antes mesmo de 1835, as despesas imperiais com a instrução pública em Sergipe apresentavam-se maiores do que em algumas outras Províncias.

Minguados eram os recursos financeiros da pequena Província. Para piorar a situação das finanças públicas sergipanas, o descalabro parecia ter-se instalado na Inspetoria do Tesouro da Província, em 1835, quando o inspetor da referida Repartição foi acusado pelo presidente da Província, Manoel Ribeiro da Silva Lisboa de ter efetuado “saques sobre diversas quantias dos fundos d’esta Província arrecadados na Bahia, todos prejudiciais à Fazenda Pública, e classificados pelo Conselheiro Procurador Fiscal do Tesouro [...] em espécie de peculato, e sem precederem as necessárias fianças contra as disposições de todas as leis em vigor, como se vê das copias juntas, e até sem submeter, como lhe cumpria, ao conhecimento e aprovação deste Governo os que fizera a favor dos remitentes Luiz Barboza Madureira e David Antônio e Companhia; tendo na devida consideração o que me incumbe o meu Regimento, e dispõem o artigo 156 do Código Penal, ordeno a v. m. passe a fazer efetiva a responsabilidade ao sobredito Inspetor, que por isso se acha suspenso do exercício de suas funções, procedendo contra ele pelo que dito fica na forma da atual Legislação, e instruindo o processo respectivo com o corpo de delito, que fará basear na presente ordem, e mais papeis, que a acompanham” (Relatório de Todos os Atos do Governo da Província de Sergipe. Bahia, Typ. Do Correio Mercantil, de Précourt e Co., 1835, p. 36).

Pelo exposto, pode-se depreender que as dificuldades financeiras da Província se agravavam ainda mais em face do descalabro administrativo, embora tenha-se aqui um fato isolado, porém, representativo. O que isso tinha a ver com a escola pública primária? Em princípio, nada de aparente. Mas, no fundo, a falta de recursos financeiros atingia toda a gestão pública. E exatamente a partir daquele ano, ou seja, 1835, as Províncias já tinham as suas respectivas Assembleias Legislativas instaladas, para legislar, inclusive, sobre o processo educacional, e a gestão escolar era própria, em cada Província, e não mais imperial. A gestão pública não podia se desprender das finanças públicas. Sem estas, de forma satisfatória, aquela se tornava ainda mais difícil de ser empreendida a contento e em todos os seus setores.

Naquela época, as escolas públicas primárias pertenciam ao governo provincial. Não havia, ainda, escolas municipais. Em Sergipe, estas somente apareceriam a contento na era republicana. O século XIX foi, em termos de administração pública, o século das Províncias, em detrimento dos Municípios. Aquelas não tinham autonomia administrativa plena em relação ao governo imperial. E estes, ou seja, os Municípios, não tinham como manter autonomia em relação às Províncias, posto que as finanças municipais eram, destarte, insignificantes. Sem finanças, não havia falar em autonomia municipal para valer. Além disso, havia de considerar que o Ato Adicional nº 1, de 1834, garroteou a autonomia municipal, ao retirar da Câmara de Vereadores o poder de continuar editando as posturas municipais, que, doravante, passariam a ser votadas pela recém-criada Assembleia Legislativa Provincial mediante propostas advindas das próprias Câmaras.

 

 

*Padre, advogado, professor do Departamento de Direito da Universidade Federal de Sergipe, doutor em Educação, membro da Academia Sergipana de Letras, da Academia Sergipana de Letras Jurídicas, da Academia Sergipana de Educação e do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe.

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