José Lima Santana*
Mulher, pelo amor de Deus, tome
tento! Você acha pouco o que já passou na vida? Olhe ao seu redor. Você já
casou e descasou duas vezes, já se amigou umas três e nunca prosperou nada de
seu. Esqueça que seu tataravô foi um tal barão. Barão...! Isso conta o quê?
Nada.
Desculpe, mas você me conhece. Não
tenho papas na língua. Cadê a fortuna do seu avô? Os engenhos, as fazendas, o
banco? Foi tudo para o beleléu. Não sobrou nada. Seus irmãos, como vivem? Um
tornou-se empregado dos Correios, emprego arranjado pelo deputado Leite Neto,
junto ao presidente Juscelino. O outro virou representante comercial. Este até
conseguiu andar direito na vida. O terceiro vive de uma mísera aposentadoria do
Estado, e ainda bem que tem uns tostões para não morrer de fome. Suas duas
irmãs até que não se desgraçaram nos casamentos. Ana Célia casou com um gerente
do Banco do Brasil. Rosa Maria agarrou o filho do deputado Ananias, cheio da
grana.
E você, Ana Maria? Casou com um
bonitão, porque era bonitão, e ele pensava que daria o golpe do baú, só porque
sua família ainda morava no casarão da Rua de Pacatuba. Propaganda enganosa.
Jorge não passava de um salafrário, mulherengo, jogador, safado, que lhe deixou
por uma ricaça de Salvador. E você ficou com dois filhos pequenos.
Sorte sua, em parte, que casou sem
papel passado com “seu” Britinho, bem aposentado da Receita Federal, que ajudou
a criar seus filhos, mas você, com a cabeça virada por um peste de cantor de
banda de forró – um sacrilégio! –, mandou o velhote passear, depois de onze anos
com ele.
E o cantor? Dormiu com você quatro ou
cinco noites, sei lá, e, a bem da verdade, você ainda era um tipo de mulher de
dar gosto a qualquer homem. O que aconteceu? Você, de cabeça virada, entrou em
depressão. Quase se foi. Se não fosse o Dr. Zé Hamilton, que era amigo do seu
pai, você tinha entrado em parafuso. Louve a Deus pela assistência que o Dr.
Hamilton lhe deu!
Ana Maria, minha nêga, você ainda
teve sorte que o deputado Robertinho se engraçou por você e lhe botou no
gabinete dele com um CC de bons trocados, por dois mandatos. Todo mundo dizia
que você tinha um caso com ele, mas você sempre negou. Acredito em você, até
porque nunca me escondeu suas trapalhadas. Quando ele perdeu a última eleição,
você ficou sem nada.
O seu filho Aroldo José e o seu
genro, Dr. Honorato, nunca lhe deixaram passar fome. Sorte grande a sua. Mas
você nunca perdeu a vaidade. Coberta de bijuterias finas, imitações de joias
verdadeiras, indo ao salão de beleza toda sexta-feira, embora devendo um bom
pedaço à pobre da Zuleica – veja se toma vergonha na cara e paga o que deve a
ela, pois Marize, que lava os cabelos das clientes, por conta própria ou a
mando da patroa, tem lhe lascado. E ainda conseguiu pagar um botox, aqui para
nós, bem vagabundo. Olhe direito para a sua cara, mulher. Parece que as
bochechas botocadas são salsichas vencidas. Um horror. E você me agradeça que
sou a única amiga que você tem que diz a verdade na sua cara. Nunca lhe iludi.
Mulher, tome prumo uma vez na vida.
Se enxergue. Onde você mora? Num apertamento de dois quartos, num prédio de
quatro andares sem elevador. Mesmo assim, agradeça a Deus, porque mora no que é
seu. Você jogou sua vida fora. E não venha me dizer que Deus não olha para
você.
Deus tanto olha que deve ter se
cansado. Você é que não toma prumo. Veja agora: suas amigas ricas, as do seu
tempo do Colégio das Freiras, vão comemorar cinquenta e cinco anos de
formatura. Formatura, não. Conclusão do curso ginasial. E vão fazer um encontro
em Paris.
Aí está você, que pensa que sabe francês,
só porque diz Bonjour e outras besteiras na língua de Édith Piaf, querendo
botar-se para Paris com suas ex-colegas. Mulher, se assunte. Bote a cabeça no
lugar. Não está vendo que isso não vai dar certo? Comprar um pacote de viagem
pelos olhos da cara, para pagar em dez vezes, com qual dinheiro?
Se você não tivesse virado a cabeça e
outra coisa mais para o cantor de forró, e tivesse ficado com o velhote da
Receita, hoje estaria com uma gorda pensão. Aí, sim, poderia ir a Paris,
Londres, Moscou, Tóquio, Nova York e fosse lá para onde fosse. Mas, não,
preferiu ouvir aquele sarará com cara de melão maduro cantar aos seus ouvidos
“Lá no um pé de serra / deixei ficar meu coração”. Pois o seu coração não ficou
em lugar nenhum.
E ainda veio me dizer, na semana passada,
que sabe que o seu príncipe encantado vai chegar. Eu fiquei bolada. Será que
alguma abelhinha anda zumbindo nos ouvidos de Ana Maria? Será que ela está
arrastando asas por alguém? Um príncipe encantado! Será o velho da cabeça
branca? Santo Deus dos céus! Deve estar perdendo o juízo.
Mulher, se enxergue. Você já passou
dos setenta. Ainda está um pouco empinada, mas é só. Não estou lhe
desmerecendo, até porque eu sou mais velha. Porém, você acha que a essa altura
da vida, vai lhe aparecer um príncipe, montado num cavalo branco, para espanto
da galera, como dizem os meus netos? Bem, tomara que apareça alguém que lhe
console no fim da vida, que lhe ajude a atravessar o portão do purgatório
terreno, que é essa fase da idade que estamos atravessando. Os setenta anos! Um
descer de ladeira.
Ana Maria Bueno de Souza Brites,
minha amiga querida, você merece um final de vida tranquilo, sem os
corre-corres e os atropelos que você tem vivido a vida toda. Ah, amiga! Eu lhe
quero tanto bem, e você sabe disso. Rezo por você todas as noites. E tenho até
perguntado: Meu Deus, será que eu não sei rezar? Mas, confio em Deus, no nosso
Jesus e na sua santa Mãe, que você não vai se acabar à míngua. E sabe que pode
contar comigo. Eu posso ter a língua solta, mas é para tocar nos seus miolos,
para acender a luzinha da razão.
Ah! E para encerrar o meu trololó,
venha almoçar comigo no sábado. Tenho novidades para contar. Vou mandar fazer a
lasanha de frango que você tanto gosta. E uma cervejinha sem álcool. Pronto. Já
falei demais. Agora, venha cá com os seus assuntos. Bote-os em dia, querida.
Àquela altura, a tarde despedia-se do
mundo. A boca da noite aproximava-se. Logo mais, o céu estaria pipocando de
estrelas. Sentida, mas, resignada, Ana Maria, amiga da boca-rota Esmeralda,
deixou-se afundar no sofá, alisando a cabeça da gata Flor de Lis. Não disse
nada, a não ser: “A gente conversa no sábado. Você vai ter que me ouvir
também”. Desligou o telefone.
*Padre, professor do
Departamento de Direito da Universidade Federal de Sergipe, membro da Academia
Sergipana de Letras, Academia Dorense de Letras, Academia Sergipana de Letras
Jurídicas, Academia Sergipana de Educação e Instituto Histórico e Geográfico de
Sergipe.