domingo, 26 de junho de 2022

PANDEMIA DE DOENÇAS MENTAIS


  

 

Antônio Carlos Sobral de Sousa*

 

  

A pandemia que reluta em acabar, escancarou a falta de atenção à saúde mental da população mundial, negligenciada pelas autoridades competentes. Segundo um relatório da Organização Mundial da Saúde (OMS), divulgado no início do ano, a prevalência global de ansiedade e depressão incrementou em 25%, somente no primeiro ano da virose.

Vale ressaltar que este aumento de transtornos mentais coincidiu com fechamento da maioria dos serviços ambulatoriais, por conta das restrições impostas pela desconhecida virose, promovendo, perigosamente, consideráveis lacunas no acompanhamento daqueles que mais necessitavam.

A dificuldade para o atendimento presencial fez com que muitas pessoas buscassem suporte online, esbarrando na carência de ferramentas digitais confiáveis, eficazes e de fácil acesso. No entanto, desenvolver e implantar tais tecnologias, particularmente útil em um país com dimensões continentais como o nosso, constitui um grande desafio em decorrência da limitação de recursos para tal fim.

O tema também foi abordado em um artigo recém-publicado no conceituado periódico JAMA (doi:10.1001/jama.2022.10241) o qual destaca que uma em cada oito pessoas, em todo o mundo, apresenta algum tipo de transtorno mental, alertando, ainda, para situações mais graves como o suicídio, responsável por uma em cada cem mortes, constituindo a principal causa de óbito em adolescentes.

Todavia, a maioria dos governos destina, em média, apenas 2% de seus orçamentos em saúde para a prevenção e tratamento das doenças mentais. A situação é mais dramática nos países menos abastados, que destinam, para este fim, parcelas ainda menores. Dada a escassez, per capta, de psiquiatras em países de média e baixa renda, aproximadamente 71% dos portadores de psicoses não têm acesso ao tratamento adequado.

Como resultado, a doença mental é uma das principais causas de incapacidade em todo o mundo, promovendo um enorme custo financeiro. O Fórum Econômico Mundial estimou que as condições clínicas que resultam em incapacidade mental custaram, US$ 2,5 trilhões em 2010 e projetam uma majoração para US$ 6 trilhões até 2030.

Segundo os especialistas, a saúde mental tem comportamento fluido, mudando durante as vidas das pessoas à medida que elas enfrentam situações estressoras. A tensão emocional, sem precedentes, vivenciada nos tempos de pandemia, causada pelo isolamento físico imposto pelas restrições ao trabalho presencial, ao apoio de entes queridos e ao envolvimento comunitário, contribuiu seguramente para a explosão de casos de transtornos de ansiedade e depressão, sobretudo nos países mais afetados pela virose.

A solidão, o medo de se infectar, o sofrimento e a morte de pessoas queridas, além do luto e de preocupações financeiras, são, também, estressores não desprezíveis. Entre os profissionais de saúde, a exaustão tem sido considerada um importante gatilho para o pensamento suicida.

Finalizo, citando o diretor-geral da ONU, Tedros Adhanom Ghebreyesus: “as informações que temos agora sobre o impacto da COVID-19 na saúde mental do mundo são apenas a ponta do iceberg”.

 

 

* Professor Titular da UFS e Membro das Academias Sergipanas de Medicina, de Letras e de Educação.

MAIS VIOLÊNCIA


 


 

 

José Lima Santana*

 

 

Violência. Mais violência. Até quando homens estupidamente animalescos, prepotentes, ridículos, malfazejos, antissociais, brucutus, impotentes para se afirmarem, verdadeiramente, como homens e como machos na precisão da palavra – e não como machos, na expressão mais vulgar e rasteira possível –, vão continuar à solta como um bando de ratazanas indesejáveis?

Fazem parte da mais endiabrada escória social, que perambula por aí como maníacos a merecer o repúdio da sociedade dita civilizada. O homem que não tem atrativos, nem sabe usar de meios corteses para conquistar (não sei se esse é o verbo certo a ser usado nos dias de hoje) uma mulher, deve rever sua condição de homem na essência da palavra.

Educar-se. Saber portar-se. Ser homem. E não sair por aí importunando as mulheres, querendo uma conquista fácil, do tipo “momento a descartar logo depois”. Um aconchego, um beijo, uma dança, se estiver num lugar festivo, como sói acontecer nesses dias de muito forró, após dois anos de reclusão junina por conta da pandemia?

Tudo bem, se for na base do consenso. Porém, se o descarado não tem moral, como se diz na gíria, para despertar o interesse de uma mulher, se é desprovido de encanto ou de educação, para atrair a si os olhos ou o coração de uma mulher, que se enxergue, faça que vai ao banheiro químico e saia de fininho.

Todavia, um imbecil que se vê recusado por uma mulher e parte para a agressão física – ou poderia ser apenas psicológica ou verbal, pouco importava –, machucando a pessoa, merece todo o repúdio da sociedade e a devida reprimenda criminal.

Uma advogada – ou que fosse uma mulher de qualquer outra forma de exercício profissional – veio a ser atacada por um brutamontes, um malfeitor, incompetente, rasteiro, vil, nos festejos realizados na semana passada, dia 13, em Itabaiana. Razão? Ela se recusou a dançar com ele. Não o quis. Ou não aceitou ser importunada. Direito dela. Acabou espancada por um “bêbado”, como ele se considerou.

As notícias veiculadas na quarta-feira, 15, davam conta de que o agressor tinha sido identificado. É um sujeito de 21 anos, que, segundo se noticiou, prestou depoimento à Polícia e, como manda o sistema jurídico processual penal pátrio, a carecer de reformas, foi liberado, por não ter sido preso em flagrante.

Uma aberração do nosso sistema jurídico, que teve sua origem na maldita Lei Fleury, de 1973, no auge do regime militar, para acobertar um delegado paulista, que atuava no famigerado DOPS e comandava o chamado “esquadrão da morte”. Aberração que nós o afirmamos, enquanto atuante na advocacia, há 42 anos, e no magistério jurídico, há quase 30. Nunca fomos a favor dessa Lei.

O agressor, pelo que se veiculou nas mídias, numa entrevista após prestar depoimento na delegacia, tentou, por assim dizer, esconder-se por trás de uma Bíblia, ao deixar-se fotografar com uma na mão. Dissimulado! Tentou esconder sua mísera covardia, sua baixeza desprezível por trás de um exemplar do Livro Sagrado dos cristãos.

Muitos homens banais fazem isso mesmo. Verme repugnante, como todos os outros vermes agressores, que possam agir sob qualquer forma de agressão. Parabéns ao entrevistador e, posteriormente, comentarista. Não descartamos, contudo, que o agressor tenha, de verdade, se arrependido. Pode ser.

Não o julgamos, nesse particular. Não nos caberia fazer um juízo de valor sobre o seu arrependimento ou não. Mas, como ele mesmo disse, na entrevista, que venha a pagar pelo que fez, judicialmente. Pague no contado.

Daqui o nosso protesto contra o agressor e contra todo tipo de agressão, especialmente em desfavor da mulher. Daqui a nossa estrita solidariedade à colega de carreira advocatícia, Luciana Costa, que não a conhecemos. E pedimos ao presidente da OAB (SE), que não descuide de fazer acompanhar todo o desenrolar desse caso.

Que bom seria se todos os casos de agressão contra as mulheres ou contra quaisquer outras pessoas tivessem a visibilidade que este caso vem tendo. Seria um ganho imenso para a sociedade.

No rastro da violência desses últimos dias, os assassinatos do jornalista inglês Dom Phillips e do indigenista Bruno Araújo Pereira, mortos à queima-roupa, tendo seus corpos esquartejados, incendiados e enterrados em uma área nas proximidades da comunidade São Rafael, quase no limite da Terra Indígena Vale do Javari, em Atalaia do Norte, no Amazonas.

Uma das vítimas, alguém o disse, “não era bem vista por ali”, porque denunciava os desmandos de garimpeiros, pescadores e madeireiros ilegais, além de outros fora-da-lei, que fazem dali o seu reduto para o cometimento de crimes. Falta a presença mais incisiva de agentes federais por aquelas bandas. Faltam políticas públicas que assegurem tranquilidade a todos por ali, especialmente aos povos originários, e possam assegurar a preservação ambiental.

Para finalizar, na segunda-feira, 20, um procurador municipal, no interior paulista, agrediu de forma violenta, no ambiente de trabalho, a sua colega-chefe, por ter aberto um procedimento administrativo contra ele, exatamente por causa de outra agressão. Agressor contumaz. Um bandido desse é formado em Direito! As cenas foram grotescas, horrorosas, próprias de um troglodita. Outro verme a merecer a mais dura reprimenda administrativa e penal, além de severa punição perante a OAB de São Paulo.

A violência não dá trégua, como temos visto, no dia a dia, no nosso país e em várias partes do mundo. Mas, às vezes, a violência encontra inspiração em falas e gestos de muita gente, até mesmo de autoridades, que deveriam se conter em nome da decência, do bem-estar, da harmonia social e da paz.

Nunca nos esqueçamos da violência, partida de vários arraiais, pelos tempos afora, contra a coisa pública. E esses últimos casos de violência continuam aflorando, vergonhosamente. Entra governo, sai governo...

 

 

*Padre, advogado, professor do Departamento de Direito da Universidade Federal de Sergipe, doutor em Educação, membro da Academia Sergipana de Letras, Academia Dorense de Letras, Academia Sergipana de Letras Jurídicas, Academia Sergipana de Educação e Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe.

terça-feira, 14 de junho de 2022

AS MÁSCARAS CAIRAM MUITO CEDO!


  

 

Antônio Carlos Sobral Sousa*

 

 

Passada a terceira onda da Covid-19, protagonizada pela variante Ômicron, começaram a vigorar as medidas de flexibilização tanto para o uso de máscaras, como para o distanciamento físico. O clima de festas foi tomando conta da população, que estava sedenta por grandes eventos e até carnaval fora de época aconteceu, nas duas maiores cidades do país. Para muitos a pandemia havia acabado...

Todavia, nos últimos 30 dias o Brasil registrou uma alta de quase 80% de casos novos da virose. Estes números podem estar subestimados, em decorrência da redução das testagens, mesmo na presença de sintomas sugestivos da doença e da disponibilidade dos autotestes em farmácias, cujos resultados não são oficialmente contabilizados.

A presença de cepas com alta transmissibilidade, o relaxamento de medidas preventivas e a redução da imunidade meses após a vacinação podem explicar o aumento de casos, caracterizando, provavelmente, a quarta onda da Covid-19. Segundo boletim epidemiológico da Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz), quase metade dos casos de SRAG (Síndrome Respiratória Aguda Grave) ocorridos em meados de maio, foram de Covid-19. No entanto, é bom frisar que os imunizantes contra o SARS-Cov-2 continuam a funcionar para a prevenção de casos mais graves da doença, responsáveis por hospitalização e morte.

Pesquisas realizadas em diferentes centros demonstraram que o esquema completo de imunização reduz em 20 vezes a chance de um indivíduo morrer da virose. Apesar desta constatação, tem sido verificada, com preocupação, uma estagnação no crescimento vacinal da população brasileira, além da desaceleração da curva de cobertura de terceira dose, especialmente pela adesão substancialmente menor de adultos à aplicação da dose de reforço. Por outro lado, o uso de máscara, mesmo em ambientes fechados, vai se tornando cada vez mais raro, fazendo com que aqueles que insistem em utilizar o valioso instrumento de proteção se sinta um verdadeiro “estranho no ninho”!

Uma percentagem significativa de partículas infecciosas exalada por uma pessoa doente fica retida na máscara, diminuindo a propagação viral. Portanto, quanto maior a quantidade de “mascarados”, mais seguro se torna o “baile”! Vale ressaltar que existem evidências de que a máscara protege o usuário, mesmo que aqueles ao seu entorno não a estejam usando. Considere-se ainda que o grau de proteção depende, também, da qualidade da máscara (as N95 são as mais eficazes) e do seu uso adequado.

Os mais de dois anos de pandemia, com as sucessivas ondas, deixaram como legado para a humanidade a necessidade de se respeitar tanto o ardiloso SARS-Cov-2, como a Ciência, que conseguiu demonstrar a importância das vacinas como principal arma de combate ao vírus. Finalizo citando o francês Louis Pasteur: “Os benefícios da ciência não são para os cientistas, e sim para humanidade”.

 

 

* Professor Titular da UFS e Membro das Academias Sergipanas de Medicina, de Letras e de Educação.

A ÉTICA EM EVOLUÇÃO A PARTIR DOS DIÁLOGOS


  

 

José Lima Santana*

 

 

Como é por demais sabido, a discussão sobre ética remonta à Antiguidade grega. Naquele período, filósofos como Sócrates, Platão e Aristóteles buscavam produzir um conhecimento capaz de fornecer respostas absolutas para todos os tipos de questionamento humano.

Na obra “Ética a Nocômaco”, Aristóteles sistematizou padrões de comportamento ético no relacionamento entre os cidadãos. Para ele, a principal forma de exercitar o comportamento ético era através do diálogo. Nos diálogos, os cidadãos exercem a arte do contraditório, na qual as frases emitidas possuem um padrão de verdade e mentira.

Há quem cultive a verdade, mas há, também, quem gosta das mentiras, criando-as ou disseminando-as. Na obra citada, diz Aristóteles que “é verdadeiro que a conduta do homem virtuoso é frequentemente orientada pelos interesses de seus amigos e de sua pátria [...]. Ele abrirá mão da riqueza e do poder e de todos os bens que os homens lutam para conquistar se [só com isso] puder assegurar a nobreza para si mesmo” (2002, p. 255).

Podemos dizer, então, que ética “é a ciência do comportamento moral dos homens em sociedade”, citando Adolfo Sanchez Vasquez (Apud José Renato Nalini, 1999, p. 34).

Qual a finalidade da ética? Dizem que a sua finalidade é a descoberta do bem absoluto. E tal bem seria a felicidade. Para Aristóteles, a felicidade, enquanto bem absoluto, estaria no exercício, firme e constante, da virtude. Na lição de Nalini, “não basta um ato virtuoso de quando em quando. A virtude é a atualização do que lhe é próprio. O homem virtuoso é aquele que mergulha no desenvolvimento integral de suas faculdades” (1999, p. 50).

Eduardo Bittar e Guilherme Almeida mostram a dinâmica existente entre o indivíduo e a sociedade, no que concerne à ética. Dizem: “O indivíduo produz conceitos e padrões éticos e envia-os à sociedade, assim como a sociedade produz padrões e conceitos éticos e envia-os (ou inculca), por meio de suas instituições, tradições, mitos, modos, procedimentos, exigências, regras, à consciência do indivíduo. É dessa interação, e com base no equilíbrio dessas duas forças, que se pode extrair o esteio das preocupações ético-normativas” (2001, p. 446).

José Eduardo de Castro Farias, analisando o pensamento aristotélico no que concerne à ética, afiança: “Aristóteles pensou as virtudes como algo que se desenvolve essencialmente dentro do espaço político. A sua obra “Política” é apresentada como continuação da Ética.

O conteúdo da ética é considerado político. A política define a ética ao transformar o indivíduo em cidadão. A liberdade do indivíduo está na sua cidadania. Os cidadãos são partes integrantes da polis, não há homem livre fora da polis, fora da comunidade, pois ‘o todo deve necessariamente ter precedência sobre as partes’.

A virtude humana é histórica. A virtude pressupõe um ser e um agir como os outros, ou seja, ela pressupõe indivíduos relacionando-se entre si, constituindo ao mesmo tempo um fato biológico e cultural. O homem nunca é um ser isolado; a sua felicidade só pode ser alcançada na medida em que o homem é um animal político que vive na Cidade-Estado, na polis, na comunidade. Portanto, as questões éticas são relativas à estrutura da polis, uma vez que a virtude encontra o seu lugar não apenas na vida do indivíduo, mas na vida da cidade, e ‘o indivíduo é realmente inteligível somente enquanto zoon politikón’” (2004, p. 5-6).

Vemos que há um forte entrelaçamento entre o homem e a comunidade dos homens, entre o que constitui a ética individual e a ética social. A ética cristã não ficou alheia a isso. Disseminada por todo o Ocidente, sofreu percalços ao longo dos tempos, e começou, por fim, a entrar em declínio nos meados do século XX.

Nalini afirma que “nunca foi tão necessário, como hoje se mostra, reabilitar a Ética”. E continua: “A crise da Humanidade é uma crise moral. Os descaminhos da criatura humana, refletidos na violência, no egoísmo e na indiferença pela sorte do semelhante, assentam-se na perda de valores morais. De nada vale reconhecer a dignidade da pessoa, se a conduta pessoal não se pautar por ela” (1999, p. 34).

Para Farias, “as ações são morais quando dirigidas por uma ética intersubjetiva de solidariedade”. Sobre a solidariedade, é preciso observar o disposto no art. 3°, inciso I, CF, que diz ser objetivo da República Federativa do Brasil, dentre outros, “construir uma sociedade livre, justa e solidária”.

Na liberdade constitui-se a justiça e, por meio desta, chega-se à solidariedade. Ora, “um homem é um ser racional, mas não é um ser solitário, ele é um ser social. Na medida em que o homem é um ser social, os fins morais são também sociais. O fim da ação é moral quando conduz à realização do ‘eu’ como ser solidário. A nossa moralidade reside na nossa conduta social, pois é como seres solidários que somes seres morais” (Farias, 2004, p. 306).

Enfim, quando alguns – ou muitos – dos políticos brasileiros e seus seguidores mais empedernidos vão considerar em suas vidas e ações a questão ética? Para esses, o que é ética? O velho do rio, que vira sucuri? Pois é: pode ser apenas uma novela pantanosa, na qual sucuris matam suas presas por asfixia. Muitos, no Brasil, estão matando sob as mais variadas formas. E isso é absolutamente antiético.

Referências: 1) Aristóteles. Ética a Nicômaco. Tradução de Edson Bini. São Paulo: Edipro, 2002.2) Bittar, Eduardo C. B. et Almeida, Guilherme Assis de. Curso de Filosofia do Direito. São Paulo: Atlas, 2001. 3) Farias, José Fernando de Castro. Ética, Política e Direito. Rio de Janeiro: Lumen Juris Editora, 2004. 4) Nalini, José Renato. Ética Geral e Profissional. 2 ed. São Paulo: RT, 1999.

 

 

*Padre, advogado, professor do Departamento de Direito da Universidade Federal de Sergipe, doutor em Educação, membro da Academia Sergipana de Letras, Academia Dorense de Letras, Academia Sergipana de Letras Jurídicas, Academia Sergipana de Educação e Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe.

terça-feira, 7 de junho de 2022

VACINAS CONTRA A COVID 19-19


  

 

Jorge Carvalho do Nascimento*

 

  

Um reconhecido profissional liberal, que fora meu colega do curso Científico (atualmente, Ensino Médio) do Colégio de Aplicação da Universidade Federal de Sergipe, sugeriu que eu abordasse o tema das “Vacinas Experimentais” contra a Covid-19.

Esta denominação tem sido utilizada por muitos negacionistas para passar desinformações a respeito dos imunizantes, a despeito de que os mesmos já tenham se constituído em estratégia essencial de combate à pandemia. As vacinas disponíveis em nosso país já foram aprovadas pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), sendo algumas liberadas de maneira emergencial e outras já com o registro definitivo.

Vale ressaltar que toda droga, para receber o consentimento da Anvisa, deve passar por três etapas de investigação, para que sejam constatadas a eficácia, a segurança e a qualidade das mesmas. Os imunizantes contra a Covid-19 cumpriram todo esse ritual e encontram-se na fase de farmacovigilância, quando são acompanhados para o eventual surgimento de efeitos ou reações diferentes das observadas nas fases experimentais.

Todas as vacinas administradas no Brasil, demonstraram, também, excelente efetividade (resultado do tratamento no mundo real), sobretudo para os desfechos graves (internação ou óbito), com proteção que varia entre 83% e 99%, em indivíduos com idade de 20 a 80 anos.

Estudo realizado no Brasil e recentemente publicado na Nature (DOI:  10.1038/s41591-022-01701-w) evidenciou, ainda, que a dose de reforço da BNT162b2 (Pfizer-BioNTech), aplicada seis meses após a segunda dose da CoronaVac (Sinovac Biotech), promoveu e expressiva efetividade de 92,7% contra a infecção e de 97,3%, contra hospitalização ou óbito pela referida virose.

Outra preocupação, largamente difundida nas mídias sociais, como forma de dificultar o programa de imunização, é o risco de efeitos adversos graves, sobretudo cardíacos, atribuídos a certos tipos de vacinas. Todavia, segundo estudo realizado pelo Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) americano, publicado no periódico JAMA (May 24/31, 2022;327:1951), o risco de desenvolver miocardite e outras condições inflamatórias do coração após o uso de vacinas que utilizam tecnologia de RNA mensageiro (como a da Pfizer), é substancialmente mais baixa do que após a infecção pelo SARS-CoV-2, após análise de registros eletrônicos de 15, 2 milhões de usuários, de 40 sistemas de saúde dos Estados Unidos.

O desenvolvimento rápido e sem precedentes das vacinas, menos de um ano após a decifração da sequência do genoma do novo coronavírus, foi, indiscutivelmente, um triunfo científico, favorecido por intensa cooperação entre instituições, grande disponibilidade de voluntários, muita exposição ao vírus e, substancial investimento aplicado pelos países mais abastados, os quais detiveram a maior quantidade de imunizantes produzidos.

Este último requisito foi motivo de um editorial publicado no icônico periódico New England Journal of Medicine (DOI: 10.1056/NEJMe2202547), alertando para a desigualdade mundial na distribuição das vacinas contra a Covid-19 apenas: 11% da população vacinável, dos países de baixa renda, recebeu pelo menos uma dose do imunizante.

Este cenário pode propiciar o surgimento de novas variantes que, eventualmente, podem “driblar” a imunidade promovida pelas vacinas vigentes.  Portanto, para vencermos esta “Peste”, temos que confiar nas vacinas, que devem ser encaradas como um instrumento de benefício público mundial.

Finalizo citando Albert Einstein: “Toda a nossa ciência comparada com a realidade, é primitiva e infantil. No entanto, é a coisa mais preciosa que temos”.

 

 

* Professor Titular da Universidade Federal de Sergipe e Membro das Academias Sergipanas de Medicina, de Letras e de Educação.

domingo, 5 de junho de 2022

ESCÓRIA


 

  

 

José Lima Santana*

 

 

Nicolau Maquiavel trouxe-nos a ética da convicção e da responsabilidade. Max Weber aprofundou os estudos sobre ambas. Nos dias correntes, faz-se preciso que tomemos atenção sobre elas. Há um vazio na ética. O mundo ético desmorona. A chamada ética das mídias não se sustenta em grande parte.

Não que as mídias sociais sejam de todo ruins. Pelo contrário. Ruins são muitas veiculações feitas nessas mídias por pessoas inescrupulosas, antiéticas. Pessoas que podem ser encontradas nos mais diversos segmentos da vida social e política. Homens e mulheres que deveriam dar exemplos de vida escorreita, mas que se aproveitam das mídias para divulgar suas convicções individualistas, por vezes banais, e as utilizam para espalhar as mais sórdidas mentiras, ou, como se diz correntemente, Fake News.

Mas, quem precisa de Fake News? Há celerados que buscam manipular as massas populares, e, há os seus apaniguados, que os idolatram de forma intolerante e imbecilizada, e que, também, por sua vez, não ficam para trás, nalguns postulados da intolerância.

A alteridade precisa ser respeitada. Por todos. Há, porém, um embate feroz entre dois lados, duas posições ideológicas. Aliás, como têm faltado ideologias neste País! O que comumente temos aí é um bocado de coisa nenhuma que aspira a ser ideologia. Longe disso. As ideologias, quaisquer que sejam elas, têm alicerce, sustentam-se. Muito do que temos aí, todavia, não passa de réstias, de posições individualistas a fazer fileiras. São rasteiras. São banais.

Vivemos num mundo em que se deve lutar pelo mal menor? Ora, o mal é sempre o mal. Maior ou menor. É como um caso de corrupção. Funda ou rasa, corrupção há de ser sempre corrupção. Nisso o Brasil está afundado e tende a afundar cada vez mais, por conta de determinada parcela dos políticos que aí estão. E não somente estes.

Nos três Poderes podem ser encontradas figuras ruins. E nós, do povo, como ficamos? É aí que entram alguns morcegos, do tipo que “morde” e “sopra”, para dizer que o povo também é metido em atos de corrupção. Corrupção em migalhas. Ou migalhas de corrupção.

Insisto: corrupção, rasa ou funda, é corrupção. Mas, o povo se espelha nos seus dirigentes. Trasímaco, pela voz de Platão, já dizia isso, na velha Grécia. Sim, não posso desculpar o povo, genericamente falando, quando falha nas percepções éticas. O povo erra. Por si mesmo ou induzido.

E como há indutores para levar o povo ao erro! Haveria uma deformação na composição do povo brasileiro? Não creio nisso. Há falta de educação, formativa e informativa. Educação? Muita gente nem está aí para ela. Os governos passam e a educação institucional só faz piorar, nos seus resultados, na sua efetividade.

As políticas ditas públicas não se afirmam como políticas de Estado, mas, sim, como políticas de governos, de grupos que “tomam de assalto o Poder” e buscam instrumentalizar, politicamente, o governo, que, na verdade, não lhes pertence. Afinal, governantes o são apenas por um tempo determinado, enquanto cidadãos o são por toda a vida, como bem lembra o jurista norte-americano Ronald Dworkin, no livro “O Império do Direito”.

Assusta constatarmos que está em curso a edificação de uma sociedade intolerante. Até porque, se um lado não tolera o outro, este não tolera aquele. A divisão é translúcida. Um lado é “bom” e o outro “não presta”. No oposto dá-se a mesma situação. Acusações mútuas. Mútua intolerância.

Quanto mais um lado da sociedade prega a intolerância e a manifesta expressamente em atos mínimos ou máximos, todos deploráveis, o outro lado também se arma e é levado a bater no mesmo tom. Ocorrem, então, os choques. Quebra-se a harmonia social. Quem lucra? Ninguém. Todos perdem. E o País desanda, depois de amargar tempos ruins, que se arrastam há anos.

Bem sei que muitos que haverão de ler este artigo, dos dois lados da “moeda social e política”, vão se mostrar intolerantes para com o autor. Pouco se me dá. Não escrevo para agradar ninguém. Nada devo. Entretanto, não devo ser intolerante. Critiquem-me. Não estarei a serviço de nenhum dos lados. Quero lembrar estas palavras de Agostinho: “As pessoas costumam amar a verdade quando esta as ilumina, porém tendem a odiá-la quando as confronta”.

Se somos intolerantes, como atender à principiologia constitucional, quando diz que “constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil [dentre outros] construir uma sociedade livre, justa e solidária” (art. 3º, inciso I). O intolerante jamais é livre, nem justo, nem solidário. Intolerante é escória. Esteja em qual lado estiver.

A República, até pela etimologia da palavra latina, somos todos nós, ou seja, o conjunto do povo brasileiro. E a República (coisa do povo) não pertence a ninguém, nem a qualquer grupo, pois é de todos. Dela, ninguém está acima. Não custa voltarmos para a compreensão da ética da convicção e da responsabilidade.

Quem não entende a ética da responsabilidade não pode entender a ação política. Partidos na oposição frequentemente fingem que ignoram essa realidade e fazem uso de um discurso calcado em uma ética de convicção ou de valores. Uma vez no poder, são obrigados a se adequar à realidade e a abandonar o discurso da convicção.

Para a ética da responsabilidade, maquiavélica ou weberiana, serão morais as ações que forem úteis à comunidade, e imorais aquelas que a prejudicam, visando apenas interesses particulares.

A escória que foge à ética anda solta. Cada mais vez mais solta. Bem, é por aí.

 

 

*Padre, advogado, professor do Departamento de Direito da Universidade Federal de Sergipe, membro da Academia Sergipana de Letras, Academia Dorense de Letras, Academia Sergipana de Letras Jurídicas, Academia Sergipana de Educação e Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe.

BOTARAM SAL NO DOCE DO GOVERNADOR

PÓ DE SOVACO DE MORCEGO

      José Lima Santana*     Zé Calango esbravejou diante do prefeito: “O que é que você pensa, seu cabeça de vento? Que o povo é ...