sábado, 31 de outubro de 2020

A SEGUNDA SÉRIE GINASIAL

                                                         Dom Távora


 

 

José Lima Santana*

 

 

Este artigo sequencia aquele publicado no dia 17 pretérito (“Iniciando o curso ginasial”). Aos treze anos, na segunda série do Ginásio, o mundo foi-se abrindo a passos largos. Muitas coisas aconteceriam. Numa reunião de pais, eu tive que acompanhar o meu pai. Foi numa quarta-feira à noite. A pauta da reunião era a majoração das mensalidades. O padre Araújo tinha morado no Canadá.

A sua visão era voltada para o atendimento das classes menos favorecidas. Ele era muito ligado a Dom Távora. Tanto que, com a morte do Arcebispo, em 1970, ele teve dificuldades de conviver com o novo Arcebispo e acabaria deixando o sacerdócio. Na reunião, o padre diretor fez uma proposta que só não recebeu a adesão de um pai de aluno. Este, lembro-me muito bem, disse que os pais que não pudessem pagar para os filhos estudarem, que os tirassem do Ginásio.

O diretor tinha proposto que os pais mais abastados pagassem NCr$ 10,00. Os remediados, NCr$ 5,00. E os de menores condições, NCr$ 3,00, que fora o valor da mensalidade do ano anterior, para todos. Meu pai, que era marchante, foi enquadrado entre os remediados.

A proposta do diretor foi, então, acolhida. De volta para casa com o meu pai, eu disse que, quando crescesse, queria ser diretor do Ginásio para ajudar os alunos pobres. Papai me olhou de soslaio e riu. Realmente, dez anos depois, em junho de 1978, o professor Nicodemos Correia Falcão, nomeou-me diretor do já Colégio Cenecista Regional Francisco Porto. E ali eu permaneci até outubro de 1997, quando me tornei professor efetivo da Universidade Federal de Sergipe.

Nos meus dezenove anos e quatro meses de direção, todo aluno pobre que quis estudar teve a oportunidade garantida. O jeito eu consegui dar sem onerar o Colégio. A Secretaria de Estado da Educação precisaria do espaço do Calasans, no turno noturno. Para onde iríamos? O padre Araújo foi bater à porta da Prefeitura. O prefeito Juquinha de Nonô (Antônio Cardoso de Oliveira) prontificou-se em buscar ajuda junto ao governador Lourival Baptista. Então, a Prefeitura adquiriu um terreno para a construção do prédio próprio do Ginásio. O governador topou a parada.

Em 30 de outubro de 1968 foi lançada a pedra fundamental do prédio do Ginásio. Além do terreno adquirido, o prefeito Juquinha entregou um cheque de NCr$ 15.000,00 ao governador. Na primeira parte do prédio escolar, seriam gastos NCr$ 60.000,00. O Estado entraria com NCr$ 45.000,00. Uma festa, assistida por autoridades municipais e estaduais com a participação de muitas pessoas da comunidade local. Naquela época, a presença do governador no interior era, por si só, uma grande festa. Além do Ginásio, seria reformado o estádio Ariston Azevedo, do Dorense Futebol Clube. E outras obras seriam lançadas. Àquela solenidade também esteve presente o Arcebispo, Dom José Vicente Távora, o Bispo dos Pobres.

No dia 21 de junho daquele ano, 1968, a minha turma foi toda ela suspensa por três dias, por ato do vice-diretor, na ausência do diretor. A turma estava revoltada com o resultado da prova de Matemática, cuja disciplina era “ensinada” pelo vice-diretor, que era, também, funcionário de um Banco privado que abriu agência em Dores. Mas, ele não sabia nada de Matemática, ao menos do conteúdo da segunda série. Livro utilizado? Ary Quintela. Um aluno repetente, Zezinho de Valda, à tarde dava umas “aulas” ao professor, para que este nos “ensinasse”. A turma acabou descobrindo isso. Dias antes da prova, ele chamou-me ao quadro negro para resolver uma raiz cúbica. Eu não sabia nem a quadrada, imagine a cúbica. Todavia, não perdi a pose. Enchi o quadro de números, vagarosamente, como se realmente estivesse resolvendo a questão, Nada. Estava apenas aguardando o toque do sino de Valmir, no fim da aula. Tocou. Afastei-me um pouco e com pose de quem sabia tudo, disse: “Professor, terminei”. Ele nem olhou. Respondeu: “Muito bem. Zé. Você tem oito e não precisa fazer prova”. Os colegas foram à loucura. Eu não tinha nada a ver com o imbróglio.

Fiquei mesmo com a nota 8,0 e não fiz a prova. Com a revolta dos alunos, o professor botou para quebrar na prova. Fernando Lima tirou nota 7,0. Alberto Jorge, 5,0. Os demais, se não me falha a memória, se ferraram. Dezessete tiraram nota zero. Entrega das provas no dia 21. Revolta geral. Suspensão geral. Tivemos um São João antecipado. A Matemática era mesmo o meu tormento.

No Primário, contudo, não tinha sido assim. O professor Cerivaldo Pereira, funcionário do BANESE, novo professor de Matemática e de Educação Física, começou a abrir a cabeça da rapaziada para certas situações da vida política nacional. Ele era do Partidão, na clandestinidade. Não nos aliciava, mas nos levava a pensar coisas. Um grupo de estudantes logo aderiu à moda de ouvir na frequência de ondas curtas as Rádios de Moscou, Berlim Oriental e Havana, nas transmissões em português, a partir das 23:00 horas. Ouvíamos também a BBC de Londres. Não ouvíamos a Voz da América, porque apoiava a ditadura militar, que aprendemos a contestar.

Um registro que não pode ficar de fora deste artigo: nas duas primeiras séries do curso ginasial a disciplina que mais me encantou foi o Francês. O livro didático era “Cours de Français” de Augusto R. Rainha e José A. Gonçalves. Os professores foram o padre Araújo, que, como foi dito, morou no Canadá, na parte francesa, e a Irmã Branca, da Congregação de Sion, que tinha morado na Bélgica. Deixei-me tocar pela língua de Victor Hugo. Tanto que, quando eu fui estudar na Aliança Francesa, em 1977, tendo como professor o hoje diplomata aposentado, Sílvio Menezes Garcia, eu e Carolina fomos passados do primeiro para o quarto ano. Não sei se eu merecia tanto. Carolina, sim. Mas, o professor era formidável.

Na segunda série, eu descobri a poesia de Manuel Bandeira, que se tornaria, para sempre, o meu poeta preferido. No livro de português, “Língua Pátria”, de Maximiano Augusto Gonçalves, que tinha na capa a fachada da sede da Academia Brasileira de Letras, havia dois poemas do pernambucano, denominado de “poeta federal” por Carlos Drummond de Andrade: “Renúncia” e “O trem de ferro”. Encantei-me, especialmente com o segundo, pelo seu ritmo “fumegante”.

Fim de ano. A Matemática não me deu trégua, apesar daquele oito (8,0), e tive que, mais uma vez, ir para a prova final. Mas, no geral, passei com folga, entre os primeiros colocados. Que viesse a terceira série.

 

 

*Padre, advogado, professor do Departamento de Direito da Universidade Federal de Sergipe, membro da Academia Sergipana de Letras, Academia Sergipana de Letras Jurídicas, Academia Dorense de Letras, Academia Sergipana de Educação e do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe.
 

A REFORMA PROTESTANTE E A PALAVRA IMPRESSA



 

Ester Fraga Vilas Bôas Carvalho do Nascimento*

 

 

No século XVI, o advento da imprensa, servindo de veículo para as novas idéias, dentre outros fatores, permitiu que, no meio de uma pluralidade religiosa, surgissem os reformadores que naquela época opuseram-se a certas práticas religiosas populares. Segundo Natalie Zemon Davis, as diversas maneiras pelas quais “a palavra impressa entrou na vida popular no século XVI” criaram “novas redes de comunicação, abrindo novas opções para o povo e também oferecendo novas formas de controlá-lo”.  Para Peter Burke, os protestantes insistiram na separação entre o sagrado e o profano, propondo uma reforma da cultura popular. Na visão de Erasmo de Roterdam, era preciso tirar-lhe seu paganismo e licenciosidade, alterando assim a mentalidade ou sensibilidade religiosa popular, sendo necessário oferecer ao povo uma nova cultura popular que viesse substituir a anterior. No púlpito, o pregador deveria utilizar junto com a oratória, as novas técnicas de comunicação, trabalhando com as emoções de sua platéia.

O Protestantismo desde seu surgimento sempre teve a preocupação com a divulgação da Bíblia. A palavra impressa foi uma das estratégias utilizada pela Reforma para expandir a verdade que estava registrada nas Escrituras Sagradas. Para Lutero, essa verdade precisava ser disseminada a um maior número de leitores, não somente em latim, mas também nas línguas vulgares. Nos países convertidos ao Protestantismo, a Bíblia transformou-se no principal sustentáculo da cultura popular, influenciando na forma de pensar do povo. Os livros começaram também a ser compartilhados em reuniões de família e de amigos, em lojas, nas oficinas gráficas. Segundo Davis, os grupos de leituras mais inovadores foram os protestantes, com a presença de homens e mulheres nas reuniões, que necessariamente não pertenciam “à mesma família, ao mesmo ofício ou até mesmo à mesma vizinhança”. Outro texto difundido entre os conversos foi o catecismo — um livrinho contendo informações elementares sobre aquela doutrina religiosa — considerado por muitos como a Bíblia do homem comum.

A primeira edição do Novo Testamento, publicado na Alemanha em setembro de 1522, esgotou dentro de 10 semanas, desencadeando o interesse de outros países em publicá-la na sua própria língua. Alguns anos depois de Lutero traduzir o Velho Testamento, a Bíblia atingiu a venda de “um milhão na primeira metade do século” (Febvre e Martin).

Os analfabetos passaram a frequentar a escola para ter acesso à palavra impressa. Nos países convertidos ao Protestantismo, a Bíblia transformou-se no principal sustentáculo da cultura popular, influenciando na forma de pensar do povo. Os livros começaram também a ser compartilhados em reuniões de família e de amigos, em lojas, nas oficinas gráficas. Mas os grupos de leituras mais inovadores foram os protestantes, com a presença de homens e mulheres nas reuniões, que necessariamente não pertenciam “à mesma família, ao mesmo ofício ou até mesmo à mesma vizinhança” (DAVIS). Outro texto difundido entre os conversos foi o catecismo — um livrinho contendo informações elementares sobre aquela doutrina religiosa —  considerado por muitos como a Bíblia do homem comum.

A utilização da música também foi uma prática importante no ritual do culto protestante. Dentro da proposta de reforma religiosa no século XVI, as músicas populares que falavam do amor e da vida mundana tiveram suas letras substituídas por salmos. Como também melodias de hinos eram adaptações de canções populares. Esta prática de substituição ou transposição utilizada por Lutero, nem sempre foi aprovada pelos outros reformadores. Porém, a coletânea de hinos organizada por ele passou a integrar o cotidiano dos conversos assumindo as funções das canções folclóricas, e eram usados até mesmo como canções de ninar. Os cânticos iam-se difundindo e perpetuando-se pela oralidade; o analfabeto memorizava e inculcava os conceitos contidos nas Escrituras. Os hinos e os corais se tornaram ícones orais para aqueles que renunciaram aos visuais.

Os adeptos à nova fé eram exortados à santidade pessoal através de sermões, leituras bíblicas diárias, encontros de oração, de confraternização com salmos e hinos, aulas de estudos bíblicos. Os dias santos e as festas e procissões sumiram junto com as imagens e os altares. O espaço interno da igreja foi reorganizado para a realização de um novo tipo de culto.

Outro ponto que os reformadores do século XVI na Europa combateram foi a diluição do sobrenatural, da superstição, com a religião; a associação dos sacramentos a poderes mágicos. Durante a Idade Média, segundo Keith Thomas, a Igreja atuou como “repositório de poderes sobrenaturais, que podiam ser distribuídos aos fiéis para auxiliá-los em seus problemas do cotidiano”. As rezas também foram combatidas, pois, na visão reformista, elas tinham características encantatórias, sendo substituídas do latim para o vernáculo pela Igreja Anglicana.

Apesar da aversão protestante pelo culto aos santos, os adeptos da nova religião não deixaram de promover os seus próprios, adotando a figura do mártir, transformando-os em heróis. O próprio Lutero foi freqüentemente retratado com auréolas e pombas. Ducan Reily abordou esta questão quando tratou da importância do trabalho desenvolvido no Brasil pelo missionário presbiteriano norte-americano Ashbel Green Simonton, afirmando que existia “uma tendência natural de se transformar o pioneiro em herói”.

Apesar de terem emergido do mesmo fundo cultural cristão, os protestantes desenvolveram uma cultura distinta da católica. O leigo ascendeu na hierarquia religiosa. Tanto homens como mulheres não ordenados foram admitidos nos organismos decisórios. As diferenças sociais estavam minimizadas. Pessoas das classes mais baixas se identificavam com os ricos, poderosos e intelectuais dentro dessa nova estrutura religiosa. Essa inversão de valores foi uma das características da popularidade do protestantismo.

 

* Professora do Programa de Pós-Graduação em Educação/GPHPE/Universidade Tiradentes; Bolsista de Produtividade de Pesquisa em Educação pelo CNPq; Membro da Academia Sergipana de Educação, da Academia Brasileira Teológica de Letras/SE, da Academia Brasileira Rotária de Letras/SE, da Sociedade Bíblica do Brasil/SE e, do Rotary Club International/RC de Aracaju Norte/Distrito 4391. 

domingo, 25 de outubro de 2020

CENTENÁRIO DORENSE


 

 

 

José Lima Santana*

 

 

Ontem, Nossa Senhora das Dores, minha querida terra natal, tornou-se uma cidade centenária. A mesma fora elevada à categoria de cidade em 23 de outubro de 1920, quando era presidente do Estado José Joaquim Pereira Lobo. Economicamente, o município de Nossa Senhora das Dores, criado em 11 de junho de 1859, por força da Resolução n° 555, já despontava como progressista desde os anos crepusculares do século XIX.

Nesse sentido, disse L. C. Silva Lisboa, em sua “Chorographia do Estado de Sergipe”, publicada em 1897: “O Município é extremamente rico e vasto. É centro de enorme produção de algodão, possuindo grandes fazendas em toda a zona agrícola, com máquinas de descaroçar, movidas a vapor. Cria igualmente gado vaccum, cavalar, muar e lanígero, aproveitando-se para isso dos excelentes pastos que contém. Planta cana, mandioca e cereais em abundância. O seu comércio é ativo, e, dia a dia, vai tomando maior desenvolvimento” (p. 136).

Disse, também, Silva Lisboa que “o aspecto da vila é agradável”, embora fosse “a edificação muito irregular”. Tinha a vila “boa igreja matriz, casa de intendência, agência do correio, exatoria, cadeia pública e cemitério”. Por aquela época, a população era avaliada em 9.000 pessoas, em todo o município. Possuía “duas escolas públicas de ensino primário, na sede municipal”, sendo “uma para cada sexo” (p. 137). Embora Silva Lisboa não o afirmasse, é sabido que também havia escolas em alguns povoados dorenses, naquele tempo.

Por sua vez, Laudelino Freire, em seu “Quadro Chorographico de Sergipe”, publicado em 1902, mas escrito na década anterior, afirmou que “a vila de Nossa Senhora das Dores está assentada em belo e agradável local”. Apontou, entretanto, que era “de pequeno movimento e extensão”. Referia-se ao aglomerado urbano.

Com relação à economia, disse que “a lavoura principal é o algodão, cereais e cana de açúcar, sendo que o algodão constitui o empório da lavoura e da indústria”. Declinou possuir o município “10 fábricas de descaroçar algodão, 200 de farinha de mandioca e 20 fazendas de criação de gado vaccum” (p. 130).

É possível que tenha havido uma inversão nesses números. Em 27 de setembro de 1891, o jornal “O Estado”, de Aracaju, em ampla matéria intitulada “A cultura do algodão”, afirmou: “O algodão de Sergipe, exceção feita ao de Nossa Senhora das Dores, é o pior do Brasil, o que tem cotação inferior no mercado. O de Itabaiana, sobretudo, é que goza de pior conceito, porque é, com justiça, o mais depreciado, por culpa exclusivamente do produtor.

Assim é que só o algodão de Nossa Senhora das Dores é o único de Sergipe que compete com o de procedência de Alagoas e Pernambuco, tanto para consumo do país como do estrangeiro. O porquê do depreciamento do nosso algodão de Itabaiana é muito conhecido: a falta de limpeza da lã e inferioridade da fibra: lã suja, de mistura com o cisco do roçado; fibra curta e podre. Consequência disto: o algodão de Itabaiana, cultivado com o mesmo trabalho e dispêndio, passa no mercado como refugo, gozando 15% menos que o de Nossa Senhora das Dores, que compete com Alagoas e Pernambuco”.

É de notar que, em 1808, o algodão já era produzido em Dores, então Enforcados, como anotou em sua “Memória sobre a Capitania de Sergipe”, o então padre, depois bispo, Marcos Antônio de Souza (1944, p. 36). Apenas a título de argumentação, a necessidade de escoar as boas safras do algodão dorense, teria sido, possivelmente, um dos motivos para a expedição da Resolução Provincial, de 6 de maio de 1872, que conferiu certos privilégios a Campos, Cameron & Cia., em troca da construção de uma linha férrea, que ligaria o Porto de Japaratuba a Dores. Mas, tal Resolução seria revogada três anos depois. De qualquer forma, vê-se que já era pujante a economia dorense calcada no cultivo e no beneficiamento do algodão de boa qualidade.

Quanto à instrução, Laudelino disse que a mesma era “dada em todo o Município em seis escolas”, sendo “duas cadeiras de ensino primário”, na sede da vila (p. 130), e que seriam aquelas apontadas por Lisboa. As demais estavam em povoados. A sede da vila contava com “dois açougues públicos” (p. 130). Possivelmente, um deles se destinava à venda de carne-verde, enquanto o outro era para carne-de-sol.

Aliás, essa era a tradição da feira da cidade até 1976, quando a venda dos dois tipos de carnes foi concentrada no Centro de Abastecimento construído na gestão do prefeito Paulo Garcia Vieira. Esse Centro de Abastecimento, que ainda se encontra em pleno funcionamento, substituiria, ao mesmo tempo, o então Talho de Carne Verde, de 1918, construído pelo intendente Álvaro de Souza Brito, e o Mercado Municipal erguido entre 1920 e 1922, pelo intendente Manoel Joaquim Soares, pai do Mons. José Curvelo Soares e avó do médico José Augusto Soares Barreto, fundador, na capital, do Hospital São Lucas.

O comércio de carne-de-sol, que faz do município de Dores um dos maiores exportadores do produto para as cidades vizinhas, nos dias de suas respectivas feiras, é muito antigo. A prova disso é que a Lei 761, de 9 de março de 1866, que dispunha sobre as posturas municipais, no art. 13, proibia “secar carnes nas ruas da vila”, além de outros produtos, como “couro e açúcar”, a fim de não incomodar “o trânsito público, sob pena de multa de 1$000 (um mil réis), e o duplo na reincidência”.

Ora, contando-se da data da citada lei para cá, são passados mais de 150 anos. Vale dizer: no mínimo, é mais de um século e meio de comercialização da carne-de-sol, sem considerar o provável tempo dessa comercialização, anterior a 1866.

Aliás, os habitantes de outra cidade sergipana se arvoram em dizer que a sua carne-de-sol é a melhor do Estado. É provável. Afinal, a de Dores é, simplesmente, a melhor do mundo. Sou bairrista? Sou. Aliás, quando eu estou indo de Aracaju para Dores, ao chegar na Santa Cruz, que foi engenho e, depois, alambique, ao ver a cidade se espalhando sobre um pequeno platô, o céu parece se abrir.

Cem anos são passados desde a elevação da vila de Nossa Senhora das Dores à condição de cidade. Uma cidade que tem crescido, muito mais pela pujança do seu povo do que por força da ação de algumas de suas autoridades. Isso é fato. As autoridades municipais, às vezes, têm deixado muito a desejar. Espera-se por melhores dias. Parabéns à minha cidade e ao seu povo, ao celebrar o centenário de sua elevação.

 

*Padre, advogado, professor do Departamento de Direito da Universidade Federal de Sergipe, membro da Academia Sergipana de Letras, Academia Sergipana de Letras Jurídicas, Academia Dorense de Letras, Academia Sergipana de Educação e do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe.

JOVEM TAMBÉM ADOECE


  

 

Antônio Carlos Sobral Sousa*

 

 

Recentemente, durante conversa telefônica, o amigo, Prof. Dr. Roberto Dischinger Miranda, da Escola Paulista de Medicina/Unifesp, manifestou preocupação com parcela significativa de indivíduos jovens, que se julgam imunes à evolução desfavorável da Covid-19.

Conforme sabidamente conhecido, a doença apresenta um padrão clínico que vem se reproduzindo desde quando se originou, na China, no final do ano passado. Inicialmente, os infectados apresentam sintomas comuns às viroses, evoluindo, espontaneamente, para a cura em mais de 80% dos casos. Todavia, cerca de 20% dos doentes, desafortunadamente, passam para uma fase inflamatória, a qual pode ser intensa, acometendo, preferencialmente os pulmões, porém, tem sido relatado envolvimento de todos os sistemas do organismo.

As formas mais graves requerem, frequentemente, internação hospitalar, muitas vezes em terapia intensiva, podendo necessitar de ajuda de respirador artificial e, infelizmente, ainda apresentam letalidade elevada.

Também, já está razoavelmente sedimentado que existe um grupo de risco para evolução desfavorável, formado pelos idosos e os portadores de comorbidades, tais como: hipertensão arterial sistêmica, diabetes mellitus, doenças cardiovasculares, obesidade, doença pulmonar obstrutiva crônica, câncer e insuficiência renal crônica.

O que ainda não está devidamente estabelecido é o que promoveria a progressão para o quadro inflamatório em alguns e a regressão do quadro em outros. Tem sido especulado que o principal responsável seria o estado imunitário do paciente. Até o momento, não existe comprovação de terapia eficaz na frenagem dessa mudança de quadro clínico. 

Uma breve reflexão sobre o tema, nos permite constatar que a mortalidade em indivíduos jovens, registrada no Brasil (aproximadamente 27%) é maior do que a encontrada na Europa e nos Estados Unidos.

Nas últimas semanas, vários países europeus registraram picos preocupantes, de novos casos da Covid-19, causados, provavelmente, pela reabertura da economia e a recirculação do vírus, após meses de bloqueio. Curiosamente, os especialistas têm destacado uma mudança na demografia dos infectados, na nova onda, acometendo pessoas mais jovens, que estão se aventurando em bares, restaurantes e outros locais públicos, ao contrário do primeiro surto da pandemia no continente, que atingiu, sobretudo, os idosos se espalhando em asilos e casas de saúde.

Portanto, deve ficar patente que as medidas eficazes de prevenção devem ser praticadas pela população, independentemente da faixa etária, até que possamos desfrutar de uma vacina efetiva contra o SARS-Cov-2.

 

 

* Professor Titular da UFS e Membro das Academias Sergipanas de Medicina, de Letras e de Educação.

domingo, 18 de outubro de 2020

INICIANDO O CURSO GINASIAL


  

 

José Lima Santana*

 

 

Março de 1967. Início das aulas da primeira série ginasial, no Ginásio Tertuliano Pereira de Azevedo, fundado em 1959, graças, sobretudo, à ação do então Juiz de Direito da Comarca, Dr. Aloísio de Abreu Lima. O Ginásio estava com problemas financeiros. Salários atrasados. Logo no início das aulas, a diretora, professora Nazaré dos Santos Lima, renunciou ao cargo.

As esperanças de todos se voltaram para os três padres que chegariam à cidade, pois o velho pároco, Cônego Miguel Monteiro Barbosa, adoentado, deixaria o comando da Paróquia. O novo pároco, padre José Araújo Santos, que se fazia acompanhar dos padres Edgar e Antonino, este, um italiano, assumiria a direção do Ginásio e começaria um tempo novo.

Naquele ano, o Ginásio apresentava uma matrícula de 89 alunos. Destes, basicamente a metade era da minha turma, ou seja, 44 alunos, a maior até então recebida na primeira série. Estudávamos à noite, no prédio do Grupo Escolar General Calasans, da rede estadual, cedido à CNEG (Campanha Nacional de Educandários Gratuitos), que nasceu Campanha do Ginasiano Pobre, para virar o que hoje é a Campanha Nacional de Escolas da Comunidade, da qual eu sou Vice-presidente de Educação da Diretoria Geral, desde 2013.

Que bons tempos! E quantas presepadas! A professora mais temida era a de Ciências, Joana Maria da Silva, embora tida como a melhor professora que tínhamos. Certa noite, um aluno malandro colocou um jumento na sala de aula. De verdade. Os fundos do Grupo eram abertos e lá pastavam muitos animais. Alguns eram jegues, que serviam aos seus donos no transporte de água das fontes das Pedreiras da Rua da Capela e das Pedreiras do Brejo, para abastecer as casas, quando ainda não havia água encanada na cidade.

Pois bem. As carteiras escolares eram de assento duplo. Lá no fundo da sala, estava, quieto, comendo na mão, o jumento nosso irmão, como cantou Luiz Gonzaga. Enquanto a professora fazia a chamada, nominando alguém, um aluno cutucava o animal, que fazia um ligeiro barulho. Quando a professora deu conta do bicho, quase teve um chilique. Quem foi, quem não foi o autor da estripulia? Ninguém soube, ninguém viu. “Ora o jegue já estava aqui quando a gente chegou”, disse alguém. O jegue foi “convidado” a retirar-se. Ah, e a noite da escuridão provocada!?

Era prova exatamente de Ciências. Muito conteúdo. Alguém teve a brilhante ideia de pedir a Lêda, nossa colega, filha de Maneca da Subestação de Eletricidade, para desligar a energia elétrica, na hora da prova. Não deu outra. Logo após o início da prova, ela sorrateiramente desligou a chave geral. Cidade no escuro. A energia só seria ligada muitos minutos depois. A sorte foi que Maneca não estava em casa, pois a casa ficava dentro da área da Subestação. Mas, pobre Lêda! O pai descobriu a sua façanha e deu-lhe uma surra danada. Ela nos salvou, porém, não pudemos fazer nada por ela.

Naquele meio tempo, eu comecei a escrever uns versos bestas, desprovidos de qualquer valor literário. Eu tinha doze anos. Num dos poemetos bestinhas está escrito: “Chorei / É feio homem chorar? / Chorei / Não de medo ou de covardia / Chorei de alegria / Quando soube / Que você ia voltar”. Quem ia voltar, eu não sei até hoje.

Um colega nosso, Zé Carlos, que era repetente em algumas séries e um pouco mais velho do que a maioria de nós, apaixonou-se por uma menina da casa da luz vermelha, que seria denominada “Inferno Colorido”. Ele foi visto num bar, bebendo, embora ainda fosse menor. Devia ter uns 16 anos. Um colega me contou o episódio. Zé bêbado, declarando o seu incontido amor pela menina da casa da luz vermelha. Não perdoei. Sapequei-lhe estes versos bestas, em forma de diálogo: “Ô Zé, por que estás a beber? / Bebo para esquecer / Quem? / Tua esposa? / Não / Tua noiva? / Não também / Mas, quem? / Uma de cabaré”. Ele ficou fulo da vida comigo. Que absurdo! Como era que ele queria cercear a criação artística? (Só rindo).

Eu era arteiro. Todavia, eu era muito calado, nas aulas. Tinha um comportamento exemplar. Um colega sempre me disse que eu não era tímido, mas, sim, tabaréu. Talvez. Afinal, eu era suburbano.

Afora Matemática, que passei com nota baixa, não tive dificuldades de vencer a primeira série ginasial. Parece que numa reunião de pais, o diretor, padre Araújo, fez referências a alguns alunos, dentre eles, eu. Ao passar pela Rua da Capela (à época, chamada de a Rua da Fofoca), três senhoras estavam conversando, e uma delas, ao ver-me, declarou: “O padre disse que aquele neguinho do João Ventura (o meu subúrbio) é inteligente. Como pode um neguinho daquele ser inteligente”? Guardei aquilo.

Eu precisaria me esforçar ainda mais, para não desmerecer o dinheiro que meu pai pagava pelas mensalidades. Não sendo inteligente, na visão daquela senhora metida a rica, eu tinha mesmo que me esforçar. Acabei passando em quarto lugar. A Matemática puxou a minha média para baixo. Aliás, isso ocorreria nos anos ginasiais, exceto na terceira série. Mensalidades. No início do ano, a mensalidade do Ginásio era de NCr$ 1,50 (um cruzeiro novo e cinquenta centavos). A nova moeda fora implantada em 13 de fevereiro daquele ano. A arrecadação não era suficiente para custear os gastos do Ginásio. Então, as mensalidades sofreram uma majoração de cem por cento (100%), passando para NCr$ 3,00 (três cruzeiros novos). Era assim, ou o Ginásio poderia ser fechado. Para ter-se um parâmetro, uma arroba de boi custava NCr$ 2,00. Hoje, uma arroba está custando 280,00. Logo, por esse parâmetro a mensalidade custaria R$ 420,00.

O encerramento de cada aula era anunciado pelo sino tocado por Valmir de mestre Pedrinho, alfaiate. Ao ouvir o toque do sino, a gente gritava: “Oi o leite”! Às segundas-feiras, as aulas terminavam um pouco mais cedo. Dava para assistir ao filme de bangue-bangue, na segunda sessão da noite, que começava às 21:00 horas, no Cine São José. Antes, a sessão única iniciava-se às 20:00 horas. O Cine passou a oferecer duas sessões, somente às segundas-feiras, às 19:00 e às 21:00 horas. Estávamos contemplados. O bangue-bangue das segundas-feiras raramente era substituído por um espadachim. Fosse lá!

E, claro, não podiam faltar o cinejornal e o episódio de algum seriado. O que eu mais gostei foi o de “Flash Gordon”, antigo, que teve apenas uma temporada na TV norte-americana com 39 episódios, de 15 de outubro de 1954 a 15 de julho de 1955, repetido nos cinemas e chegando para nós com uma década de atraso.

 

*Padre, advogado, professor do Departamento de Direito da Universidade Federal de Sergipe, membro da Academia Sergipana de Letras, Academia Sergipana de Letras Jurídicas, Academia Dorense de Letras, Academia Sergipana de Educação e do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe.

quinta-feira, 15 de outubro de 2020

IMUNIDADE NA COVID-19


  

 

Antônio Carlos Sobral Sousa*

 

 

A Covid-19 está expondo, claramente, as desigualdades e disparidades estruturais que contribuem para a doença, à semelhança de tantas outras mazelas transmissíveis ou não, que produzem impacto, demasiadamente desproporcional, aos menos favorecidos. Sabe-se que algumas pessoas (menos de 20% dos infectados) evoluem para uma fase mais grave da doença, enquanto outras se recuperam rapidamente.

Tem sido especulado que o estado imunitário bom seria um passaporte para a evolução favorável. O que fazer para aumentar a imunidade? Muita gente tem utilizado, indiscriminadamente, vermífugos, antibióticos e vitaminas, com a esperança de que o milagre do incremento imunitário aconteça.

A prática regular de atividade física, mesmo em ambiente domiciliar, fomenta a resposta imune e melhora a resistência do corpo. Além disso, o exercício físico constitui aliado importante na prevenção da ansiedade e da depressão, comorbidades comuns nos tempos difíceis de pandemia e que, sabidamente, promovem queda de imunidade. 

Manter hidratação adequada e alimentação saudável são fatores importantes na produção de anticorpos. Recomenda-se ingerir, pelo menos, dois litros de água, diariamente. A dieta deve conter quantidade adequada de proteínas e ser rica em frutas, legumes e especiarias coloridos.

Esses nutrientes também protegem contra os radicais livres, moléculas que podem prejudicar as células. Por outro lado, deve-se evitar o açúcar, os doces, o excesso de amido, as guloseimas, as massas, as frituras, os produtos industrializados e o álcool, sobretudo se consumido excessivamente.

O fumo deve ser abolido porque, além de piorar as infecções pulmonares bacterianas e virais, os produtos químicos liberados pela fumaça do cigarro, podem interferir na função das células imunológicas.

O sono de boa qualidade, também, é de grande utilidade na produção de elementos essenciais do sistema imune. Recomenda-se manter o hábito de dormir e acordar cedo, procurando desenvolver atividades que preencham o dia. Indivíduos saudáveis, com insônia, são mais suscetíveis à gripe, mesmo após serem vacinados.

Finalmente, controlar o estresse, porque o hormônio cortisol, liberado em tais situações, bloqueia o sistema imunológico. Este intento pode ser conseguido mediante brincadeiras, bate-papo descontraído, leitura agradável e prática de exercício. Evitar o envenenamento mental causado por notícias sensacionalistas que nos chegam a toda hora é, também, uma forma inteligente de se combater o estresse.

 

 

* Professor Titular da UFS e Membro das Academias Sergipanas de Medicina, de Letras e de Educação.

terça-feira, 13 de outubro de 2020

AINDA NÃO ACABOU!!!


  

 

Antônio Carlos Sobral Sousa*

 

 

É nítida a euforia de muitos segmentos da população, com a queda no número de mortes e de internações por Covid-19, em muitas localidades brasileiras. As medidas de flexibilização, adotas por vários governantes, têm sido interpretadas, por muitos cidadãos, como o fim da Pandemia. Nota-se a crescente aglomeração de frequentadores de locais públicos, sem que sejam atendidas, rigorosamente, as preconizadas regras de segurança.

Será que o pesadelo acabou? Teria sido atingida a tão propagada imunidade coletiva? Para os não familiarizados com esse termo epidemiológico, esse fenômeno, também chamado de imunidade de rebanho, acontece quando muitas pessoas já estão imunes contra uma infecção e, com isso, dificultam a ampla transmissão de um vírus. Ou seja, a quantidade de indivíduos protegidos, contra um determinado agente infeccioso é tão grande, que ele não consegue encontrar hospedeiros ainda suscetíveis, causando, portanto, queda considerável de sua circulação.

Tal imunidade pode ser conseguida tanto por meio de programas efetivos de vacinação, como mediante a contaminação direta da população, nesta última condição, pagando-se o preço da morbimortalidade da doença. Por obra da imunidade de rebanho, mesmo quem não está vacinado ou que não contraiu a enfermidade, fica protegido do patógeno causador da doença.

No caso da Covid-19, existem divergências quanto ao patamar de infectados de uma determinada comunidade para que isto aconteça. Inicialmente, acreditava-se que seria algo em torno de 60% a 70% da população. Todavia, pesquisa recente indica que seria possível alcançar uma imunidade coletiva com menos de 20% da população infectada.

Vale ressaltar, que a almejada vacina, específica contra o SARS-CoV-2, talvez só esteja disponível para o uso populacional no próximo ano e que o grau de letalidade do vírus continua importante, matando, em média, uma pessoa em cada 200 infectados. Recentemente, a Organização Mundial da Saúde (OMS) emitiu alerta, diante do aumento do número de casos da covid-19 e de internações pela doença, notadamente na Espanha, França e algumas regiões dos Estados Unidos.

Até o presidente Trump foi, recentemente, acometido pela virose, requerendo, inclusive, internamento hospitalar. Embora a maioria dos serviços médicos estejam mais preparados para o atendimento dos acometidos, adotando condutas que realmente funcionam, baseadas em evidências científicas e não em “Eu vi dência” (vi no WhatsApp, no Instagram etc.), o receio de novo colapso do sistema de saúde, volta a atormentar os gestores da área. Neste sentido, é importante que os governantes reforcem as suas ações e que a sociedade repense as suas prioridades.

Portanto, como o vírus é transmitido diretamente, por gotículas de saliva emitidas nas proximidades dos olhos, nariz ou boca de uma pessoa suscetível ou, indiretamente, mediante o contato com superfícies contaminadas, devemos focar nas três medidas que, comprovadamente, funcionam: manter o distanciamento social de aproximadamente 2m; higienizar, frequentemente, as mãos com água e sabão ou, com álcool em gel, nos deslocamentos e, cobrir o nariz e a boca com máscara. Se quiser aumentar o grau de segurança, podem ser utilizados, também, os óculos de proteção e o face shield.

 

 

*Professor Titular da UFS e membro das Academias Sergipanas de Medicina, de Letras e de Educação.

sexta-feira, 9 de outubro de 2020

RUMO AO CURSO GINASIAL


 

 

 

José Lima Santana*

 

 

Tendo a professora Glória encerrado suas atividades docentes no final de 1964, o ano fatídico, no ano seguinte eu migrei para o Educandário Nossa Senhora das Dores, regido pela professora Maria Menezes Góis, conhecida como Dona Menininha. A mestra era formada pela Escola Normal de Aracaju, turma de 1936. Professora aposentada da rede estadual.

A escola ficava na esquina da Rua da Noturna, depois Dr. Edelzio Vieira de Melo (hoje, Rua Helena Feitosa) com a Rua da Tapagem (Benjamim Constant). Era um amplo salão desprovido de quaisquer apetrechos didáticos, salvo uns mapas envelhecidos. Bancos sem encosto e algumas cadeiras. A professora, embora idosa, era muito boa e com ares, não de tia, mas de avó. Nela, a paciência fizera morada.

No Educandário, eu faria os dois últimos anos do curso primário (1965 e 1966). Uma curiosidade: foi ali que despertou em mim o primeiro lance de namorico escolar, aos 10 anos. Uma coleguinha, como eu, do terceiro ano, Aparecida. Chamegos de meninos, sem arroubos. Tinha dias que eu ficava birrento e procurava tomar assento longe dela. Ela, coitada, chorava. Noutros dias, ela trazia goiabas brancas, que eu adorava. E assim ficamos por dois anos. Depois, ela mudou para Aracaju. Nunca mais a vi. No poema “Para Jamais Esquecer”, publicado no livro homônimo (1989, p.97), escrevi: “Amei Aparecida, que desapareceu, um dia, / Como uma folha morta no vento do meio-dia”.

Dona Menininha era auxiliada por suas filhas Altair, Nãná e Dôra. Mas, Nãná era quem mais auxiliava. Pegavam muito no pé dela. E ela não aguentando os apuros, gritava: “Mãe, olhe para Fulano”! Então, tomavam conta dela. Alguns dos colegas eram bastante presepeiros. Zé Inácio de “seu” Neném do Cartório, Jorge de Plácido, Paulo de Delson, Araújo de Elpídio do Moura e outros. Nada, porém, que fugisse ao controle da velha mestra.

No terceiro ano, o livro básico era “Infância Brasileira”. No quarto ano, era o livro “Admissão ao Ginásio”. Ainda tenho os dois exemplares. Estudávamos à tarde. Eu morava relativamente longe, no João Ventura, reduto da minha família, onde ainda moro. Eu saía de casa por volta das 12:30 horas. As aulas começavam às 13:00 horas, com intervalo às 15:00 horas e encerramento às 17:00 horas.

A exemplo, das minhas duas escolas anteriores, era multisseriada, começando no primeiro ano. No terceiro ano (1965), por minha conta, fui à minha primeira escola, perto da minha casa, a da professora Lídia, e pedi para estudar pela manhã (das 08:00 às 12:00 horas). Ela aceitou a minha matrícula. Erámos três alunos, no terceiro ano: eu, Jorge de tio Carivaldo e Dina de Joãozinho de Nila. Então, eu estudava nos dois turnos. Saía correndo da escola, um pouco antes do meio-dia, para tomar banho de cuia (Dores só teve água encanada a partir de 1971), almoçar, e tomar o rumo da outra escola.

Na escola municipal da professora Lídia, eu passei a ajudá-la com os alunos do primeiro ano. Ela continuava lecionando do ABC ao terceiro ano. Assim, tornei-me ajudante de professor aos 10 anos. Era, pois, uma espécie de aluno-mestre, revivendo aquela categoria de alunos criada, em Sergipe, pelo art. 5º da Lei nº 508, de 16 de junho de 1858.

Eu era muito duro com os meninos, e, por pouca coisa, mandava repetir as lições no próximo dia. Alguns ficavam furiosos. A professora seguia as minhas decisões nesse aspecto. Eu tomava conta dos meninos até as 10:00 horas. Após o recreio, quando a professora ficava ouvindo as novelas no radiozinho a pilhas, eu dava as minhas lições. Lembro-me das novelas “O Egípcio” e “O Direito de Nascer”.

Eu era o único aluno com permissão para ficar na sala, durante o recreio, ouvindo as novelas. Tinha dias que a professora se derramava em lágrimas, fazendo muitas caretas. Eu tinha vontade de rir, mas me continha. Respeitava os sentimentos da professora, que, enfim, era solteirona.

Na escola da professora Lídia, eu passei em primeiro lugar com nota 9,8. Na da professora Menininha, eu passei em segundo lugar, com nota 8,6. O primeiro lugar foi da minha “namoradinha” e de outra colega, amiguinha dela, Lourdinha, que colou toda a prova. Esta colega, que era meio-tapada, ficou zombando de mim, porque eu não logrei o primeiro lugar. Irritado, eu disse que no ano seguinte ninguém me tomaria o primeiro lugar. Dito e feito.

Devo a Dona Menininha o gosto pelo ato de escrever, aos seus estímulos, às redações que ela nos passava com temas tirados das figuras do livro “Admissão”, que ensejavam motivos para redações. E na minha prova final do quarto ano, eu lancei, ainda de forma muito rudimentar, as minhas primeiras quadrinhas. As provas do terceiro e do quarto ano, eu ainda as conservo em perfeito estado.

Lembro-me muito bem que o professor Fernando Andrade, de Matemática, do Ginásio Tertuliano Pereira de Azevedo (Colégio Cenecista Regional Francisco Porto, a partir do início dos anos 1970, e que dirigi de junho de 1978 a outubro de 1997) foi ao Educandário saber quais os temas ministrados na disciplina, a fim de elaborar a prova para os exames admissionais ao ginásio. Aliás, para mim, a Matemática era um tormento.

Do Educandário só saímos eu e Jorge de Zé Baú (Alberto Jorge Oliveira Barreto). As provas de Português e Matemática eram eliminatórias. Eu passei em tudo, obtendo o segundo lugar geral, ficando em primeiro Luciano Passos de Souza, Luciano de “seu” Enoque sapateiro, egresso do Grupo Escolar General Calasans, e que é médico ortopedista, com quem eu comporia algumas letras para músicas, jamais musicadas. Guardo-as até hoje.

Naquele tempo, os que faziam os exames admissionais ao Ginásio, postavam-se na Praça da Matriz, no dia e horário marcados, para ouvir o resultado das provas, através do serviço de alto-falante da Matriz, na voz de Dona Marizete Costa. Em 1967, eu estava, portanto, no curso ginasial.

Como presentes, por ter passado nos exames admissionais, ganhei meu primeiro relógio de pulso e duas semanas de férias, em Aracaju, na casa de uma prima do meu pai. Antes, eu só tinha ido a Aracaju, quando meu pai, num acidente de caminhão (ele vendia carne de sol em Muribeca), ocorrido no dia 29 de março de 1964, teve uma perna quebrada e a outra fraturada. Eu tinha 9 anos, mas jamais esqueci a data.

*Padre, advogado, professor do Departamento de Direito da Universidade Federal de Sergipe, membro da Academia Sergipana de Letras, Academia Sergipana de Letras Jurídicas, Academia Dorense de Letras, Academia Sergipana de Educação e do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe.

BOTARAM SAL NO DOCE DO GOVERNADOR

PÓ DE SOVACO DE MORCEGO

      José Lima Santana*     Zé Calango esbravejou diante do prefeito: “O que é que você pensa, seu cabeça de vento? Que o povo é ...