terça-feira, 28 de julho de 2020
ASSUERO CARDOSO BARBOSA: ASSIM NASCEU O POETA
FÉ E CIÊNCIA - VELHOS EMBATES E NOVAS QUESTÕES
segunda-feira, 27 de julho de 2020
COMO AUMENTAR A IMUNIDADE
sábado, 25 de julho de 2020
AS PESCARIAS DA MINHA AVÓ
Sergipe, membro da Academia Sergipana de Letras, da Academia Sergipana de Letras Jurídicas, da Academia Dorense de Letras, da Academia Sergipana de Educação e do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe.
quarta-feira, 22 de julho de 2020
KLEITON E KLEDIR TRI LEGAL
AFINAL, QUEM FOI GETÚLIO VARGAS?
Claudefranklin
Monteiro Santos*
“Agora vos ofereço a minha morte.
Nada receio. Serenamente dou o primeiro passo a caminho da eternidade e saio da
vida para entrar na História”. Com estas palavras, uma das figuras mais
fascinantes e contraditórias que o Brasil já conheceu, encerrou a sua jornada
para ficar na memória dos brasileiros das formas mais diversas. Não somente na
memória daquela geração, mas também na das que a sucederam.
“Caudilho”, revolucionário, ditador,
nacionalista, progressista, popular e democrática. Poucas pessoas na história
política do país conseguiram assumir tantas características, o que rendeu a Getúlio
Dornelles Vargas (1882-1954) uma das melhores (e piores também) representações
de grande estadista. Esta figura camaleônica não dispensou qualquer momento
para ficar na condição de protagonista político. Daí, a outra peja que lhe foi atribuída:
a de oportunista. Ao que costumava objetar, dizendo: “Não sou oportunista.
Apenas, quando o cavalo passa selado, eu monto”.
Em que pesem todas coisas que se disseram
ao seu respeito, a grande maioria há de concordar que o gaúcho de São Borja
tinha carisma e muita habilidade política, a ponto de transformar seu suicídio,
em 24 de agosto de 1954, no seu último e mais ousado gesto político, que teria
freado ânimos golpistas e prorrogado a ânsia de parte dos militares em chegar
(ou voltar) ao poder.
Na História da República no Brasil,
ninguém governou este país por tanto tempo. Foram aproximadamente dezoito anos
no poder: 1930-1945; depois, 1951-1954. Com direito a fazer seu sucessor no
intervalo entre os dois períodos, com o governo Eurico Gaspar Dutra. Dessa
forma, o Palácio do Catete, sede do Governo Federal à época, no Rio de Janeiro,
tornou-se praticamente uma extensão de sua casa. Aliás, grande equívoco de
algumas lideranças até hoje, qual seja o de agregar seus familiares para seus
domínios e fazer destes os seus domínios particulares, acima das pessoas e das
instituições.
Nesse sentido, pode-se dizer que Getúlio
Vargas dominou politicamente a cena política do país nas décadas de 30, 40 e 50
do século XX. Foi o mentor da Revolução de 1930, que depôs o Presidente
Washington Luiz, pondo fim, em tese, ao domínio das oligarquias do chamado
Café-com-Leite, à política dos governadores. Além disso, deslocou as atenções para
o Sul do país. Na condição de Presidente da República, nessa primeira passagem
pelo poder, Vargas procurou empreender medidas para dar novo rumo à nação, mas
acabou por firmar-se no poder e instalou um regime autoritário.
A ditadura varguista ficou conhecida
por Estado Novo (1937-1945). Getúlio Vargas procurou imprimir um caráter
desenvolvimentista ao seu governo, mas também se valeu de toda a aparelhagem de
todo e qualquer regime de exceções, como o uso da censura e de medidas mais
duras do ponto de vista da repressão. Foi por essa época, sobretudo, que ele
procurou construir a sua imagem pública à semelhança do que fizera em outros
tempos outros estadistas, a exemplo de Luís XIV, da França (1643-1715).
Refiro-me ao culto da imagem do
homem público. Getúlio Vargas se utilizou da propaganda direcionada para passar
a ideia de grande governante. O rádio, o cinema e as comemorações cívicas estiveram
no bojo das manobras para idealizar o estadista Vargas. Algo que lhe rendeu, por
exemplo, a alcunha de “pai dos pobres”. Aliás, é importante dizer que essa e
outras de suas imagens foram amplamente apropriadas e trabalhadas pela Música
Popular Brasileira, inclusive nos Sambas-enredos das Escola de Samba do Rio e
de São Paulo, no teatro, e no cinema e na TV, do qual destaco duas produções em
especial: a minissérie Agosto (Rede Globo, 1993, de Jorge Furtado) e o filme
Getúlio (2014, de João Jardim, com Toni Ramos).
Getúlio Vargas encerrou a carreira política
e a vida como democrata, embora a oposição, a exemplo de Afonso Arinos entendesse
que uma vez ditador sempre ditador, que não havia redenção para quem se usurpou
do poder tendo rasgado dois textos constitucionais. Assim, Vargas retornou à
Presidência da República no que se convencionou chamar de “nos braços do povo”,
pelo voto. Ele manteve o viés progressista e desenvolvimentista, agora com uma
faceta trabalhista. É fato que colaborou para dar novas feições ao país do
ponto de vista econômico, mas foi um governo turbulento do ponto de vista político
A essa altura do campeonato, Getúlio
colecionava dos admiradores e da oposição uma série de estigmas: “ambivalente”,
“ambíguo”, “raposa velha”. Típico de quem já sofria a exposição de muito tempo
na vida pública. Por isso mesmo, defendo o fim do carreirismo político e a
renovação da vida política, pelo menos a cada oito anos.
Seu principal opositor e desafeto
foi o jornalista Carlos Lacerda (UDN), candidato à Deputado Federal à época,
que liderou uma campanha sem tréguas contra Getúlio Vargas, que contou com a
corrupção interna de assessores e familiares, atentados e assassinatos
liderados por sua guarda pessoal presidencial e a com a reação de setores das
Forças Armadas. Era o início de sua derrocada. Estava montado todo o clima para
que o fizesse cometer suicídio.
“Daqui só saio morto”. Repetia a
cada investida da oposição e de também de uma ampla frente considerada golpista.
Os últimos dias de Getúlio Vargas foram de grande tensão, contando com o apoio
de sua filha Alzira Vargas e de alguns assessores diretos, a exemplo de Osvaldo
Aranha e Tancredo Neves. Com ataques de vários lados, inclusive da imprensa, ele
optou por algo que talvez ninguém imaginasse, para além da queda ou renúncia.
Nesse sentido, muito já disse e
ainda há muito a ser dito e analisado sobre o suicídio de Vargas. Via de regra,
quando alguém chega a esse ponto está desesperado e não consegue perceber outra
saída para algo que lhe aflige. Mas, em se tratando de Getúlio há que ponderar
mais de uma vez e procurar entender o ato até mesmo como um ato político, para
alguns até mesmo frio e inteligente.
Em linhas gerais, Getúlio Vargas foi
uma pessoa controvertida, cheia de incógnitas, que ainda rende inúmeras
biografias e estudos, que quando pensamos serem definitivas, novos fatos e
nuances surgem a enriquecer esse terreno fértil de análises e discussões sobre
a vida política do Brasil, que segue sua toada de viver no limite entre a democracia,
sua manutenção e desenvolvimento, e os fantasmas aterrorizantes dos governos e
ideologias autoritárias.
*Professor do Departamento de História da Universidade Federal de Sergipe, doutor e História e membro da Academia Sergipana de Letras e da Academia Sergipana de Educação.
domingo, 19 de julho de 2020
O ESTADO PRÓ-TROMBÓTICO DA COVID-19
Antônio Carlos Sobral Sousa*
Acaba de ser publicado por Passos HD, Alves MA, Baumworcel L, Vieira JPC, Garcez
JDS e Sousa, ACS, no prestigiado periódico brasileiro, Arquivos Brasileiros de Cardiologia
(DOI: https://doi.org/10.36660/abc.20200427), um artigo enaltecendo
a incidência relativamente alta de doença trombótica e tromboembólica naqueles
portadores de COVID-19, provavelmente decorrente de efeitos diretos do
SARS-CoV-2 ou por mecanismos indiretos da própria infecção. Interações
medicamentosas com agentes antiplaquetários e anticoagulantes e a interrupção
inadvertida de drogas anticoagulantes podem, também, contribuir para o estado
pró-trombótico encontrado nesta patologia.
Os autores descrevem o
caso de um paciente do sexo masculino de 66 anos, sem comorbidades, admitido no
Hospital São Lucas de Aracaju, Sergipe, diagnosticado com infecção pelo SARS-Cov-2, que evoluiu com tromboembolismo
pulmonar e sem evidência de trombose periférica.
As
complicações cardiovasculares têm sido apresentadas de forma expressiva e variável
na vigência da infecção pelo novo coronavírus, sendo responsáveis por até por
40% das mortes causadas pela doença. Estudos sugerem que a resposta
inflamatória sistêmica exacerbada, juntamente com hipóxia possam causar
disfunção endotelial e aumento da atividade pró-coagulante, contribuindo para a
formação de trombos. Esse estado pró-trombótico associado à infecção sistêmica
é comumente chamado de coagulopatia induzida pela sepse. Apesar de os dados
disponíveis sobre risco trombótico serem limitados, a maioria dos especialistas
concorda que o sinal para aumento do risco trombótico é suficiente para
recomendar a profilaxia farmacológica do tromboembolismo venoso em pacientes
hospitalizados com Covid-19. Tem sido recomendado, ainda, considerar anticoagulação
no cenário de pacientes críticos em terapia intensiva, mesmo sem evidência
clínica ou de imagem de trombose. Especial atenção deve ser dada a alterações
como: hipoxemia refratária, alterações
eletrocardiográficas, surgimento de taquicardia sinusal não explicada pelo quadro clínico atual
e disfunção de ventrículo direito para o diagnóstico de trombose pulmonar e
início da terapia anticoagulante adequada.
Em conclusão, A infecção
pelo SARS-Cov-2 se apresenta com um
fenótipo variável, sendo frequentes os relatos de complicações cardiovasculares
e a presença de um estado pró-trombótico, por mecanismos ainda não totalmente
elucidados. Deve-se, portanto, ficar atento para a eventual ocorrência de
embolia pulmonar, mesmo na ausência de trombose venosa profunda demonstrada.
*Professor Titular da Universidade Federal de Sergipe e membro
das Academias Sergipanas de Medicina, de Letras e de Educação.
sábado, 18 de julho de 2020
FEDÔ DE DOIDO
JOSÉ LIMA SANTANA*
Ah, Manico de Tintiliano! Quantas
presepadas você não armou no Boqueirão de Cima, nos tempos enturmados com
Coceirinha e seu irmão Vadico, filhos do velho Zé Sebinho? Fedô de Doido...! Eu
sei muito bem que o leitor gosta de especular. Afinal, eu também sou leitor. E
especulo. Ora se... Porém, o título deste mísero escrito não tem nada a ver com
o cheiro ruim que podia exalar da sobaqueira de Manico de Tintiliano do finado
Zé de Cazuza. Nem de longe. Manico conversador, danado para arranjar
presepadas. Bicho sorrateiro em boas conversas estava ali. Dava dribles com a
língua de deixar qualquer interlocutor tonto, tirturado no desmantelo do
palavreado. Menino, um adolescente, mas de muito bom tino.
Manico era dado a botar apelidos nos
outros. Ninguém lhe escapava. Nem o padre João das Virgens Fortunato, que se
demorou na cidade para mais de trinta anos, de lá saindo bem velhinho, para um
asilo das Irmãs de Caridade, na capital, já trôpego, a voz cansada, para
entregar a alma a Deus pouco mais de dois anos depois. Um típico pároco de
aldeia, incansável trabalhador da messe do Senhor. Seis cidades e um monte
desembestado de povoações para assistir. Viajava, sozinho, por esse mundão de
meu Deus, montado numa burra apaideguada, que de tempos em tempos, ele trocava
por outra de igual valia. Um homem culto. Criou escolas, apaziguou adversários,
realizou santas-missões, batizou, casou, confessou um magote de gente. Semeou o
Evangelho sem ter descanso. Podia ter saído bispo, mas se recusou a deixar o
sacerdócio simples, mas, ao mesmo tempo, tão grandioso, sacerdócio junto ao
povo miúdo. Pois bem. Até aquele santo homem mereceu um apelido saído da boca
de Manico de Tintiliano: Luz de Anjo. Um apelido respeitador para um homem
respeitado pelo mundo afora.
Os apelidos que Manico botava nas
outras pessoas eram desembestados. Urubu cansado, Guela de bem-te-vi, Vara de
virar tripa, Beira de penico, Lenço de mulher-dama, Bilhete sujo, Mijo de
sagui, Bunda de tanajura, Fiofó arregaçado, Tamborete sem pernas, Olho de boi
zanoio, Cacimba sem água, Asa de muriçoca, Pavio de candeeiro, Donzela morta,
Boca de caçapa, Boi deitado, Cabeça sem miolo, Fundo de panela, Gazela
apressada. Eis alguns dos apelidos, cujos apelidados ainda vivem. Apelidos
pegam, ou não pegam. Se a pessoa apelidada subir nos tamancos, rodar a baiana,
fazer fuzuê, aí o apelido pega. Ninguém, daquele tempo, azedou mais com o
apelido do que Chico de Mamede, que não gostava de ser chamado de Limonada. Ele
virava nas seiscentas. Pior era quando dois sujeitos lhe azucrinavam, um
gritando “Limão!”, e outro gritando “Açúcar!”. Então, ele garrava de uma faca
peixeira e brotava: “Mustura, fio do
cabroco, mustura, que eu lhe decosturo
de faca, do quengo à bicheira do pé”! A molecada ia à loucura.
Mas, e Fedô de Doido, onde, enfim,
entra nessa trama? Calma. O leitor deve ter a paciência que tem o autor, embora
este não seja lá grande coisa, no trato do palavreado. É preciso ter calma.
Afinal, todo escrito tem um fim, embora nem sempre seja do agrado do leitor.
Fedô de Doido...! Que apelidozinho mais desgraçado! É de tapar o nariz. Porém,
é, também, de se ter misericórdia dos pobres amalucados que andam por aí, sem
esmo, sem atinar para a vida, os miolos desconjuntados na cabeça, vagando como
almas penadas de carne e osso. Vidas que minguam no descompasso do desajuizamento.
Era uma tarde de sol frouxo, que
dava sinais da aproximação do inverno, tardio, nos fins de maio. Ninguém
plantara o milho de São José. As chuvas não deram sinal, nos meados de março.
Entrou abril com o sol a pino, dia após dia. Seria mais um ano de seca verde,
como o ano anterior? Prenúncio de miséria, de fome e de sede? Não, não seria. A
grandeza de Deus, como dizia Sá Bertina de João de Rosa, ainda cairia, bem
lacrimejada, para fazer a terra engravidar e parir todo tipo de brotos. Pois naquela
tarde, em que um ventinho safado de bom descia da Serra das Moças, com nuvens
bonitas prendendo e soltando o sol, Manico vinha pela estrada do Caga Sebo,
montado no jegue de Tintiliano, seu pai, com os pés quase arrastando no chão,
cantarolando uma modinha antiga, que sua mãe, Cecilinha de Tintiliano, devia
cantarolar enquanto cuidava da lide. Passando na porta de Porfírio de Sá Lucinda
de Bastião das Aroeiras, deu de cara com Maria das Dô, filha caçula de
Porfírio, que começava a desabrochar, qual fulô de mandacaru em prenúncio de
chuva. Ali estava uma morena de endoidecer um quengo, de fazer um cabrinha no
verdor da vida, se livrando da inhaca do mijo, como se dizia, ver os olhos não
grudarem no sono por uma noite inteirinha. Ah, miséria de vida era a chegada da
paixão alucinada, atirando por terra os beiços de alguém! Um endoidecimento. Coisas
sem-vergonhas passando pela cabeça e se materializando na solidão. Agonia. Uma
fulô de mandacaru amorenada, de formas botando ainda mais belas formas,
formando uma formosura de maior esplendor do as auroras, juntas, do mundo
inteiro.
Manico manobrou a alimária para o
terreiro de Porfírio e Sá Lucinda. A fulô amorenada expendia nos seus quinze
anos. O de coração triturado não passava dos dezessete. Coração a carecer de um
lenitivo para a sua agonia. “Boas tarde, das Dô”! A voz quase sussurrante do
rapaz fez a fulô abrir um sorriso, como se procurasse beber uma gota de orvalho.
O moço apeou do animal. O sorriso de Das Dô encorajaria até um calango diante
de uma cascavel.
Em inoportuna ocasião, o jumento sem
cerimônia e sem pejo fez descer no terreiro de Sá Lucinda um avantajado jato de
xixi. Mais que depressa, Manico tangeu o jegue para debaixo de um pé
maria-preta. “Vai pra lá, Fedô de Doido”! A fulô riu igual a uma noite de lua
cheia. O filho de Tintiliano acabara de botar mais um apelido.
Mal e mal começando uma prosa
encabulada, do lado de lá e do lado de cá, a primeira prosa assim de olho
arregalado em olho arregalado, corações em descompasso, como se furtando estivessem,
Manico, num sobressalto, viu aproximar-se o dono da casa, compadre dos seus
pais. “Boas tarde, Manico. Como vai o compadre? E a comadre? Ô Das Dô, minha
filha, traga uma cadeira pro moço”. Aquilo soou como uma bênção. Das Dô foi e
voltou num piscar de olho, mais rápida que um corisco virando cobra de fogo no
ar. Aquela seria a primeira de muitas belas tardes na vida daqueles dois.
Debaixo do pé de pau, Fedô de Doido, nem aí para o casalzinho, sacudia o rabo,
tangendo moscas.
* Padre, Advogado,
Professor da Universidade Federal de Sergipe, membro da Academia Sergipana de Letras,
da Academia Sergipana de Letras Jurídicas,
da Academia Dorense de Letras, da Academia Sergipana de Educação e do Instituto
Histórico e Geográfico de Sergipe.
A REVOLTA DE 13 DE JULHO DE 1924 E OS SEUS REFLEXOS SOCIAIS
José
Anderson Nascimento*
A
revolta dos tenentes paulistas iniciada em 5 de Julho de 1924, sob o comando do
General Isidoro Dias Lima, contra o governo do Presidente da República Dr.
Artur da Silva Bernardes, que enfrentava uma grande crise econômica,
concentrando o poder em mãos de políticos de São Paulo e de Minas Gerais, com
denúncias de corrupção e de violação de princípios democráticos, muito
influenciou os militares sergipanos, que, em sua adesão, sediciaram o 28º
Batalhão de Caçadores na madrugada do dia 13 de julho desse ano, ocuparam o
Palácio do Governo, prendendo e depondo o Presidente (Governador) Maurício
Graco Cardoso e alguns dos seus auxiliares, dentre eles o Chefe de Polícia, Dr.
Cyro Cordeiro de Farias, o Secretário Geral do Governo, Dr. Hunald Santaflor
Cardoso, o Consultor Geral do Estado, Dr. Carlos Alberto Rolla, entre outros.
Os
insurgentes, estando à frente o Capitão Eurípedes Esteves de Lima e os Tenentes
Augusto Maynard Gomes, João Soarino de Melo e Manoel Messias de Mendonça, ocuparam
também a estação telegráfica, a estação da Ferrovia Leste Brasileiro, que era
localizada entre os mercados Maria Virgínia Leite Franco e Tales Ferraz e o
Quartel da Polícia Militar, localizado no atual Museu da Gente Sergipana.
A
tropa sediciosa marchou para a Praia Formosa e lá foram cavadas trincheiras até
a Ponta do Claudiano, estacionando na margem direita do Rio Sergipe os canhões
“Sergipe” e “União Faz a Força” e uma “Metralhadora” alemã da Primeira Guerra
Mundial. Minaram a barra do mesmo rio e fizeram barricadas com sacos de areia,
preparando a defesa, acaso as tropas federais viessem pelo mar. Sempre
disparavam tiros de canhão, para animar a tropa e alertar a população. A Junta
Governativa Militar composta pelos seus principais líderes, o Capitão Eurípedes
Esteves de Lima e os Tenentes Augusto Maynard Gomes, João Soarino de Melo e
Manoel Messias de Mendonça, preocupou-se com o cerco de Aracaju e destacou
revoltosos para São Cristóvão e Itaporanga d’Ajuda. Em Rosário do Catete a
defesa dos revoltosos ficou a cargo do exator Antônio Garcia Sobrinho e do
advogado Zaqueu Brandão, que comandaram a guarnição com o canhão da Guerra da
Independência, que foi colocado no vagão para transportar equipamentos do trem
Maria Fumaça da Ferrovia Leste Brasileiro. Esse grupamento foi o responsável
pela debandada do Batalhão Hercílio Britto, formado às pressas com homiziados,
cangaceiros e outros indivíduos do Baixo
São Francisco, que vinham em socorro do governador do estado, que se achava
preso no Quartel do 28º BC. Quando este batalhão se aproximava de Carmópolis,
foi surpreendido com o estampido do tiro do velho canhão, disparado por Zaqueu
Brandão, pondo-se em fuga a cavalaria e os infantes a pé, às carreiras, pelas
matas e brejos, até alcançarem Propriá e dispersarem-se. Das bandas de Simão
Dias partira em defesa do Dr. Graco Cardoso, uma coluna denominada de Batalhão
Barão de Santa Rosa, comandada pelo Coronel Pedro Freire de Carvalho, que
desistiu da empreitada antes de chegar em Salgado, dispersando-se em direção do
sertão.
Apesar
dessas debandadas, em que os revoltosos contabilizavam vitórias, a situação no Sul
do Estado não era favorável aos insurgentes, pois trazidos pelos navios Iris,
Canavieiras, Comandante Miranda e Marau, apoiados pelo contratorpedeiro
Alagoas, desembarcaram no Castro, em Santa Luzia do Itanhy, mais de mil soldados provenientes dos
20º, 21º e 22º Batalhões de Caçadores, aquartelados em Maceió, Recife e João
Pessoa, respectivamente, além de militares das polícias da Bahia e de Alagoas,
todos comandados pelo General Marçal Nonato de Farias, rumando a pé, pelos
charcos, mangues e alagados, rumo à Estância, onde foi fixado o Quartel General
da campanha para restabelecer a
legalidade em Sergipe. Para essa operação de Guerra, o General Marçal Nonato de
Farias contou dois canhões Trupp, guarnições, armamento e munições. Navios,
trens da Ferrovia Este Brasileiro, barcaças, pequenas embarcações, caminhões,
carros de bois e tropas de muares.
As
estações ferroviárias de Boquim e de Salgado foram ocupadas pelos legalistas e o
Marechal Marçal de Farias estabeleceu o seu Quartel General num vagão do trem
Maria Fumaça e fez com que os insurgentes recuassem para São Cristóvão. Parte
da tropa legalista desembarcou em São Cristóvão e seguiu em demanda para
Aracaju, enfrentando os charcos palustres da Jabotiana, alcançando as tropas revoltosas
pela retaguarda, que se puseram em debandada. Presos os principais líderes da
revolta e mais outras quinhentas pessoas, os legalistas não conseguiram prender o Tenente Augusto Maynard, que driblou
o cerco imposto em Aracaju, fugindo para Rosário do Catete, depois para Santo Amaro,
escapando pelas matas da Fazenda Aruari, com o apoio do amigo Brasilino de
Jesus, vagando pelo interior de Sergipe e escapa para Salvador, daí, parte para
São Paulo, onde foi preso e recambiado para Aracaju em 7 de fevereiro de 1925.
Os
reflexos da Revolta de 13 de Julho de 1924 projetaram as pautas do Tenentismo,
notadamente no combate à corrupção e na propaganda do voto secreto, além da
construção da Justiça Eleitoral e da instituição do ensino público obrigatório.
Essas demandas projetaram-se à Revolta de 19 de Janeiro de 1926, em que o Tenente
Maynard, apesar de recolhido ao 28º BC, o sublevou, novamente, com os mesmos
companheiros de farda, capitão Eurípedes Esteves de Lima e tenente João
Soarino, partindo para o enfrentamento com as tropas da Polícia Militar nas
ruas de Aracaju. Baleado, o Tenente Maynard foi levado ao hospital para
tratamento do seu ferimento e depois conduzido para a Ilha da Trindade, no
Oceano Atlântico a 1.200 km do
município de Vitória, que se tornara em prisão militar. Para lá foram
conduzidos, também, o Capitão Eurípedes Esteves de Lima, os tenentes João
Soarino de Melo, Manoel Messias de Mendonça e mais cem insurretos sergipanos.
Lá já estavam revoltosos de outros estados, entre os quais o capitão Juarez
Távora e o tenente Eduardo Gomes.
Anistiados,
os revoltosos de 13 de Julho de 1924 focaram-se na Revolução de 1930,
inspirando, em Sergipe um programa educacional na Interventoria Federal do
General Augusto Maynard, inaugurando o Jardim de Infância, em 17 de março de
1932, cabendo a direção dessa unidade à Professora Penélope Magalhães dos
Santos, uma entusiasta da educação infantil. Além disso, outras iniciativas no
campo educacional foram presentes, em especial as produções científicas dos
professores José Augusto da Rocha Lima e Helvécio Andrade, publicadas no “Boletim
Pedagógico” em 13 de julho de 1934, comemorando os 10 anos da revolta dos
tenentes.
*Magistrado aposentado, advogado, professor e presidente da Academia Sergipana de Letras e membro da Academia Sergipana de Educação.
quinta-feira, 16 de julho de 2020
OS BRUZUNDANGAS – UM OLHAR (A)TEMPORAL DO BRASIL
Claudefranklin
Monteiro Santos*
Próxima de completar cem anos de sua
primeira edição, uma das obras mais polêmicas de Lima Barreto ajuda a entender
o Brasil de ontem e o Brasil de hoje. O pêndulo que separa os dois tempos e no
mesmo movimento os aproxima intimamente define ao livro Os Bruzundangas a sua importância na História da Literatura Brasileira
e recoloca o autor na cena discursiva que versa sobre a tênue fronteira entre ficção
e realidade.
Afonso Henriques de Lima Barreto nasceu
no Rio de Janeiro, no dia 13 de maio de 1888. Aos seis anos de idade, ficou
órfão da mãe, Amália Augusta. O trauma não lhe causou empecilhos para se destacar
na escola pública, quando estudou no Colégio Paula Freire. Ingressou no nível
superior, mas precisou interromper os estudos para ajudar financeiramente em
casa, pois seu pai havia enlouquecido. Trabalhou como amanuense (uma espécie de
secretário de repartição pública) e como jornalista no Correio da Manhã. Morreu
muito jovem, no Rio de Janeiro (01.11.1922), aos 41 anos vítima de complicações
coronárias, agravadas pela loucura e pelo alcoolismo.
Lima Barreto, mestiço de origem e
polemista por essência, além de encontrar dificuldades de ser aceito entre os pares
de sua época, teve parte de sua obra publicada postumamente. Coube aos
escritores Francisco de Assis Barbosa e Lilia Moritz Schwarcz tornar o autor
conhecido e respeitado, com exímios trabalhos biográficos, dignos de nota e
elogios, respectivamente: Vida e Obra de Lima Barreto (1952) e Lima Barreto –
Triste Visionário (2017).
Lima foi um combatente da literatura
brasileira, lutando contra todo tipo de preconceitos e contra o racismo,
inclusive o chamado racismo científico de sua época. Andarilho do Rio de Janeiro
(de onde só saiu para se tratar do alcoolismo, em Marisol, com o médico
lagartense, radicado em Santos, Ranulfo Prata), captou a cidade e a levou para
seus escritos. Lugares e sujeitos. Com uma “literatura embrenhada de memória”
(Lilia Schwarz), tornou-se uma leitura obrigatória para a compreensão do Brasil
da Primeira República.
Autor de vários romances, crônicas,
artigos, memórias, destacou-se, sobretudo pela obra Triste Fim de Policarpo
Quaresma (1915), que mereceu uma versão para o cinema brasileiro em 1998, com
Paulo José e Giulia Gam. Em 1982, a Escola de Samba Unidos da Tijuca lhe fez
uma homenagem com o samba-enredo Lima Barreto – mulato, pobre, mas livre.
No que diz respeito ao livro Os Bruzundangas,
trata-se de uma sátira que foi escrita, em forma de notas, entre os anos 1917 e
1921, tendo sido publicada postumamente em 1922. Para Valentim Facioli (USP,
1985): “(...) o efeito do texto é o de um ferrão na inteligência do leitor” (p.
11).
Lima usa uma tática para falar do
Brasil de seu tempo, valendo-se de um lugar imaginário (Bruzundanga). Ao
colocar, o tempo todo, ambos os lugares em oposição (aqui e lá), no fundo o
escritor está se referindo a um único lugar. Para dar nome aos seus
personagens, Lima Barreto inventou nomes próprios, como se fossem escritos em
língua estrangeiras. Se vale também da língua portuguesa e em alguns casos até
dá “nome aos bois” (Coelho Neto).
Entre as críticas mais contundentes,
destaque para as dirigidas aos “samoiedas”, termo utilizado por Lima Barreto
para criticar a chamada literatura “sorriso da sociedade” da época, não muito
diferente da atual: erudição floreada e discurso convencional e panegírico,
descolado da realidade. Ao falar dos “samoiedas” referia-se aos literatos e
intelectuais de pouca obra ou de obra nenhuma, que pousam de figurões
respeitáveis, inclusive nos círculos literários, movidos pela vaidade e não
pela arte literária. Nesse sentido, para Lima: “(...) A glória das letras só as
tem, quem a elas se dá inteiramente; nelas, como no amor, só é amado quem se
esquece de si inteiramente e se entrega com fé cega” (edição de 1985, p. 23).
A seguir, em linha gerais, as principais
críticas de Lima Barreto presentes na obras Os Bruzundangas: ao jeito pavão de
ser das elites brasileiras; à economia monocultura, latifundiária e dependente
do capital externo; à nobreza de toga, de espada, doutoral e de palpite; ao
acúmulo de cargos públicos, às acomodações e conchavos políticos e à propina; à
hipocrisia católica; ao ufanismo exacerbado; ao ensino e os privilégios dos
mais abastados; à desobediência à Constituição, sua mutilação e inúmeras
modificações para acomodar interesses particulares ou de ideologias; ao carreirismo
político; ao heroísmo fabricado; à corrupção por meio de assaltos “legitimados”
aos cofres públicos; ao sistema eleitoral; à prática mercantil da medicina; à
bajulação da personalidade e o culto à própria imagem; ao loteamentos de cargos;
entre outros, atualíssimas.
Sobre
o conjunto da obra e como a podemos situar no passado e no presente, o próprio
autor nos dá uma valiosa pista: “(...) se a posteridade não encontrar nelas [as
notas sobre Bruzundangas] algum ensinamento, e as desprezar, os contemporâneos
do meu país podem achar nestas rápidas anotações de coisas de nação tão remota,
moldes, receitas e meios para esbodegar [grifos meus] de vez o Brasil” (p. 66)
É duro (re)ler Os Bruzundangas e notar que o Brasil segue o mesmo, em muitos
aspectos, passados cem anos. A mesma canalhice de sempre e o mesmo desprezo
pela cultura, pelo saber e pela ética. Segue a economia a ditar os rumos da
nação, por meio de manobras políticas escusas à base do privilégio e da
desfaçatez.
*Professor,
doutor em História, membro da Academia Sergipana de Letras, da Academia
Lagartense de Letras e da Academia Sergipana de Educação.
BOTARAM SAL NO DOCE DO GOVERNADOR
PÓ DE SOVACO DE MORCEGO
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