terça-feira, 28 de julho de 2020

ASSUERO CARDOSO BARBOSA: ASSIM NASCEU O POETA





Claudefranklin Monteiro dos Santos*


Quando o assunto é poesia em Lagarto-SE, certamente a principal referência é o jornalista Abelardo Romero Dantas (1907-1979). Autor de diversos trabalhos em prosa, tais como: Sílvio Romero em Família (1960), Origens da Imoralidade no Brasil (1967), Chatô, a verdade como anedota (1969), Heróis de Batina (1973) e Limites Democráticos do Brasil (1975, publicado postumamente em 2009). Na poesia, Abelardo se notabilizou tanto quanto na prosa e isso lhe rendeu inúmeros trabalhos, dos quais destaco Visita ao Rio (1978).
Na década seguinte ao seu falecimento, suas sementes lançadas em solo até então exclusivo de Sílvio Romero e de Laudelino Freire, apontaram frondosas com novos frutos do talento lagartense. Os anos 80 foram importantes para a renovação da cena cultural de Lagarto, trazendo a lume nomes como o poeta Assuero Cardoso Barbosa, sem sombra de dúvidas, hoje e para a imortalidade, à altura de Abelardo Romero Dantas.
“Antes eu fazia poemas, guardava ou eram expostos nas amostras culturais da Escola de Primeiro Grau Sílvio Romero, onde estudei da sexta à oitava série”. Nos relatou o poeta, nascido no dia 13 de setembro de 1965, filho de Ataíde Cardoso Barbosa e Higino Barbosa do Espírito Santo.
O ano de 1984 foi um marco em sua vida, graças ao II Concurso de Poesia Falada de Lagarto, realizado no Auditório do Colégio Nossa Senhora da Piedade (Colégio das Freiras). À época, o evento era promovido pela Secretaria Municipal de Educação e Cultura (com Paulo Andrade Prata na condição de secretário) em parceria com Secretaria de Estado da Cultura. As atividades culturais do município eram capitaneadas pelo artista floral Aristides Libório, na função de Agente Cultural.
Assuero Cardoso Barbosa viu que ali era uma grande oportunidade de mostrar seu trabalho para além da esfera estudantil. Ele escreveu o poema NÃO ACEITAMOS DÉBEIS MENTAIS, que compôs em memória ao amigo Jerônimo Almeida, estudante, seu amigo, que havia cometido suicídio, deixando a todos chocados. Segundo Assuero: “ele era conhecido na época pelo potencial intelectual”.
No II Concurso de Poesia Falada de Lagarto, Assuero ficou em terceiro lugar. Na terceira edição do concurso, no ano seguinte, ele levou os prêmios de primeiro e terceiro lugares, além de melhor intérprete: “o evento foi de total importância para que eu seguisse acreditando no que poderia contribuir como pessoa e cidadão lagartense”.
A Associação Cultural de Lagarto (ASCLA), fundada em 1970, conseguiu editar um livreto reunindo os poemas. A seleção dos dez classificados era feita por uma equipe de intelectuais e poetas de Aracaju que enviavam os selecionados para a prefeitura daqui. Apesar do rigor, houve plágios de alguns poemas, segundo Assuero: “Talvez por insegurança de alguns concorrentes”.
Poemas classificados no II Concurso de Poesia Falada de Lagarto, em 1984: 1) Glória na Terra e Alceu no Céu (Lísia Conceição Ferreira); 2) Oposição Direta (Noeme Dias); 3) Não Aceitamos Débeis Mentais (Assuero Cardoso Barbosa); 4) Depois de Você (José Élio de Souza); 5) Convite (Noeme Dias); 6) Medo (Maria do Carmo de Jesus); 7) Sem você (George Monastiliki); 8) Atos das Seca (Noeme Dias); 9) Cara Amarrada (Maria do Carmo de Jesus); 10) Vida e Morte (Leustênisson Mesquita).
Dessa plêiade de novos talentos, que nos apresentou Assuero Cardoso Barbosa para o mundo, destaco a acadêmica Noeme da Silva Dias, da Academia Lagartense de Letras, a primeira grande referência feminina da poesia lagartense.
Passados 36 anos, Assuero Cardoso Barbosa se firmou em definitivo entre os grandes da cultura lagartense e sergipana. Notável e premiado poeta, ele é membro fundador da Academia Lagartense de Letras, ocupante da cadeira de número 2, cujo patrono é o jurista e filólogo Laudelino Freire de Oliveira. É autor de vários livros, com premiações em nível local e nacional. Licenciado em Letras – Português, pela Universidade Federal de Sergipe, também é membro correspondente da Academia Cachoeirense de Letras (ES).

NÃO ACEITAMOS DÉBEIS MENTAIS

Não aceitamos débeis mentais!
Ouvi falar assim certos "sociais".
Percebi neste momento o quanto
Meu esforço foi em vão.
Eu, Jerônimo Almeida,
Simples sonhador e ser humano
Apagaram minha ilusão
Destruíram meu sonho.

Não aceitamos débeis mentais!
Estas palavras insistiram
Atormentaram meu pensamento
Não me deram chance
de poder mostrar meu talento
De poder mostrar muito mais
Fui vítima injustamente
Desse mundo de podres animais.

Foi como se tivessem roubado
Meu desejo de vida
Fizeram-me sentir inútil e pequeno.
Optei pela morte, tomei veneno.
Perdoe-me DEUS! Viver aqui? Jamais!
Eu vou para o céu
Pois aí tenho certeza
Que o senhor aceita débeis mentais!




FÉ E CIÊNCIA - VELHOS EMBATES E NOVAS QUESTÕES





Prof. Claudefranklin Monteiro Santos*


“Penso, logo existo”. E se além de pensar, também crermos: deixamos de existir? Se existimos, por exemplo, temos uma origem e um fim e é exatamente aí que as contendas se avolumam entre a fé e a ciência. A lógica da ciência e toda a sua racionalidade ainda não deu conta de explicar essa inquietante incógnita. Em tempos de pandemia, talvez continuar existindo tenha mais sentido do que procurar saber de onde viemos e para onde vamos.
Quando o filósofo e matemático francês, René Descartes (1596-1650) afirmou aquela frase, a ciência estava pondo suas asas de fora e batendo de frente com o imperativo da fé, notadamente, da fé católica. Ao preconizar a frase em tom sumário e sob os auspícios de uma outra verdade que não a do crer, ele confirmou e conformou uma tendência de que a razão dar-se-ia como princípio norteador e único para explicar as coisas que acontecem e as demandas dos fenômenos, que ultrapassassem a nossa apreensão à primeira vista sem maiores questionamentos.
O embate entre fé e ciência já teve vários capítulos na história da humanidade. Santos católicos, anteriores ao avanço da chama ciência moderna, já apontavam possibilidades de conciliação entre as duas coisas. É de Santo Agostinho (354-430), por exemplo, a conhecida máxima: Intellige ut credas, crede ut intelligas (“é preciso compreender para crer, e crer para compreender”). Alguns séculos mais tarde, Santo Tomás de Aquino (1225-1274) procurou aprofundar a ponte possível entre as duas áreas. A seguir, temos uma amostra disso em: “(...) se o intelecto humano compreende a substância de uma coisa, seja de uma pedra ou de um triângulo, nenhuma das realidades inteligíveis desta coisa excede a capacidade da razão humana. Porém, com relação a Deus, tal não acontece. Isto porque o intelecto humano não pode chegar a apreender a substância divina pela sua capacidade natural” (Suma contra os gentios).
No século XIX, a célebre afirmação de Friederich Nietzsche (1844-1900) de que “Deus está morto” poderia ser o último round na peleja entre a fé e a ciência, dando a esta o cinturão sagrado da verdade. Mas, passadas duas guerras mundiais, guerra fria, novas pestes e epidemias, novas ideologias, a escalada da morte e do horror, eis que Deus permanece vivo e a fé exercendo forte e até decisiva influência sobre os mais diversos assuntos. Mas a fé, no seu sentido prático e doutrinário ainda precisa resolver um problema que a ciência também não foi capaz de oferecer: soluções efetivas para minimizar a miséria humana e dar dignidade às pessoas, longe das regras ditadas pelo mercado e pelo lucro voraz.
Longe de avançar nessa discussão no plano filosófico ou teológico, penso (e creio também) que o nosso tempo nos impõe se não um meio termo entre as duas verdades, ao menos uma complementariedade. Assim como o mundo está polarizado entre esquerda e direita e bem e mal, penso e creio que seguir em mais uma dicotomia de mais de cinco séculos não ajudaria em nada a nos mantermos vivos. Aliás, são exatamente os pêndulos extremistas que estão matando as pessoas mais do que necessariamente o vírus. Este tornou-se, portanto, o algoz por excelência da cisão humana no afã de soberbamente ser só uma coisa ou outra e não se permitir ser uma terceira ou a intersecção harmoniosa entre ambas.
Em artigo recente, de muita lucidez, a professora e teóloga Maria Clara Bingemer disse algo que nos parece muito oportuno para o tempo presente ou para o novo normal: “Falar de Deus em tempos de coronavírus implica dialogar com a ciência e deixar-lhe plena autonomia no campo e competência que lhe é própria. Não misturar epistemologias ou querer tratar o que releva do campo do biológico com instrumentos falsamente espirituais que matam em vez de curar e alimentam políticas genocidas, empurrando as pessoas para o contágio e muito provavelmente para a morte (Dom Total, 26 de maio de 2020)”.
O fato é que a minha fé me dá certeza que existe vida após a morte. Por outro lado, o meu conhecimento me permite duvidar para conhecer melhor. Ao passo que amo um Deus invisível, sinto o frescor das flores e do ar que a ciência me ajudou a compreender. A vacina que os cientistas lutam tenazmente para encontrar, em sua luta diária na bancada dos laboratórios, cultiva, de uma forma ou de outra a mesma coisa que a religião ou as religiões de um modo geral ensinam: a prática da empatia, a esperança e a necessidade e possibilidade de superar as adversidades, a dor, o sofrimento e quem sabe até mesmo a morte.
Se a fé é a cegueira dos idiotas, a ciência bem pode ser a virtude dos imbecis. Se a pandemia ainda não deixou isso claro, não sei ainda o que pode vir a ser pior para o ser humano num futuro bem próximo: a instituição da ignorância ou o império da arrogância. Enquanto isso, seguimos sem saber de onde viemos e para onde vamos, e, naturalmente, sendo eliminados por um mísero vírus, que até se prove o contrário, não crê e nem tão pouco duvida: ele contamina, adoece e até mata.


*Professor do Departamento de História da Universidade Federal de Sergipe, doutor em História e membro das Academias Sergipanas de Letras e de Educação.




segunda-feira, 27 de julho de 2020

COMO AUMENTAR A IMUNIDADE





Antônio Carlos Sobral Sousa*


Recentemente, em uma Live, o colega José Augusto Soares Barreto-Filho se referiu ao novo coronavírus como “Prof. SARS-Cov-2”. Uma breve reflexão sobre este tema nos permite constatar que a Covid-19 está iluminando, claramente, as desigualdades e disparidades estruturais que contribuem para a doença, à semelhança de tantas outras mazelas transmissíveis ou não, que produzem impacto, demasiadamente desproporcional, aos menos favorecidos. Temos aprendido, também, que algumas pessoas (menos de 20% dos infectados) evoluem para uma fase mais grave da doença, enquanto outras se recuperam rapidamente, muitas das quais nem chegam a apresentar sintomas típicos de virose.
Tem sido especulado que o estado imunitário bom seria um passaporte para evolução favorável da Covid-19. Partindo desse princípio, o que fazer para aumentar a imunidade em tempos de Pandemia? Muita gente tem utilizado, indiscriminadamente, vermífugos, antibióticos e vitaminas, com a esperança de que o milagre do incremento imunitário aconteça, em detrimento de implementação de medidas simples e que, comprovadamente, funcionam para esse intento.
Alguns estudos publicados, em diferentes partes do mundo, têm chamando a atenção para a importância da prática regular de atividade física, especialmente em intensidade e duração moderadas, mesmo em ambiente domiciliar, para fomentar a resposta imune e melhorar a resistência do corpo. Além disso, o exercício físico constitui aliado importante na prevenção da ansiedade e da depressão, comorbidades comuns nos tempos difíceis de pandemia e que, sabidamente, promovem queda de imunidade. 
Manter hidratação adequada e alimentação saudável são fatores importantes na produção de anticorpos. Recomenda-se ingerir, pelo menos, dois litros de água, diariamente, para se manter saudável e em forma. A dieta deve conter quantidade adequada de proteínas e ser rica em frutas, legumes e especiarias coloridos, tais como: laranja, kiwi, morango, melancia, mamão, melão, pimentão verde, brócolis, cenoura, folhas verdes, açafrão, manjericão, alho, cebola etc. Esses nutrientes também protegem contra os radicais livres, moléculas que podem prejudicar as células. Por outro lado, deve-se evitar o açúcar, os doces, o excesso de amido, as guloseimas, as massas, as frituras, os produtos industrializados e o álcool, sobretudo se consumido excessivamente.
O fumo deve ser abolido porque, além de piorar as infecções pulmonares bacterianas e virais, os produtos químicos liberados pela fumaça do cigarro - monóxido de carbono, nicotina, óxidos de nitrogênio e cádmio - podem interferir na função das células imunológicas.
Tem sido demonstrado, também, que o sono de boa qualidade é de grande utilidade na produção de elementos essenciais do sistema imune. Mesmo confinado, recomenda-se manter o hábito de dormir e acordar cedo, procurando desenvolver atividades que preencham o dia. Um estudo evidenciou que indivíduos saudáveis, com insônia, eram mais suscetíveis à gripe, mesmo após serem vacinados.
Finalmente, controlar o estresse, porque o hormônio cortisol, liberado em tais situações, quando mantido em níveis elevados, bloqueia o sistema imunológico. Este intento pode ser conseguido mediante brincadeiras, bate-papo descontraído, leitura agradável e prática de exercício, conforme referido acima. Evitar o envenenamento mental causado por notícias sensacionalistas que nos chegam a toda hora é, também, uma forma inteligente de se combater o estresse.


* Professor Titular da UFS e Membro das Academias Sergipanas de Medicina, de Letras e de Educação.

                              


sábado, 25 de julho de 2020

AS PESCARIAS DA MINHA AVÓ




José Lima Santana*


Menino, lá pelos meus nove, dez anos, minha avó Lourdes, nas férias escolares, me levava para as suas pescarias, no riacho do Trampolim, que nasce no açude da nossa cidade, Nossa Senhora das Dores, e que fica ao pé da zona urbana, descendo pela Rua Barão do Rio Branco, antiga Rua do Quartel, passando pela Baixa do Sapo, para quem vem do centro da cidade. Mas, para quem mora no Bairro João Ventura (subúrbio no meu tempo de criança), toma-se o rumo do antigo beco do açude, hoje, Rua Tobias Barreto, exatamente onde se situava a casa da minha avó. As pescarias eram de jereré e a companheira da minha avó era tia Maria, mulher do meu tio-avô Vangelo, irmão da minha avó. Na verdade, o riacho, que, descendo um pouco mais, passa a se chamar Gonçalão e, mais adiante, Caiçara, é, na verdade, o riacho Siriri Morto (não sei de onde vem essa estúpida nomenclatura, pois o riacho é bem vivo e corta, meio a meio, a minha propriedade rural, herdada do meu pai), que se junta ao riacho Siriri Vivo, para formar o rio Siriri, afluente do rio Japaratuba. Eu adorava as pescarias. Qual o menino que, criado no interior, não gostava de aventuras? As pescarias ocorriam pela manhã, às vezes passando um pouco do meio-dia. Vovó tinha o cuidado de sempre me fazer levar um lanche e água para beber. Peixes pescados? Sarapó, jundiá, piau, e uns camarões de água doce, raros, mas que eram pescados nas tocas. Vovó só pescava calçada. Certa vez, ela arranjou com uma vizinha, Maria de Adalúcia, um par de sapatos vermelhos de salto alto, fora de uso. Dá para imaginar alguém pescando, metida nuns sapatos altos? Só mesmo a minha avó. Pois bem. Lá pelas tantas, vovó ficou atolada no riacho. Acho mesmo que ela meteu o pé num buraco. Deu trabalho. Tia Maria morria de rir e dizia: “Mulé, deixe o diabo desse sapato aí. Tire o pé e bora simbora”. Qual nada! Vovó insistia em se desatolar, para não perder os sapatos vermelhos de salto alto, a fim de usá-los noutra pescaria. Enfim, com a ajuda de tia Maria, ela se desvencilhou do atoleiro ou do buraco, sei lá. Naquele dia, nós rimos muito. Eu jamais entrava no riacho. Ia seguindo as duas pescadoras, carregando, além da matula com a merenda, o embornal para acomodar o produto das pescarias e um pequeno bastão, para alguma providência que se fizesse necessária. Medo só de duas coisas: boi brabo e cobra. Mas, felizmente, nesse sentido, nada jamais aconteceu para o meu lado, naquelas aventuras. Porém, dois fatos curiosos, que nunca me saíram da memória: uma cobra no jereré de tia Maria e uma vaca parida de novo, que se botou para a minha avó. Escaramuças. Dizem que bois têm problemas com a cor vermelha. Zangam-se. Disso eu não sabia nos meus tempos de acompanhante de pescarias. Numa daquelas idas ao riacho, minha avó vestia uma blusa vermelha e uma saia de ramagens em que predominava a mesma cor. Com pouco tempo que minha avô e tia Maria estavam na água, correndo os jererés aqui e ali, minha avó saiu do leito do riacho, no exato lugar que a água corria por entre umas pedras, fazendo um barulhinho gostoso de se ouvir, uma cançãozinha aquosa de dar gosto aos ouvidos da gente, ao menos aos meus ouvidos de menino atento às coisas da natureza. Eis que o jereré tinha enganchado numa ramagem e parece que rompeu uns fios, a carecer de reparo. Tão logo minha avó saiu do riacho, para a margem oposta àquela que eu margeava, uma vaca parida de novo berrou duas ou três vezes e botou-se para cima dela, que estava de costas para a cuidadosa mãe, atenta apenas ao conserto do jereré. Então, tia Maria gritou: “Lourdes, ói a vaca”! Minha avó olhou para trás e, mais que de repente, jogou o jereré em direção à vaca, que lhe foi cair sobre as pontas. E atirou-se na água rasa do riacho, estatelando-se logo abaixo das pedras onde a água rumorejava. Sorte dela. Ainda bem que naquele dia ela não estava com os sapatos vermelhos de salto alto. A vaca chegou à beira do riacho, soprando, mas, felizmente, recuou. O jereré enganchou-se nos chifres. A vaca baixava e balançava a cabeça, tentando desvencilhar-se do objeto incômodo, sem sucesso. Um caçador de saguis, Felipão de Bastião do finado Nonô Caganeira acudiu o animal, conseguindo, com a vara comprida de pegar saguis, livrar a vaca do artefato indesejado e, àquela altura, muito danificado. Pobre da minha avó, que teve de comprar outro jereré, que era bem confeccionado por Estelinha de Maria de Afonso Zambeta do Pau Que Chora, lugar, naquela época, de casas noturnas mal afamadas: “Amor Fugaz”, “Inferno Colorido”, “Toca Viola”. A outra situação, a da cobra no jereré, deu-se assim: tia Maria passava o jereré numa toca em busca de camarões, sujeitinhos cabreiros de dar gosto. Vai daqui e vai dali, eis que ela suspendeu o jereré para ver o que tinha conseguido. Sim, uns camarões! Mas também uma cobra, do tipo jararacuçu malha de traíra, não muito crescida. Aliás, dizia-se que jararacuçu dameava com traíra. Uma ilusão. O verbo damear, um neologismo, significa manter relações mais do que próximas. O tal verbo origina-se de mulher-dama, expressão aplicada, na nossa região, para designar mulher de vida livre, como se sabe. A serpente pareceu, ao menos tia Maria assim o disse depois, ajeitar-se no jereré para dar o bote, olhando para a cara dela com a língua bifurcada saindo e voltando para a boca, saindo e voltando. Num átimo, tia Maria gritou: “Tá bêba peste”! E atirou longe o jereré, riacho abaixo, que acabou se enganchando num toco caído. Vovó disse: “Mas, mulé, tu tá cum medo de cobra, dentro d’água? Tu num sabe que cobra num ofende na água”? Cobra não ofendia dentro d’água. Era a crença de pessoas incautas. Era voz corrente, então, dizer-se que cobra ao entrar na água deixava a peçonha numa folha, para a resgatar depois. Que crença mais inocente! Gigantesca ilusão! Numa das pescarias, as duas se prepararam para passar o dia todo no riacho. Levaram algumas bugigangas para comermos. Eu carregava a matula, como já disse. E era um pouquinho guloso, em fase de crescimento. Vai daqui e vai dali eu ia comendo uma coisinha ou outra. Lá pelas tantas, o sol a pino, as duas pararam para um descanso e para babujar alguma coisa. Eis que eu tinha devorado quase tudo. Deixei as duas velhas roendo o osso. Vovó ficou danada: “Você deixou a gente com fome”! E eu, em minha defesa, como bom advogado-mirim, lembrei de uma frase que mamãe costumava dizer: “Quem guarda com fome, o gato come”. Comi. E assim foram algumas das minhas aventuras de menino, acompanhando minha avó Lourdes e tia Maria, nas pescarias, no riacho do Trampolim.

*Padre, advogado, professor da Universidade Federal de
 Sergipe, membro da Academia Sergipana de Letras, da Academia Sergipana de Letras Jurídicas, da Academia Dorense de Letras, da Academia Sergipana de Educação e do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe. 

quarta-feira, 22 de julho de 2020

KLEITON E KLEDIR TRI LEGAL





Claudefranklin Monteiro dos Santos*


            Em 1980, a Música Popular Brasileira foi invadida, no melhor sentido da palavra, pela dupla gaúcha, natural de Pelotas, Kleiton e Kledir. Os irmãos marcaram época na cena artística, com sucessos que ainda estão na mente e na boca das pessoas de várias idades até a presente data.
Embora trate de questões regionais ao longo de sua trajetória, a dupla apresenta em sua discografia uma variedade de temas, do místico ao amoroso. Pode-se dizer que a presença da dupla no cenário nacional chamou a atenção para outros tipos de produção e para outros lugares do país, a exemplo de Brasília e Rio Grande do Sul, de onde partiram grandes bandas de rock and roll, a exemplo de Legião Urbana e Engenheiros.
            Em seu primeiro LP (1980), canções como Fonte da Saudade e Vira Virou tiveram uma significativa aceitação em nível nacional. Fonte da Saudade é uma canção intimista e sensual, fala do desejo de forma diferenciada e com versos bem originais, a exemplo das passagens: “o teu corpo é uma serpente a me provocar” e “se isso é coisa do demônio, eu quero pecar”, para se referir à vontade de beijar. Vira Virou é uma espécie de fado com sotaque gaúcho, com um refrão forte e marcante: “Ah! Vira virou, meu coração navegador / Ah! Gira girou, essa galera”. Foi interpretada por grupos como MBP4, Nenhum de Nós e pelo cantor Ivan Lins.
            No ano seguinte, em 1981, mais um LP, outros hits e a afirmação do sucesso. Destaque para as canções: Deu pra ti; Semeadura; Paixão. Destaco ainda mais duas canções: Noite de São João e Navega Coração. Deu pra ti tem uma melodia muito agradável e positiva, usando expressões típicas do Rio Grande do Sul: “Quando eu ando assim meio down Vou pra Porto e..." bah"!, tri legal”.
Em Paixão, a dupla soube novamente traduzir o desejo em suas canções e também o amor. O trecho aquele maldito “Ah! Esse maldito fecho éclair” foi uma grande sacada. Fez e faz muito sucesso, inclusive na voz de Simone (1983), Belchior (1996) e com Cláudia Leite, em ritmo de reggae (2010). A versão de Belchior é a minha preferida, tanto que por anos achei que fosse de sua autoria. Paixão também foi tema da novela Orgulho e Paixão (Rede Globo, 2018). Por falar em novela, as músicas da dupla também já tiveram em repertórios de Guerra dos Sexos (1983, Viva); Sabor de Mel (1983, Nem Pensar).
             Nem Pensar foi o carro-chefe do terceiro LP da dupla. Na mesma toada, a música Tô que tô (sucesso na voz de Simone, no álbum Corpo e Alma, CBS, 1982). O regional está presente em O Analista de Bagé. A primeira faixa do lado B é um dos grandes destaques do álbum: Viva (sucesso na voz de Caetano Veloso e feita em sua homenagem). Corpo e alma encerra com chave de ouro, uma linda versão da música Bridge Over Troubled Water, de Simon and Garfunkel (1970).
            No quarto LP da dupla (1984), uma homenagem para uma figura singular do Brasil: Beijoqueiro. Não fez tanto sucesso quanto os outros títulos. Ainda assim, destaco a faixa Só peço a Deus, sobretudo pela qualidade e profundidade da mensagem de sua letra. Dois anos depois, eles voltaram a lançar um novo trabalho. Destaque para Tô afim de ficar contigo, 1986 (uma representação do contexto). Ano de fatos marcantes como a passagem do cometa da Halley, o desastre em Chernobyl e a distensão entre EUA e URSS. Destaco ainda Pampa de Luz.
            Em 1986, a dupla se desfez pacificamente e foram fazer projetos próprios. Em 1999, é refeita e gravou o CD Clássicos do sul, com a participação de Xuxa na canção Seu Pezinho. Dez anos depois voltou a gravar um trabalho com canções inéditas: Autorretrato (CD e DVD). Em 2011, fez e lançou um trabalho direcionado para o público infantil, premiado: Par ou Ímpar. O último CD com músicas inéditas saiu em 2015: Com Todas as Letras. Também em formato de DVD.
            Outras importantes intepretações de seu repertório merecem destaque. Hei de Voltar pro sul, de Fogaça e Kledir (1982), com Nara Leão. Também de Fogaça, em parceria com Kleiton, Fafá de Belém interpretou Aprendizes da Esperança (1985).
            Manter-se sempre no auge talvez não tenha sido a pretensão da dupla, afinal isso requer um grande esforço em nosso país e gera algum desgaste. O fato é que jamais caíram no esquecimento. O conjunto da obra da dupla marcou um capítulo importante do cancioneiro brasileiro. O surgimento de novas plataformas digitais voltadas para a música, trazem à tona sucessos como Kleiton e Kledir: para os da minha geração, uma saudade que se renova; para os mais novos, a oportunidade de saber como o Brasil é capaz de produzir coisa boa há muito tempo.


*Professor do Departamento de História da Universidade Federal de Sergipe, doutor em História e membro das Academias Sergipanas de Letras e de Educação.



AFINAL, QUEM FOI GETÚLIO VARGAS?




 

 

Claudefranklin Monteiro Santos*

 

 

            “Agora vos ofereço a minha morte. Nada receio. Serenamente dou o primeiro passo a caminho da eternidade e saio da vida para entrar na História”. Com estas palavras, uma das figuras mais fascinantes e contraditórias que o Brasil já conheceu, encerrou a sua jornada para ficar na memória dos brasileiros das formas mais diversas. Não somente na memória daquela geração, mas também na das que a sucederam.

            “Caudilho”, revolucionário, ditador, nacionalista, progressista, popular e democrática. Poucas pessoas na história política do país conseguiram assumir tantas características, o que rendeu a Getúlio Dornelles Vargas (1882-1954) uma das melhores (e piores também) representações de grande estadista. Esta figura camaleônica não dispensou qualquer momento para ficar na condição de protagonista político. Daí, a outra peja que lhe foi atribuída: a de oportunista. Ao que costumava objetar, dizendo: “Não sou oportunista. Apenas, quando o cavalo passa selado, eu monto”.

            Em que pesem todas coisas que se disseram ao seu respeito, a grande maioria há de concordar que o gaúcho de São Borja tinha carisma e muita habilidade política, a ponto de transformar seu suicídio, em 24 de agosto de 1954, no seu último e mais ousado gesto político, que teria freado ânimos golpistas e prorrogado a ânsia de parte dos militares em chegar (ou voltar) ao poder.

            Na História da República no Brasil, ninguém governou este país por tanto tempo. Foram aproximadamente dezoito anos no poder: 1930-1945; depois, 1951-1954. Com direito a fazer seu sucessor no intervalo entre os dois períodos, com o governo Eurico Gaspar Dutra. Dessa forma, o Palácio do Catete, sede do Governo Federal à época, no Rio de Janeiro, tornou-se praticamente uma extensão de sua casa. Aliás, grande equívoco de algumas lideranças até hoje, qual seja o de agregar seus familiares para seus domínios e fazer destes os seus domínios particulares, acima das pessoas e das instituições.

            Nesse sentido, pode-se dizer que Getúlio Vargas dominou politicamente a cena política do país nas décadas de 30, 40 e 50 do século XX. Foi o mentor da Revolução de 1930, que depôs o Presidente Washington Luiz, pondo fim, em tese, ao domínio das oligarquias do chamado Café-com-Leite, à política dos governadores. Além disso, deslocou as atenções para o Sul do país. Na condição de Presidente da República, nessa primeira passagem pelo poder, Vargas procurou empreender medidas para dar novo rumo à nação, mas acabou por firmar-se no poder e instalou um regime autoritário.

            A ditadura varguista ficou conhecida por Estado Novo (1937-1945). Getúlio Vargas procurou imprimir um caráter desenvolvimentista ao seu governo, mas também se valeu de toda a aparelhagem de todo e qualquer regime de exceções, como o uso da censura e de medidas mais duras do ponto de vista da repressão. Foi por essa época, sobretudo, que ele procurou construir a sua imagem pública à semelhança do que fizera em outros tempos outros estadistas, a exemplo de Luís XIV, da França (1643-1715).

            Refiro-me ao culto da imagem do homem público. Getúlio Vargas se utilizou da propaganda direcionada para passar a ideia de grande governante. O rádio, o cinema e as comemorações cívicas estiveram no bojo das manobras para idealizar o estadista Vargas. Algo que lhe rendeu, por exemplo, a alcunha de “pai dos pobres”. Aliás, é importante dizer que essa e outras de suas imagens foram amplamente apropriadas e trabalhadas pela Música Popular Brasileira, inclusive nos Sambas-enredos das Escola de Samba do Rio e de São Paulo, no teatro, e no cinema e na TV, do qual destaco duas produções em especial: a minissérie Agosto (Rede Globo, 1993, de Jorge Furtado) e o filme Getúlio (2014, de João Jardim, com Toni Ramos).

            Getúlio Vargas encerrou a carreira política e a vida como democrata, embora a oposição, a exemplo de Afonso Arinos entendesse que uma vez ditador sempre ditador, que não havia redenção para quem se usurpou do poder tendo rasgado dois textos constitucionais. Assim, Vargas retornou à Presidência da República no que se convencionou chamar de “nos braços do povo”, pelo voto. Ele manteve o viés progressista e desenvolvimentista, agora com uma faceta trabalhista. É fato que colaborou para dar novas feições ao país do ponto de vista econômico, mas foi um governo turbulento do ponto de vista político

            A essa altura do campeonato, Getúlio colecionava dos admiradores e da oposição uma série de estigmas: “ambivalente”, “ambíguo”, “raposa velha”. Típico de quem já sofria a exposição de muito tempo na vida pública. Por isso mesmo, defendo o fim do carreirismo político e a renovação da vida política, pelo menos a cada oito anos.

            Seu principal opositor e desafeto foi o jornalista Carlos Lacerda (UDN), candidato à Deputado Federal à época, que liderou uma campanha sem tréguas contra Getúlio Vargas, que contou com a corrupção interna de assessores e familiares, atentados e assassinatos liderados por sua guarda pessoal presidencial e a com a reação de setores das Forças Armadas. Era o início de sua derrocada. Estava montado todo o clima para que o fizesse cometer suicídio.

            “Daqui só saio morto”. Repetia a cada investida da oposição e de também de uma ampla frente considerada golpista. Os últimos dias de Getúlio Vargas foram de grande tensão, contando com o apoio de sua filha Alzira Vargas e de alguns assessores diretos, a exemplo de Osvaldo Aranha e Tancredo Neves. Com ataques de vários lados, inclusive da imprensa, ele optou por algo que talvez ninguém imaginasse, para além da queda ou renúncia.

            Nesse sentido, muito já disse e ainda há muito a ser dito e analisado sobre o suicídio de Vargas. Via de regra, quando alguém chega a esse ponto está desesperado e não consegue perceber outra saída para algo que lhe aflige. Mas, em se tratando de Getúlio há que ponderar mais de uma vez e procurar entender o ato até mesmo como um ato político, para alguns até mesmo frio e inteligente.

            Em linhas gerais, Getúlio Vargas foi uma pessoa controvertida, cheia de incógnitas, que ainda rende inúmeras biografias e estudos, que quando pensamos serem definitivas, novos fatos e nuances surgem a enriquecer esse terreno fértil de análises e discussões sobre a vida política do Brasil, que segue sua toada de viver no limite entre a democracia, sua manutenção e desenvolvimento, e os fantasmas aterrorizantes dos governos e ideologias autoritárias.


*Professor do Departamento de História da Universidade Federal de Sergipe, doutor e História e membro da Academia Sergipana de Letras e da Academia Sergipana de Educação. 

 

 


domingo, 19 de julho de 2020

O ESTADO PRÓ-TROMBÓTICO DA COVID-19




 

 

Antônio Carlos Sobral Sousa*

 

Acaba de ser publicado por Passos HD, Alves MA, Baumworcel L, Vieira JPC, Garcez JDS e Sousa, ACS, no prestigiado periódico brasileiro, Arquivos Brasileiros de Cardiologia (DOI: https://doi.org/10.36660/abc.20200427), um artigo enaltecendo a incidência relativamente alta de doença trombótica e tromboembólica naqueles portadores de COVID-19, provavelmente decorrente de efeitos diretos do SARS-CoV-2 ou por mecanismos indiretos da própria infecção. Interações medicamentosas com agentes antiplaquetários e anticoagulantes e a interrupção inadvertida de drogas anticoagulantes podem, também, contribuir para o estado pró-trombótico encontrado nesta patologia.

Os autores descrevem o caso de um paciente do sexo masculino de 66 anos, sem comorbidades, admitido no Hospital São Lucas de Aracaju, Sergipe, diagnosticado com infecção pelo SARS-Cov-2, que evoluiu com tromboembolismo pulmonar e sem evidência de trombose periférica.

As complicações cardiovasculares têm sido apresentadas de forma expressiva e variável na vigência da infecção pelo novo coronavírus, sendo responsáveis por até por 40% das mortes causadas pela doença. Estudos sugerem que a resposta inflamatória sistêmica exacerbada, juntamente com hipóxia possam causar disfunção endotelial e aumento da atividade pró-coagulante, contribuindo para a formação de trombos. Esse estado pró-trombótico associado à infecção sistêmica é comumente chamado de coagulopatia induzida pela sepse. Apesar de os dados disponíveis sobre risco trombótico serem limitados, a maioria dos especialistas concorda que o sinal para aumento do risco trombótico é suficiente para recomendar a profilaxia farmacológica do tromboembolismo venoso em pacientes hospitalizados com Covid-19. Tem sido recomendado, ainda, considerar anticoagulação no cenário de pacientes críticos em terapia intensiva, mesmo sem evidência clínica ou de imagem de trombose. Especial atenção deve ser dada a alterações como: hipoxemia refratária, alterações eletrocardiográficas, surgimento de taquicardia sinusal não explicada pelo quadro clínico atual e disfunção de ventrículo direito para o diagnóstico de trombose pulmonar e início da terapia anticoagulante adequada.

Em conclusão, A infecção pelo SARS-Cov-2 se apresenta com um fenótipo variável, sendo frequentes os relatos de complicações cardiovasculares e a presença de um estado pró-trombótico, por mecanismos ainda não totalmente elucidados. Deve-se, portanto, ficar atento para a eventual ocorrência de embolia pulmonar, mesmo na ausência de trombose venosa profunda demonstrada.

 

*Professor Titular da Universidade Federal de Sergipe e membro das Academias Sergipanas de Medicina, de Letras e de Educação.


sábado, 18 de julho de 2020

FEDÔ DE DOIDO




 

 

JOSÉ LIMA SANTANA*

 

 

            Ah, Manico de Tintiliano! Quantas presepadas você não armou no Boqueirão de Cima, nos tempos enturmados com Coceirinha e seu irmão Vadico, filhos do velho Zé Sebinho? Fedô de Doido...! Eu sei muito bem que o leitor gosta de especular. Afinal, eu também sou leitor. E especulo. Ora se... Porém, o título deste mísero escrito não tem nada a ver com o cheiro ruim que podia exalar da sobaqueira de Manico de Tintiliano do finado Zé de Cazuza. Nem de longe. Manico conversador, danado para arranjar presepadas. Bicho sorrateiro em boas conversas estava ali. Dava dribles com a língua de deixar qualquer interlocutor tonto, tirturado no desmantelo do palavreado. Menino, um adolescente, mas de muito bom tino.

            Manico era dado a botar apelidos nos outros. Ninguém lhe escapava. Nem o padre João das Virgens Fortunato, que se demorou na cidade para mais de trinta anos, de lá saindo bem velhinho, para um asilo das Irmãs de Caridade, na capital, já trôpego, a voz cansada, para entregar a alma a Deus pouco mais de dois anos depois. Um típico pároco de aldeia, incansável trabalhador da messe do Senhor. Seis cidades e um monte desembestado de povoações para assistir. Viajava, sozinho, por esse mundão de meu Deus, montado numa burra apaideguada, que de tempos em tempos, ele trocava por outra de igual valia. Um homem culto. Criou escolas, apaziguou adversários, realizou santas-missões, batizou, casou, confessou um magote de gente. Semeou o Evangelho sem ter descanso. Podia ter saído bispo, mas se recusou a deixar o sacerdócio simples, mas, ao mesmo tempo, tão grandioso, sacerdócio junto ao povo miúdo. Pois bem. Até aquele santo homem mereceu um apelido saído da boca de Manico de Tintiliano: Luz de Anjo. Um apelido respeitador para um homem respeitado pelo mundo afora.

            Os apelidos que Manico botava nas outras pessoas eram desembestados. Urubu cansado, Guela de bem-te-vi, Vara de virar tripa, Beira de penico, Lenço de mulher-dama, Bilhete sujo, Mijo de sagui, Bunda de tanajura, Fiofó arregaçado, Tamborete sem pernas, Olho de boi zanoio, Cacimba sem água, Asa de muriçoca, Pavio de candeeiro, Donzela morta, Boca de caçapa, Boi deitado, Cabeça sem miolo, Fundo de panela, Gazela apressada. Eis alguns dos apelidos, cujos apelidados ainda vivem. Apelidos pegam, ou não pegam. Se a pessoa apelidada subir nos tamancos, rodar a baiana, fazer fuzuê, aí o apelido pega. Ninguém, daquele tempo, azedou mais com o apelido do que Chico de Mamede, que não gostava de ser chamado de Limonada. Ele virava nas seiscentas. Pior era quando dois sujeitos lhe azucrinavam, um gritando “Limão!”, e outro gritando “Açúcar!”. Então, ele garrava de uma faca peixeira e brotava: “Mustura, fio do cabroco, mustura, que eu lhe decosturo de faca, do quengo à bicheira do pé”! A molecada ia à loucura.

            Mas, e Fedô de Doido, onde, enfim, entra nessa trama? Calma. O leitor deve ter a paciência que tem o autor, embora este não seja lá grande coisa, no trato do palavreado. É preciso ter calma. Afinal, todo escrito tem um fim, embora nem sempre seja do agrado do leitor. Fedô de Doido...! Que apelidozinho mais desgraçado! É de tapar o nariz. Porém, é, também, de se ter misericórdia dos pobres amalucados que andam por aí, sem esmo, sem atinar para a vida, os miolos desconjuntados na cabeça, vagando como almas penadas de carne e osso. Vidas que minguam no descompasso do desajuizamento.

            Era uma tarde de sol frouxo, que dava sinais da aproximação do inverno, tardio, nos fins de maio. Ninguém plantara o milho de São José. As chuvas não deram sinal, nos meados de março. Entrou abril com o sol a pino, dia após dia. Seria mais um ano de seca verde, como o ano anterior? Prenúncio de miséria, de fome e de sede? Não, não seria. A grandeza de Deus, como dizia Sá Bertina de João de Rosa, ainda cairia, bem lacrimejada, para fazer a terra engravidar e parir todo tipo de brotos. Pois naquela tarde, em que um ventinho safado de bom descia da Serra das Moças, com nuvens bonitas prendendo e soltando o sol, Manico vinha pela estrada do Caga Sebo, montado no jegue de Tintiliano, seu pai, com os pés quase arrastando no chão, cantarolando uma modinha antiga, que sua mãe, Cecilinha de Tintiliano, devia cantarolar enquanto cuidava da lide. Passando na porta de Porfírio de Sá Lucinda de Bastião das Aroeiras, deu de cara com Maria das Dô, filha caçula de Porfírio, que começava a desabrochar, qual fulô de mandacaru em prenúncio de chuva. Ali estava uma morena de endoidecer um quengo, de fazer um cabrinha no verdor da vida, se livrando da inhaca do mijo, como se dizia, ver os olhos não grudarem no sono por uma noite inteirinha. Ah, miséria de vida era a chegada da paixão alucinada, atirando por terra os beiços de alguém! Um endoidecimento. Coisas sem-vergonhas passando pela cabeça e se materializando na solidão. Agonia. Uma fulô de mandacaru amorenada, de formas botando ainda mais belas formas, formando uma formosura de maior esplendor do as auroras, juntas, do mundo inteiro.

            Manico manobrou a alimária para o terreiro de Porfírio e Sá Lucinda. A fulô amorenada expendia nos seus quinze anos. O de coração triturado não passava dos dezessete. Coração a carecer de um lenitivo para a sua agonia. “Boas tarde, das Dô”! A voz quase sussurrante do rapaz fez a fulô abrir um sorriso, como se procurasse beber uma gota de orvalho. O moço apeou do animal. O sorriso de Das Dô encorajaria até um calango diante de uma cascavel.

            Em inoportuna ocasião, o jumento sem cerimônia e sem pejo fez descer no terreiro de Sá Lucinda um avantajado jato de xixi. Mais que depressa, Manico tangeu o jegue para debaixo de um pé maria-preta. “Vai pra lá, Fedô de Doido”! A fulô riu igual a uma noite de lua cheia. O filho de Tintiliano acabara de botar mais um apelido.

            Mal e mal começando uma prosa encabulada, do lado de lá e do lado de cá, a primeira prosa assim de olho arregalado em olho arregalado, corações em descompasso, como se furtando estivessem, Manico, num sobressalto, viu aproximar-se o dono da casa, compadre dos seus pais. “Boas tarde, Manico. Como vai o compadre? E a comadre? Ô Das Dô, minha filha, traga uma cadeira pro moço”. Aquilo soou como uma bênção. Das Dô foi e voltou num piscar de olho, mais rápida que um corisco virando cobra de fogo no ar. Aquela seria a primeira de muitas belas tardes na vida daqueles dois. Debaixo do pé de pau, Fedô de Doido, nem aí para o casalzinho, sacudia o rabo, tangendo moscas.

 

 

* Padre, Advogado, Professor da Universidade Federal de Sergipe, membro da Academia Sergipana de Letras, da  Academia Sergipana de Letras Jurídicas, da Academia Dorense de Letras, da Academia Sergipana de Educação e do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe.


A REVOLTA DE 13 DE JULHO DE 1924 E OS SEUS REFLEXOS SOCIAIS




 

 

José Anderson Nascimento*

 

 

A revolta dos tenentes paulistas iniciada em 5 de Julho de 1924, sob o comando do General Isidoro Dias Lima, contra o governo do Presidente da República Dr. Artur da Silva Bernardes, que enfrentava uma grande crise econômica, concentrando o poder em mãos de políticos de São Paulo e de Minas Gerais, com denúncias de corrupção e de violação de princípios democráticos, muito influenciou os militares sergipanos, que, em sua adesão, sediciaram o 28º Batalhão de Caçadores na madrugada do dia 13 de julho desse ano, ocuparam o Palácio do Governo, prendendo e depondo o Presidente (Governador) Maurício Graco Cardoso e alguns dos seus auxiliares, dentre eles o Chefe de Polícia, Dr. Cyro Cordeiro de Farias, o Secretário Geral do Governo, Dr. Hunald Santaflor Cardoso, o Consultor Geral do Estado, Dr. Carlos Alberto Rolla, entre outros.

Os insurgentes, estando à frente o Capitão Eurípedes Esteves de Lima e os Tenentes Augusto Maynard Gomes, João Soarino de Melo e Manoel Messias de Mendonça, ocuparam também a estação telegráfica, a estação da Ferrovia Leste Brasileiro, que era localizada entre os mercados Maria Virgínia Leite Franco e Tales Ferraz e o Quartel da Polícia Militar, localizado no atual Museu da Gente Sergipana.

A tropa sediciosa marchou para a Praia Formosa e lá foram cavadas trincheiras até a Ponta do Claudiano, estacionando na margem direita do Rio Sergipe os canhões “Sergipe” e “União Faz a Força” e uma “Metralhadora” alemã da Primeira Guerra Mundial. Minaram a barra do mesmo rio e fizeram barricadas com sacos de areia, preparando a defesa, acaso as tropas federais viessem pelo mar. Sempre disparavam tiros de canhão, para animar a tropa e alertar a população. A Junta Governativa Militar composta pelos seus principais líderes, o Capitão Eurípedes Esteves de Lima e os Tenentes Augusto Maynard Gomes, João Soarino de Melo e Manoel Messias de Mendonça, preocupou-se com o cerco de Aracaju e destacou revoltosos para São Cristóvão e Itaporanga d’Ajuda. Em Rosário do Catete a defesa dos revoltosos ficou a cargo do exator Antônio Garcia Sobrinho e do advogado Zaqueu Brandão, que comandaram a guarnição com o canhão da Guerra da Independência, que foi colocado no vagão para transportar equipamentos do trem Maria Fumaça da Ferrovia Leste Brasileiro. Esse grupamento foi o responsável pela debandada do Batalhão Hercílio Britto, formado às pressas com homiziados, cangaceiros e  outros indivíduos do Baixo São Francisco, que vinham em socorro do governador do estado, que se achava preso no Quartel do 28º BC. Quando este batalhão se aproximava de Carmópolis, foi surpreendido com o estampido do tiro do velho canhão, disparado por Zaqueu Brandão, pondo-se em fuga a cavalaria e os infantes a pé, às carreiras, pelas matas e brejos, até alcançarem Propriá e dispersarem-se. Das bandas de Simão Dias partira em defesa do Dr. Graco Cardoso, uma coluna denominada de Batalhão Barão de Santa Rosa, comandada pelo Coronel Pedro Freire de Carvalho, que desistiu da empreitada antes de chegar em Salgado, dispersando-se em direção do sertão.

Apesar dessas debandadas, em que os revoltosos contabilizavam vitórias, a situação no Sul do Estado não era favorável aos insurgentes, pois trazidos pelos navios Iris, Canavieiras, Comandante Miranda e Marau, apoiados pelo contratorpedeiro Alagoas, desembarcaram no Castro, em Santa Luzia do  Itanhy, mais de mil soldados provenientes dos 20º, 21º e 22º Batalhões de Caçadores, aquartelados em Maceió, Recife e João Pessoa, respectivamente, além de militares das polícias da Bahia e de Alagoas, todos comandados pelo General Marçal Nonato de Farias, rumando a pé, pelos charcos, mangues e alagados, rumo à Estância, onde foi fixado o Quartel General  da campanha para restabelecer a legalidade em Sergipe. Para essa operação de Guerra, o General Marçal Nonato de Farias contou dois canhões Trupp, guarnições, armamento e munições. Navios, trens da Ferrovia Este Brasileiro, barcaças, pequenas embarcações, caminhões, carros de bois e tropas de muares.

As estações ferroviárias de Boquim e de Salgado foram ocupadas pelos legalistas e   o Marechal Marçal de Farias estabeleceu o seu Quartel General num vagão do trem Maria Fumaça e fez com que os insurgentes recuassem para São Cristóvão. Parte da tropa legalista desembarcou em São Cristóvão e seguiu em demanda para Aracaju, enfrentando os charcos palustres da Jabotiana, alcançando as tropas revoltosas pela retaguarda, que se puseram em debandada. Presos os principais líderes da revolta e mais outras quinhentas pessoas, os legalistas não conseguiram  prender o Tenente Augusto Maynard, que driblou o cerco imposto em Aracaju, fugindo para  Rosário do Catete, depois para Santo Amaro, escapando pelas matas da Fazenda Aruari, com o apoio do amigo Brasilino de Jesus, vagando pelo interior de Sergipe e escapa para Salvador, daí, parte para São Paulo, onde foi preso e recambiado para Aracaju em 7 de fevereiro de 1925.

Os reflexos da Revolta de 13 de Julho de 1924 projetaram as pautas do Tenentismo, notadamente no combate à corrupção e na propaganda do voto secreto, além da construção da Justiça Eleitoral e da instituição do ensino público obrigatório. Essas demandas projetaram-se à Revolta de 19 de Janeiro de 1926, em que o Tenente Maynard, apesar de recolhido ao 28º BC, o sublevou, novamente, com os mesmos companheiros de farda, capitão Eurípedes Esteves de Lima e tenente João Soarino, partindo para o enfrentamento com as tropas da Polícia Militar nas ruas de Aracaju. Baleado, o Tenente Maynard foi levado ao hospital para tratamento do seu ferimento e depois conduzido para a Ilha da Trindade, no Oceano Atlântico a   1.200 km do município de Vitória, que se tornara em prisão militar. Para lá foram conduzidos, também, o Capitão Eurípedes Esteves de Lima, os tenentes João Soarino de Melo, Manoel Messias de Mendonça e mais cem insurretos sergipanos. Lá já estavam revoltosos de outros estados, entre os quais o capitão Juarez Távora e o tenente Eduardo Gomes.

Anistiados, os revoltosos de 13 de Julho de 1924 focaram-se na Revolução de 1930, inspirando, em Sergipe um programa educacional na Interventoria Federal do General Augusto Maynard, inaugurando o Jardim de Infância, em 17 de março de 1932, cabendo a direção dessa unidade à Professora Penélope Magalhães dos Santos, uma entusiasta da educação infantil. Além disso, outras iniciativas no campo educacional foram presentes, em especial as produções científicas dos professores José Augusto da Rocha Lima e Helvécio Andrade, publicadas no “Boletim Pedagógico” em 13 de julho de 1934, comemorando os 10 anos da revolta dos tenentes.   

*Magistrado aposentado, advogado, professor e presidente da Academia Sergipana de Letras e membro da Academia Sergipana de Educação.

quinta-feira, 16 de julho de 2020

OS BRUZUNDANGAS – UM OLHAR (A)TEMPORAL DO BRASIL




 

 

Claudefranklin Monteiro Santos*

 

 

            Próxima de completar cem anos de sua primeira edição, uma das obras mais polêmicas de Lima Barreto ajuda a entender o Brasil de ontem e o Brasil de hoje. O pêndulo que separa os dois tempos e no mesmo movimento os aproxima intimamente define ao livro Os Bruzundangas a sua importância na História da Literatura Brasileira e recoloca o autor na cena discursiva que versa sobre a tênue fronteira entre ficção e realidade.

            Afonso Henriques de Lima Barreto nasceu no Rio de Janeiro, no dia 13 de maio de 1888. Aos seis anos de idade, ficou órfão da mãe, Amália Augusta. O trauma não lhe causou empecilhos para se destacar na escola pública, quando estudou no Colégio Paula Freire. Ingressou no nível superior, mas precisou interromper os estudos para ajudar financeiramente em casa, pois seu pai havia enlouquecido. Trabalhou como amanuense (uma espécie de secretário de repartição pública) e como jornalista no Correio da Manhã. Morreu muito jovem, no Rio de Janeiro (01.11.1922), aos 41 anos vítima de complicações coronárias, agravadas pela loucura e pelo alcoolismo.

            Lima Barreto, mestiço de origem e polemista por essência, além de encontrar dificuldades de ser aceito entre os pares de sua época, teve parte de sua obra publicada postumamente. Coube aos escritores Francisco de Assis Barbosa e Lilia Moritz Schwarcz tornar o autor conhecido e respeitado, com exímios trabalhos biográficos, dignos de nota e elogios, respectivamente: Vida e Obra de Lima Barreto (1952) e Lima Barreto – Triste Visionário (2017).

            Lima foi um combatente da literatura brasileira, lutando contra todo tipo de preconceitos e contra o racismo, inclusive o chamado racismo científico de sua época. Andarilho do Rio de Janeiro (de onde só saiu para se tratar do alcoolismo, em Marisol, com o médico lagartense, radicado em Santos, Ranulfo Prata), captou a cidade e a levou para seus escritos. Lugares e sujeitos. Com uma “literatura embrenhada de memória” (Lilia Schwarz), tornou-se uma leitura obrigatória para a compreensão do Brasil da Primeira República.

            Autor de vários romances, crônicas, artigos, memórias, destacou-se, sobretudo pela obra Triste Fim de Policarpo Quaresma (1915), que mereceu uma versão para o cinema brasileiro em 1998, com Paulo José e Giulia Gam. Em 1982, a Escola de Samba Unidos da Tijuca lhe fez uma homenagem com o samba-enredo Lima Barreto – mulato, pobre, mas livre.

            No que diz respeito ao livro Os Bruzundangas, trata-se de uma sátira que foi escrita, em forma de notas, entre os anos 1917 e 1921, tendo sido publicada postumamente em 1922. Para Valentim Facioli (USP, 1985): “(...) o efeito do texto é o de um ferrão na inteligência do leitor” (p. 11).

            Lima usa uma tática para falar do Brasil de seu tempo, valendo-se de um lugar imaginário (Bruzundanga). Ao colocar, o tempo todo, ambos os lugares em oposição (aqui e lá), no fundo o escritor está se referindo a um único lugar. Para dar nome aos seus personagens, Lima Barreto inventou nomes próprios, como se fossem escritos em língua estrangeiras. Se vale também da língua portuguesa e em alguns casos até dá “nome aos bois” (Coelho Neto).

            Entre as críticas mais contundentes, destaque para as dirigidas aos “samoiedas”, termo utilizado por Lima Barreto para criticar a chamada literatura “sorriso da sociedade” da época, não muito diferente da atual: erudição floreada e discurso convencional e panegírico, descolado da realidade. Ao falar dos “samoiedas” referia-se aos literatos e intelectuais de pouca obra ou de obra nenhuma, que pousam de figurões respeitáveis, inclusive nos círculos literários, movidos pela vaidade e não pela arte literária. Nesse sentido, para Lima: “(...) A glória das letras só as tem, quem a elas se dá inteiramente; nelas, como no amor, só é amado quem se esquece de si inteiramente e se entrega com fé cega” (edição de 1985, p. 23).

            A seguir, em linha gerais, as principais críticas de Lima Barreto presentes na obras Os Bruzundangas: ao jeito pavão de ser das elites brasileiras; à economia monocultura, latifundiária e dependente do capital externo; à nobreza de toga, de espada, doutoral e de palpite; ao acúmulo de cargos públicos, às acomodações e conchavos políticos e à propina; à hipocrisia católica; ao ufanismo exacerbado; ao ensino e os privilégios dos mais abastados; à desobediência à Constituição, sua mutilação e inúmeras modificações para acomodar interesses particulares ou de ideologias; ao carreirismo político; ao heroísmo fabricado; à corrupção por meio de assaltos “legitimados” aos cofres públicos; ao sistema eleitoral; à prática mercantil da medicina; à bajulação da personalidade e o culto à própria imagem; ao loteamentos de cargos; entre outros, atualíssimas.

Sobre o conjunto da obra e como a podemos situar no passado e no presente, o próprio autor nos dá uma valiosa pista: “(...) se a posteridade não encontrar nelas [as notas sobre Bruzundangas] algum ensinamento, e as desprezar, os contemporâneos do meu país podem achar nestas rápidas anotações de coisas de nação tão remota, moldes, receitas e meios para esbodegar [grifos meus] de vez o Brasil” (p. 66)

            É duro (re)ler Os Bruzundangas e notar que o Brasil segue o mesmo, em muitos aspectos, passados cem anos. A mesma canalhice de sempre e o mesmo desprezo pela cultura, pelo saber e pela ética. Segue a economia a ditar os rumos da nação, por meio de manobras políticas escusas à base do privilégio e da desfaçatez.

 

*Professor, doutor em História, membro da Academia Sergipana de Letras, da Academia Lagartense de Letras e da Academia Sergipana de Educação.


BOTARAM SAL NO DOCE DO GOVERNADOR

PÓ DE SOVACO DE MORCEGO

      José Lima Santana*     Zé Calango esbravejou diante do prefeito: “O que é que você pensa, seu cabeça de vento? Que o povo é ...